Exagero e superprodução resgatam os melhores aspectos da década da explosão da banda
Hank Shteamer / Roling Stone EUA Publicado em 04/08/2019, às 10h00
Algumas músicas depois do começo do show do Iron Maiden no Brooklyn, Nova York, durante o último sábado, o frontman Bruce Dickinson engajou no palco uma luta de espadas com uma criatura de 2 metros de altura vestida como um soldado britânico. Nos momentos em que o vocalista e o monstro - uma encarnação de Eddie, mascote da banda - duelavam, os outros cinco integrantes do grupo arrasavam em “The Trooper”, a ode do Maiden de 1983 à alegria e perigo da guerra do século XIX. A cena era um espetáculo midiático puro, absurda e inegavelmente incrível - em outras palavras, um resumo do Iron Maiden.
É difícil imaginar um show mais essencialmente Iron Maiden do que o feito no Brooklyn, e ele ainda vai passar pelos EUA, Canadá e México nos próximos meses (a banda vem ao Brasil em 2019). Chamada Legacy of the Beast, a turnê é, como Dickinson explicou no evento, um serviço para os fãs, um set de retrospectiva com nenhuma música feita depois de 2006 e a maioria datada do auge da banda nos anos 1980.
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Focar no passado para essa nova etapa permitiu à banda se alongar, tocando em espaços profundos de seu repertório, como “Flight of Icarus”, que antes de Legacy of the Beast não tinha sido apresentada ao vivo desde 1986. Mas o elemento central do show é o palco, uma produção gloriosamente exagerada que começa com uma réplica gigantesca de um avião da Segunda Guerra Mundial voando por cima da plateia durante a performance de “Aces High” e não economiza no espetáculo durante as duas horas seguintes. Graças ao incansável Dickinson e ao constante envolvimento da banda, o cenário nunca parece vazio.
O palco do show se transforma constantemente, de um bunker militar selado com folhas e camuflagem a uma catedral cercada de vitrais e candelabros, um cemitério sinistro cheio de névoa e, finalmente, durante “The Number of the Beast,” algo que parece a entrada para o próprio inferno como uma boca sinistra engolindo a banda e, depois, uma grande e inflável cabeça de Eddie-como-Satã. (O personagem apareceu no palco em várias facetas durante toda a noite, desde um guerreiro na apresentação do épico “The Clansman” até como Wicker Man do ano 2000 da música de mesmo nome, ilustrando que nenhuma banda nunca fez tão bom uso de um mascote). “Flight of Icarus” chegou completa com uma enorme sepultura falsa do personagem que, apropriadamente, voou acima de Dickinson - que usava luvas de lança-chamas como algum tipo de supervilão da Marvel - e caiu no fim da música.
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O que na teoria pode parecer uma tentativa desesperada de se ater a um ideal em grande escala de um espetáculo é, na verdade, um grande momento para se contemplar, graças a fatores inter relacionados. Primeiro, a inegável alegria da banda ao tocar. Dickinson continua, dentro de seu gênero, o mais carismático e divertido frontam - o mais perto que o heavy metal tem de uma figura como o sempre jovem Mick Jagger.
A partir do segundo em que entra no palco até sair, o homem de 60 anos é uma mistura de diva, atleta e ator, e vive os dramas das músicas com uma atitude formidável de rock - quase mais pungente agora, porque você pode ouvir uma pitada de tensão quando ele alcança suas notas altas - e fanfarrão, como se o palco fosse o cenário de seu próprio filme de ação.
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No sábado, ele brandiu uma espada durante o show, ergueu um enorme crucifixo durante “Sign of the Cross”, andou pelo palco com uma máscara prateada de um médico do século XIX carregando uma lanterna em “Fear of the Dark,” e fechou o evento em cima de uma plataforma com mini explosões durante “Run to the Hills.”
Seus companheiros de banda corriam em formação de ataque pelo palco, cada integrante se engajando com a plateia de uma maneira diferente, desde Steve Harris usando o baixo como uma falsa metralhadora até a correria quase infantil de Janick Gers - além dos famosos solos-em-uma-perna-só de Dave Murray.
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Outro elemento da equação de sucesso do Iron Maiden ao vivo é a plateia. Os fãs são uma tribo enorme e exuberante (quase 30 mil pessoas em dois shows) que cantam e dançam em sincronia com a banda, e gritam animados quando solicitado. Além dos já esperados homens de meia idade, havia muitos casais e famílias com crianças. Quase 70% das pessoas usavam camisetas da banda, a maioria merchandise específico do show da noite, mostrando Eddie na ponte do Brooklyn em uma explosão de chamas.
Durante uma pausa entre as músicas, o músico expressou uma surpresa falsa em ver tantas pessoas em um show do Iron Maiden em 2019. “Heavy Metal ainda está vivo no século XXI? Alguém avisa a mídia!” Ele parou, e refez o pensamento: “na verdade, f***-se a mídia. Não precisamos deles, só de vocês.” Depois, brigou com um fã por filmá-lo sem parar. A conclusão parece ser que a banda e sua carreira de mais de quatro décadas retiraram-se do mainstream, e por isso não vai permitir que a tecnologia intrusiva estrague tudo.
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E se a ação no palco e o entusiasmo dos fãs são o fogo, as músicas são a faísca. A cada ano que passa, a música do Iron Maiden parece se afastar mais da atual corrente do heavy metal, que tende a uma corrida frenética de morte. Em contraste, o drama de clássicos do Maiden como “Where Eagles Dare” e “Two Minutes to Midnight” com suas cadências arrogantes, quase alegres - lideradas pelo baterista Nicko Brain e suas nuances maestrais e sem pressa - ou “Hallowed Be Thy Name,” com sua melódica guitarra, parecem mais perto de algo tranquilo do que algo que o metal se tornou.
O senso de arcaico também aparece em épicos mais lentos como “For the Greater Good of God” de A Matter of Life and Death’s e “Fear of the Dark” de 1992, ambas contrapondo a melodia de uma música para ser cantada com explosões de rock. A relativamente punk e urgente “Iron Maiden” - que foi o ponto inicial da banda em 1980 e fecha o set de Legacy of the Beast - é o mais perto que a versão de 2019 da banda chega de algo mais firme; na maior parte do tempo é um grupo que sempre quis um som mais sublime e mais dramático, e esse show parece ter sido feito para resgatar o centro da estética Iron Maiden.
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Depois de todos os acessórios enormes, as mudanças de palco, e as aparições de fogo, o que mais há para fazer? Durante “Run to the Hills” no final, uma grande caixa na qual está escrito “TNT” aparece acima da bateria de McBrain. O som termina, e Dickinson desata o pistão a que estava armado, criando uma chuva de fogos de artifício. Foi um final bobo e apropriado - mais Looney Tunes do que qualquer outra coisa - para um show que pareceu o pináculo do escapismo do Heavy Metal, equilibradamente pastelão e sincero.
A narrativa padrão do rock nos diz que esse tipo de coisa morreu há décadas, e que o excesso dos anos 1980 cedeu espaço para o que veio nos anos 1990. E a turnê Legacy of the Beast prova que não.
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