Encontro aconteceu no Festival de Cinema de Londres, no qual a cineasta exibiu o filme Coração de Cachorro
Juliana Resende/BRPress Publicado em 04/11/2015, às 15h53 - Atualizado em 10/11/2015, às 12h48
Aos 68, Laurie Anderson não tem medo de dizer que fala com fantasmas. A artista multimídia pioneira e experimental “conversa” com três deles em seu novo filme, Coração de Cachorro, - que tem sessão nesta quinta-feira, 04, às 20h, no Sesc Belenzinho, dentro da Mostra de Cinema de São Paulo - sua cadela Lolabelle, seu pai e o terceiro não se sabe bem se é Lou Reed, companheiro dela por 21 anos, ou seu guru budista desaparecido em uma viagem de meditação transcendental.
Um ou outro, o fato que Coração de Cachorro é uma encantadora viagem existencial sobre morte, amor, sentimentos, infância, lembranças e coisas da vida em geral, tomando a percepção de Lolabelle, morta em 2011, como perspectiva. “Os cães têm aquele olfato poderoso, além de uma audição tremenda. Gosto de levar isso em consideração”, diz Laurie. Pelas lentes da musa indie passa muita poesia, considerações surpreendentes em um jogo de imagens e sons sofisticado e até mesmo Lolabelle tocando piano.
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Volta ao visual
Este o primeiro trabalho de Laurie Anderson para cinema desde Home of the Brave (1986). Assistimos ao filme (quase todo feito com um iPhone e cheio de efeitos visuais) no 59º BFI London Film Festival, o Festival de Cinema de Londres, onde Laurie bateu papo com a plateia, conversou com jornalistas (além dos “fantasmas”) e com o músico inglês Brian Eno (ex-Roxy Music), de quem ela é contemporânea na música eletrônica e seus desdobramentos artísticos.
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Assista ao trailer de Coração de Cachorro.
Um pouco da conversa reproduzimos aqui, dando a palavra à Miss Anderson, com direito a intervenções extremamente sagazes de Mr. Eno, dos espectadores do filme em Londres (meio desorientados) e da reportagem (querendo saber quando Laurie voltará ao Brasil – em vão!) - presente nas duas sessões londrinas completamente lotadas de Coração de Cachorro e no Red Carpet do London Film Festival, para um particular com a musa indie, que pode ser conferido aqui.
Brian Eno - Eu estava vindo pra cá esta manhã e vi uma referência a mim que parecia um press release publicado no Hollywood Reporter, que me definia como um ‘ícone da dance music’ [risos]. Não sei se deveria me orgulhar ou não disso… O que você acha, Laurie?
Laurie Anderson - Acho bem legal!
BE Bem, não acho que alguém tenha dançado muito com nada que eu fiz…
LA - Eu dancei!
BE - Ah, que bom! Então pra você eu sou um ‘ícone da dance music’! [mais risos].
LA (mudando de assunto) - Brian, que trilha é essa que você fez para um filme recentemente? Também trabalhando com cinema?
BE Foi para o filme Me and Earl and the Dying Girl (2015). É que eu ainda não vi. Parece uma comédia adorável… Na verdade não é nada de novo, eles pegaram umas músicas que fiz nos anos 1970 e deram uma nova roupagem. Ficou muito bom. Soaram tão boas como quando eu as fiz! Ou talvez ou só esteja nostálgico sobre o meu passado…
LA - Eles remasterizaram as músicas no Atmos, versão 7.1 (leia-se Dolby Atmos Audio Technology)?
BE - Acho que sim. Eles fizeram uma exibição ao ar livre da trilha com esse sistema de som supersofisticado e estava uma chuva danada. Ainda assim havia uns 16 gatos pingados ouvindo – e ou era um deles [risos]. Foi fantástico!
LA - Nossa! Ontem eu também tive a impressão de ter feito algo muito melhor do que achava ao ouvir algumas coisas que compusemos juntos nos anos 1990, no meu estúdio em Nova York com aquela vista para o rio [Hudson].
BE Eu gostava daquele estúdio na Canal Street e da vista dele!
LA - Pois é, eu mudei para um prédio do Donald Trump e tive de colocar tijolos nas janelas.
BE Como assim? Você tem de colocar tijolos nas janelas para vedar o barulho?
LA - Aparentemente é uma coisa bem Trump, do tipo: “Você comprou o imóvel e não a vista”. Não é dono de tudo que ela alcança…
BE - Donald Trump é! [risos]
LA - Uma das promessas de campanha dele é construir esse muro na fronteira do México… Será um muro muito moderno e bonito [mais risos].
