- Lucas Silveira, da Fresno, junta-se a Zander para lançamento de "Desalento" (Foto 1: Lucas na divulgação da Quarentemo / Foto 2: banda Zander, Julia Magalhães/ Divulgação)

Lucas Silveira entrevista Zander e Zander entrevista Lucas Silveira - e juntos lançam 'Desalento' [ENTREVISTA]

Lucas Silveira, da Fresno, conversou com Gabriel Zander sobre processos criativos, formação de cenas na era digital e mais - e preparam lançamento de "Desalento"

Redação Publicado em 17/07/2021, às 15h00

A banza Zander encontra-se em desalento na pandemia. Aliás, quem não? Mas eles têm a vazão da música para mostrar o descontenamento da vida, e lançaram uma série de singles em 2021 - preparação para Em Carne Viva, disco previsto para outubro. Um resumão da tristeza é "Desalento", lançada ao lado de Lucas Silveira, da Fresno.

Zander - composta por Gabriel Zander (vocal e guitarra), Carlos Fermentão (bateria), Gabriel Arbex (guitarra) e Marcelo Malni (baixo) - e Lucas se envolvem em um rock melancólico, com lembranças do grunge e hardcore da virada do século; um téte-a-téte do estilo de ambos focos musicais.

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"Desalento," lançado pelo selo Olga, é uma preparação para a próxima entrega da banda:  "Com inspirações que vão do Smashing Pumpkins ao Nirvana, passando por New Order e Legião Urbana, o grupo tem tudo para se tornar o favorito em suas playlists," explicam em release para a imprensa.

Para falar da colaboração e do futuro próximo de Zander, Lucas e Gabriel entrevistaram um ao outro - comentaram influências, processos criativos, a cena underground na era digital, e desabafaram sobre pandemia. Confira:

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Gabriel Zander entrevista Lucas Silveira

GZ: Cara, uma vez conversando com [o baterista da Fresno, Thiago] Guerra, ele me disse que você estava fazendo músicas diferentes, mais dançantes, e pensando em usar em outro projeto. E daí, ele disse: "Isso é Fresno, man! Vamos usar!”. Imagino que Sua Alegria Foi Cancelada (2019) tenha muita coisa daí. Procede? Para você, como foi esse processo de se permitir abraçar outras referências, texturas e universos?

LS: Cara, sem sombra de dúvida o processo criativo que eu tenho é muito solitário, então mesmo quando são músicas creditadas, as quais todo mundo fez, normalmente essas músicas nascem de uma passagem de som, uma jam de ensaio, na qual eu gravo aquele riff [ou] aquela harmonia ou seja lá qual ideia foi criada.

Mas, na hora de sentar e escrever sobre o que vai ser essa música, normalmente faço sozinho. O que não impede de lá na frente um outro membro da banda entrar com um refrão, alguma ideia ou só uma sugestão.

Tem funcionado assim minha carreira inteira. Quando a gente era controlado por uma gravadora tipo a Universal, basicamente a demanda de música nova vinha deles, então eu acabava fazendo muito mais música do que precisava e não conseguia ter, na Fresno, vazão para essas [faixas diferentes].

Então, ficava inventando outros projetos e, claro, tinham porquê exisitir como Beeshop, o qual é em inglês e tem uma sonoridade diferente. Me vi quase jogando contra a Fresno,, cheio de projetos nos quais não colocava peso, não me esforçava para dar certo ou ter muito play, enfim, minha força [e] meu poder de fogo... Era muito dividido.

Quando Fresno ficou independente de novo… Hoje, estamos em gravadora, mas o pensamento é independente e a administração também. Temos uma liberdade criativa tão grande, e o público entende essa minha liberdade tão grandemente. Por causa de toques tipo este do Guerra, não existe mais na minha mente uma música Fresno ou uma música para tal projeto.

Basicamente, minha criação é muito despejada na Fresno e Sua Alegria é totalmente isso. Por que ficar com uma faceta do que dá para fazer, quando uma banda com 20 anos tem mais que fazer tudo [e] estar, tipo, enlouquecidamente inovando.

Tenho buscado [inovar] por conta desse encorajamento que o Guerra deu - porque ele poderia muito bem ter falado o contrário: 'Olha isso não tem muito cara de Fresno.' Não existe 'cara de Fresno', não existe cara de nada. É uma preocupação de muito compositor e artista em geral de achar que existe uma demanda sobre um certo estilo.

A não ser que seja AC/DC ou Iron Maiden - e, talvez, essa banda nem tenha uma demanda de mudança porque nunca mudaram - mas o público quer ouvir música boa, não está nem aí sobre como é, como começa, como termina. Se for teu fã, vai ouvir com boa vontade, ouvir assim: 'Meu Deus, tomara que seja muito f*da.'

GZ: Uma coisa legal que você me falou, na época que estavam na tour do disco novo, foi sobre o lance de tentar espaçar mais os shows para poder criar conteúdo e tornar cada show mais aguardado e especial. Vocês chegaram a pensar nisso antes em algum momento ou foi algo que perceberam enquanto estava acontecendo?

LS: Com certeza, a decisão de fazer menos e melhores shows foi um negócio que surgiu dentro da banda. Essa ideia foi completamente interna. Percebemos que pulverizava demais o próprio público.

