Little Joy retorna a São Paulo dando indícios de que a fase de encantamento não passou - para o público e muito menos para os músicos
Por Anna Virginia Balloussier Publicado em 18/08/2009, às 02h02
Os shows do Little Joy têm muito de suas músicas: são bons enquanto duram. Mas duram pouco. Ao tocar na Via Funchal, na noite de sábado, 15, para casa cheia, o projeto de Rodrigo Amarante, Fabrizio Moretti e Binki Shapiro durou uma hora cravada no palco, bis incluso. Para quem pagou R$ 100 (preço médio) pelo ingresso, restou a impressão de trailer prolongado: resume bem o filme, mas o público quer ver a versão na íntegra - e, se possível, com making of, cenas cortadas e comentários do diretor.
Sorte a deles que... bom, que eles são eles. Isso, em resumo, significa o seguinte: Amarante poderia ter subido ao palco para cantar jingles de comida para cachorro, enquanto Moretti estaria dando cambalhotas e Shapiro, lixando unha. Mesmo assim, o público, tal qual romaria para os músicos pródigos, engrossaria os decibéis a cada movimento da banda.
E, de fato, o cordão do puxa-saco cada vez aumenta mais: em vez da apertada Clash, onde 500 pessoas desafiaram a lei "dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço", na primeira passagem do então recém-formado grupo pelo Brasil, em janeiro, desta vez a casa comportava até seis mil pessoas (não havia clarões na plateia, mas o vaivém era livre). Flerte com o mainstream para o projeto que começou tocando - e adorando o fazer - em cantos fuleiros nos EUA.
Sorte a nossa que... bom, que eles são eles. Depois dos shows de abertura (The Dead Trees e Adam Green, ex-Moldy Peaches, redescoberto pelas baladas de Juno), o Little Joy entrou em cena com "No One's Better Sake", primeira amostra de um repertório que seguiria simpático até o fim. "Despretensão", "clima praiano", "reunião de amigos" - pelos próximos 60 minutos, eles provarão que todos os clichês colados à banda continuam dentro do prazo de validade.
Mas nem tudo permaneceu no mesmo lugar desde a última visita a São Paulo. Amarante, agora, claramente se destaca como frontman dos mosqueteiros. Com voz rouca ("não foi da festa de ontem!", disse, com poder de convencimento zero), ele tinha algo de Tom Waits do Posto 9 (na praia de Ipanema, Rio de Janeiro), assumindo a posição central num palco que parecia grande demais para preservar o clima fraterno entre os três.
Após "How To Hang a Warhol", outra música de Little Joy (único álbum do grupo, lançado em novembro nos EUA e, dois meses depois, no Brasil), é a vez do vocal feminino em "Unattainable". De todos, Binki é a mais mudada. Esqueça a imagem daquela moça loura com ar de quem, ao mesmo tempo, poderia ser garota mais tímida da festa - ou simplesmente não estar nem aí para o resto do mundo. Bem mais solta, ela interage com a plateia e põe a voz para fora. Definitivamente, deixou de aspirar ao papel de coadjuvante. Não deixa de ser um caso curioso: com sua postura deliciosamente preguiçosa, consegue, numa só tacada, ser apagada e dona de luminosidade só sua. Como não é nenhuma Nico, a parceria com os rapazes é perfeita, já que seu encanto funciona melhor em doses homeopáticas do que cavalares.
Com a balada "Shoulder To Shoulder", encerra-se sucessão de músicas conhecidas do ainda diminuto repertório do Little Joy. "All The Hours", a primeira novidade da noite, ganhou explicação de Amarante: "A gente tinha que fazer músicas para o show do Brasil. Esta nós terminamos na tarde de anteontem". Esparramou-se pela casa, então, arranjo forte, algo dramático, com reforço de sax.
Shapiro, que curte a onda de ficar sentada na maior parte do show, levantou-se para o charmoso cover de "Midnight Voyage", do The Mamas and the Papas. Em seguida, Amarante usa sua rouquidão a favor para entoar a belíssima "With Strangers", em sintonia fina com a guitarra melancólica de Moretti.
Anunciada como "música romântica" pelo ex-hermano, a segunda novidade do concerto, "I Agree With Your Face", é o momento mais pé-no-rock do setlist (alguém disse Strokes?). A reboque vem "Sambabylon", outra faixa nova, com direito a introdução de Moretti - que tocou o tempo todo com o ar levemente bebum (de praxe para shows brasileiros), como se estivesse a fim de abraçar todo mundo e falar: "Já disse o quanto te amo hoje, cara?". "Podem cantar conosco? Make my heart melt [faz meu coração derreter]", pede o carioca radicado em Nova York, em mexidão idiomático. Após reger coro indie, ele acena a Amarante, e a banda toca a mais hermanística de todas as canções da noite.
No Rio, cidade em que o Little Joy se apresentou 24 horas antes, as pessoas não sacaram muito bem a música, alegou Shapiro. "Eu amo o Rio", ela emendou rapidamente, sem dar férias à ironia.
"The Next Time Around" vem depois, com Amarante na linha de frente e participações vocais, em português (ou algo próximo disso), de Shapiro e Moretti. A voz feminina do trio volta a se destacar, embalada por backing vocal dos rapazes, em "Don't Watch Me Dancing", baladinha honesta que compartilha da mesma singeleza de "After Hours", parceria de Nico com Velvet Underground. (Enquanto, na música do Little Joy, a súplica é para que você "não a veja dançando", esta tem versos que falam de "todos dançando e se divertindo", e que a vocalista gostaria que isso acontecesse com ela.)
Como um Julian Casablancas com pé no freio e cordões havaianos em volta do pescoço, Amarante canta "Keep Me In Mind", desfecho do primeiro bloco. Como no show de janeiro, ele reaparece sozinho e inicia o bis com a introspectiva "Evaporar". Para não dizer que a canção em português é filha única num repertório dominado pela língua inglesa, os companheiros de grupo voltam para "Procissão", num cover bem-ajeitado de Gilberto Gil - de certa forma, a guitarra rock 'n' roll de Moretti, em vez de poluir a canção, transformando-a em algo que não deveria ser, soou antropofágica na medida certa.
Para a saideira, o trio, já escoltado pelos músicos de apoio (Matt Borg, Matt Romano e Todd Dahlhoff), convoca Adam Green e a galera do Dead Trees (banda com Dahlhoff na formação). Algazarra instalada, o coletivo toca "Brand New Start". Green pula de um lado para o outro e, a certa hora, é afastado por Shapiro como se fosse a mosca chata que insiste em zunir no seu ouvido. Se o grande medo em relação ao Little Joy é que o projeto fosse como amor de verão - algo divertido de se fazer, e com o "bônus" de não precisar dar satisfações ou ligar no dia seguinte -, o trio ainda não dá sinais de ter se desencantado do camarada ao lado. Que seja bom enquanto dure. E que, da próxima vez, dure só um bocado mais. O público agradece.
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