BE - Pelo menos do lado norte-americano!
LA - Com tudo que os standards do estilo arquitetônico Trump tem direito! Estou ansiosa.
BE - Laurie, você fala de ouvir músicas que fizemos no passado e redescobri-las de novas maneiras. Tenho achado muitas sobras, especialmente do meu segundo álbum, de 1974. Mas hoje, quando um artista entra em estúdio para gravar, geralmente sobram centenas de coisas que não são usadas e que podem ser reaproveitadas de inúmeras maneiras – acho que é por isso que as nossas músicas soam muito melhores hoje do que quando as fizemos.
LA - É, acho que sim.
BE - Acho também que hoje é um ato de resistência deixar um pouco de espaço em branco e sem tantos efeitos nas faixas.
LA - Concordo. Mas também é bom quando a gente consegue criar um som do nada ou de um barulho insignificante e transformá-lo no elemento central da canção com a ajuda de toda a tecnologia disponível em um estúdio. E os vocais então, nem se fale! É possível trabalhar os detalhes antes de ter toda a história pronta.
BE - Nós dois somos muito visuais, além de musicais, por isso sempre gostamos tanto da tecnologia. Eu nunca fiz um filme, mas você agora está lançando Coração de Cachorro. Depois de Home of the Brave, confesso que eu não tinha ideia do tipo de filme que você faria… Mas quando vi Coração de Cachorro na hora caiu a ficha que era exatamente o que você faria. Faz todo o sentido. É uma evolução do que você já fez.
LA - Eu montei o filme sem música e mostrei para algumas pessoas e elas disseram: "Não ponha música. Deixe assim”. Mas eu não resisti! Ainda mais com tanta facilidade tecnológica!
BE - Acho que nós dois, apesar da idade, somos artistas que sabemos tirar alguma vantagem do fato de podermos sentar nas nossas salas e gravar um álbum e fazer um filme – sozinhos! No passado, tínhamos de trabalhar com uma equipe, o que tornava tudo mais caro e mais difícil. Sei que isso parece bobagem para os mais jovens, mas eu ainda fico muito excitado de poder fazer as coisas eu mesmo, a bordo de um trem – eu adoro viajar de trem para compor. Sinto-me inspirado.
LA - “Música para Trens”?
BE - Essa é uma ótima ideia [risos]! Acho que faz uma enorme diferença quando você pode criar as coisas do seu jeito, com muita independência.
LA - De fato, um dos maiores erros que eu cometi foi fazer uma turnê com muita gente. Fazer a coisa com um caminhão quando poderia ter feito com uma valise de mão. Descobri também que não funciona para mim trabalhar sob encomenda e com patrocinador. Muita gente envolvida na produção é um pesadelo! Uma vez cai na besteira de aceitar que uma empresa financiasse minha produtora por três anos e não deu certo. Também não gosto de muita burocracia para poder trabalhar. Então, aprendi que ambição tem um preço e é muito melhor ser um artista independente, ainda que em menor escala. Gosto da minha liberdade. Você pode fazer um filme como Coração de Cachorro com quase nenhum recurso financeiro. E ainda assim o resultado pode ficar bom.
BE - É o mesmo acontecendo com a música. Hoje você não precisa das grandes estruturas para fazer algo decente. Eu lembro do Robert Fripp (antológico guitarrista do King Crimson) tendo de justificar numa entrevista porque ele trabalhava com Brian Eno, que sequer era músico – o que era bem verdade [risos]! _ ainda mais comparado com Fripp. Ele respondeu que era porque eu pensava fora da caixa, diferente, e ele gostava disso. Quantas vezes discutimos e Fripp falava: “Você não pode colocar essa nota aí, é impossível funcionar…Mas não é que realmente ficou muito bom?!”.
LA - E pra você, Brian, o que era impossível?
BE - Tocar guitarra [a plateia se desmancha em mais risadas]! Mas eu dei um jeito nisso com um teclado no qual poderia usar somente um dedo. Acho que devemos manter nosso lado criança para conseguir brincar com as coisas de outro jeito.
LA - Você é o cara que mais gosta de resolver problemas com quem eu já trabalhei. Todo mundo surfando e você sempre achando oportunidades em tudo. Você tem tantas expectativas e jeitos diferentes de fazer a mesma coisa!
BE - Acho que você também sempre surpreende com seu trabalho e deixa em aberto para cada um interpretá-lo da maneira que quiser.
LA - Eu detesto que digam o que devo pensar e o que devo sentir. Então, tento não sugestionar a audiência.
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