Obra-prima dos Beach Boys tem presença obrigatória em listas de maiores discos de todos os tempos
Paulo Cavalcanti Publicado em 16/05/2016, às 11h55 - Atualizado em 03/09/2016, às 17h57
A presença de Pet Sounds (1966) é obrigatória em listas de maiores discos de todos os tempos. Na mais recente votação feita pela Rolling Stonenorte-americana, publicada em uma edição especial lançada no Brasil em 2014, a obra dos Beach Boys apareceu em segundo lugar, atrás apenas de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles. Naturalmente, listas são subjetivas e sujeitas a contestações. Mas, enquanto outros álbuns clássicos permanecem temática e esteticamente presos ao período em que foram criados, a experiência única de ouvir Pet Sounds transcende o tempo.
Lançado no dia 16 de maio de 1966, Pet Sounds a princípio confundiu críticos e fãs. Não era a unanimidade e a referência que viria a se tornar, já que ninguém esperava que nascesse da banda um disco tão melancólico e com uma atmosfera sonora barroca. O LP contrastava vigorosamente com as canções sobre surfe, carros e dias ensolarados que tornaram o quinteto liderado por Brian Wilson a banda número 1 dos Estados Unidos. Emocionalmente instável, Brian sofreu um colapso nervoso no final de 1964 dentro de um avião. Desistiu de excursionar e passou a se dedicar apenas a criar dentro do estúdio. Aos poucos, a música que fazia começou a ficar mais refinada, como pode ser comprovado em The Beach Boys Today! (março de 1965). Brian se inspirava no ídolo, o produtor Phil Spector, e transformava o estúdio em um instrumento extra, tendo como parceiros os músicos contratados que, juntos, eram conhecidos como The Wrecking Crew – profissionais virtuosos como Hal Blaine (bateria), Tommy Tedesco (guitarra), Carol Kaye (baixo) e Steve Douglas (saxofone), entre diversos outros. Esses artistas experientes, com formação em jazz, eram versáteis e conseguiam traduzir em acordes as complexas ideias que Brian tinha em mente.
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No final de 1965, por sugestão do guitarrista Al Jardine, Brian criou uma versão sofisticada para a canção folk “Sloop John B”. A faixa marcou o começo do ciclo da gravação do álbum que mais tarde seria batizado como Pet Sounds. Acatando o conselho de um amigo, Brian também passou a trabalhar no projeto com o jovem publicitário Tony Asher, que investigava as emoções latentes do músico e escrevia letras com base nelas.
Depois de se impressionar com Rubber Soul (1965), dos Beatles, Brian declarou que queria gravar “o maior disco de todos os tempos”.Embora não tenha sido planejado como um álbum conceitual, a sequência de canções de Pet Sounds resume a jornada temporal e psicológica de um homem, do deslumbramento juvenil até a maturidade. O protagonista é obviamente um alter ego para Brian. Na época, ele tinha 24 anos e enfrentava problemas no casamento, se chocava com os colegas de banda e se afastava dos amigos. Em Pet Sounds, o narrador insiste nas parceiras erradas e decepciona aquelas que seriam as pessoas certas; anseia por um relacionamento supostamente ideal, mas não vê o valor que existe mesmo nas coisas imperfeitas. Enquanto isso, ele embarca em uma jornada quixotesca para saber o porquê de tamanha inquietude emocional.
“Wouldn’t It Be Nice” e “Caroline, No” abrem e fecham Pet Sounds, respectivamente. No retrato pincelado por essas canções, jovens adultos emancipados têm a sorte de conquistarem as melhores coisas do mundo, mas no final perdem tudo aquilo pelo que ansiavam, ficando velhos, sozinhos e de mãos vazias. “You Still Believe in Me”, “I Know There’s an Answer”, “Don’t Talk (Put Your Head on My Shoulder)”, “Here Today”, “I’m Waiting for the Day”, “That’s Not Me” e “I Just Wasn’t Made for These Times” introduzem sentimentos como a perda da inocência, culpa, rejeição, solidão e inadequação. As instrumentais e cinematográficas “Let’s Go Away for Awhile” e “Pet Sounds” oferecem um respiro em meio a tantos turbilhões emocionais. Mas a joia de Pet Sounds é “God Only Knows”, que abre o lado B do LP e saiu em um single junto a “Wouldn’t It Be Nice”. Brian, de início, teve receio de usar a palavra “God” reclamou – achou que o primo estava “estragando a fórmula”. A Capitol Records também não gostou do disco; os executivos o viam como depressivo e pouco comercial. A empresa não fez muito para promovê-lo.
Pet Sounds não vendeu mal nos Estados Unidos, chegando à décima posição das paradas, mas foi uma decepção se comparado às vendas dos álbuns anteriores dos Beach Boys. Já na Inglaterra a situação foi diferente: o LP atingiu o Top 3, pousando no segundo lugar. Antes de o álbum chegar às lojas, Bruce Johnston, que entrou para os Beach Boys em 1965, levou uma cópia para Londres e, em uma lendária festa em um hotel, mostrou o trabalho em primeira mão para a aristocracia do rock inglês. Os Beatles estavam lá e se sentiram criativamente ameaçados. Revolver e Sgt. Pepper’s não seriam possíveis sem as inovações gestadas em Pet Sounds.
O ano de 1966 foi de ouro para a banda de Brian Wilson, que ainda conseguiu colocar em primeiro lugar a inovadora e psicodélica “Good Vibrations”. Em 1967, Brian tentou se superar com o projeto do disco Smile e falhou. Devido a vários fatores – entre eles, o abuso de drogas –, o líder perdeu a sanidade, se isolou e se afastou do grupo que ajudou a fundar. Os Beach Boys seguiram pela década de 1960 fazendo música interessante, antes de se transformarem em ícones da nostalgia. Já o perene Pet Sounds segue redescoberto pelas novas gerações. Mas, olhando em retrospecto, o álbum também marcou a despedida dos dias dos Beach Boys debaixo do calor do sol.
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Love and Mercy deveria ter estreado nos cinemas brasileiros em outubro do ano passado. Devido a fatores mercadológicos, o lançamento em tela grande foi cancelado – o longa dirigido por Bill Pohlad chega agora em DVD, com o equivocado título The Beach Boys – Uma História de Sucesso. Paul Dano (foto abaixo) vive o jovem Brian Wilson na época da criação e gravação de Pet Sounds e John Cusack interpreta o líder do grupo californiano nos anos 1980, em sua fase madura e catatônica, quando era dominado pelo psiquiatra Eugene Landy (Paul Giamatti). Essencial e perturbador, o filme mostra o limite existente entre a loucura e a genialidade.
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