O Brasil, infelizmente, é um país onde a galera que ouve a gente - em geral, a maioria das pessoas - têm uma condição financeira difícil para ter um dinheiro para ir ao show. O show é uma experiência elitizada, mesmo o mais furreca. As pessoas não têm essa grana. Percebemos que, se fizéssemos shows maiores, marcados com muita antecedência, poderíamos fazer um fã - quem talvez não teria dinheiro para ir em um show daqui duas semanas - conseguir se programar para vir daqui seis meses.

A gente poderia dar mais importância para um show maior, com estrutura que sempre sonhou  - não conseguiríamos se fizessemos 10 shows menores. Também tem o fator econômico, porque a estrurura de um show é muito grande, muito diferente de espetar um pendrive e fazer um DJ set, ou um DJ com microfone, um cantor [ou] uma cantora... Ou sei lá, violão e voz. O set up de banda requer um sistema de som porrada, um palco, eletricidade, um monte de coisa, encarece muito o orçamento. O dinheiro que circula no show, às vezes, é bastante, mas o que para na mão do artista no final do dia é muito pouco.

Economicamente, é muito difícil fazer show, porque o brasileiro não tem dinheiro para pagar um ticket maior, então é equação muito difícil. Se você for ver, todo o underground brasileiro vive na margem do prejuízo ou no total prejuízo. Viram bandas que tocam porque gostam, mas não tem nenhuma sustentabilidade dentro da operação. Às vezes, são bandas grandes, com vários ouvintes. A gente não quer isso, queremos super viver disso. Vivemos de banda há muito tempo, nunca deixamos de viver.

Tudo que aconteceu na minha vida [teve a ver com a] Fresno, então a saúde da banda é muito importante para saúde de nosso pessoal. A gente tem esse compromisso de sempre ter escolhas que façam com que a nossa banda sobreviva e atravesse esses momentos... Tipo esse momento bosta de pandemia. A mesma coisa: planejamento, pensar no futuro, pensar lá na frente. Ao mesmo tempo, tentar cobrir esse buraco momentânep, sem show, sem vender muito merch. A gente fez umas lives, mas, principalmente, aproveitou o momento para redefinir muitas prioridades, estamos cheios de planos.

GZ: Foi muito f*da e inspirador ver você criando uma comunidade e uma base de fãs cada vez maior pela Twitch e pelas redes sociais durante a pandemia. Foi uma aula muito bonita de assistir. Como você acha que essa interação vai refletir, quando isso acontecer, claro, na volta dos shows?

LS: A Twitch foi uma maneira de manter a comunidade. O artista tem comunidades em torno dele. Existe o fandom mais amplo, que são pessoas que não se comunicam, mas gostam da banda. Por aproximação, podem se relacionar de alguma maneira.

Mas tem essa gangue mais fechada, a qual se organiza em grupos e, às vezes, acabam virando amigos, conhecidos, casais, famílias. Isso é muito bonito de ver em torno da Fresno. Sempre houve esse sentimento de comunidade, principalmente, quando a banda deixou de ser muito mainstream.

O fã se sente muito parte da banda, porque ele vê as ações dele refletidas no nosso sucesso indiretamente, desde um trending topic da vida até uma live que bomba ou um lançamento de disco. O fã se sente parte disso, ele se sente sócio daquilo, de certa maneira.

O fã é importante para todo mundo no mainstream, mas, para artistas menores, é ainda mais importante. Ele tem ali um poder, de fato, de fazer a banda acontecer. A Twitch foi uma maneira de fazer a banda acontecer nesse período no qual não podemos fazer show.

De maneira bem experimental, a gente fez… a gente fez tudo na Twich - continuamos fazendo e estamos pensando como vai ser a Twitch pós-pandemia… incorporar ela no nosso mundo de shows, transmitir algumas coisas de bastidores e também continuar jogando.

Com certeza, serviu para atravessarmos muito melhor esse momento. Foi uma atividade que, nós, como banda, ter um afazer coletivo, o qual não seja ficar lamentando. É uma forma muito massa. Estou bem orgulhoso desse momento aí. Conseguimos fazer mobilizações muito grandes com essas lives.

 

Lucas Silveira entrevista Gabriel Zander

LS: Eu lembro de ter visto um show do Noção de Nada numa Verdurada e aquela era a primeira banda em que vi você tocar. Eu já gostava muito do grupo e aquilo mexeu comigo demais na época. Eu já tinha certeza do que queria fazer para o resto da vida, mas não tinha ideia de como faria.

Era minha primeira vez em São Paulo e eu entendi na prática o que é uma cena. Todas as bandas eram individualmente pequenas, mas juntas elas formavam uma rede poderosa capaz de levantar eventos lindos, fortalecer amizades, construir pontes. Queria que você me falasse sobre como o hardcore entrou na sua vida, qual a circunstância e tal.

GZ: A primeira banda que me trouxe para esse universo foi um grupo do Rio chamado Cabeça. Era uma banda de skate punk que tocava em qualquer lugar onde tivesse uma tomada e mobilizava uma galera, a qual colava nos shows e cantava todas as músicas.

Tinham várias outras bandas juntas formando uma cena, mas o Cabeça era referência para todo mundo. Fui parar em um show deles através de uma revistinha de programação cultural de um jornal que minha mãe assinava e vinha toda sexta feira.

Antes disso eu só tinha contato com música através da MTV, rádio ou grandes eventos. Mas naquele dia eu fui impactado por uma galera carregando amplificador, bateria, equipamento nas costas, montando improvisado do jeito que dava, vendendo zines e fitas demo de mão em mão e já construindo uma comunidade musical interessada e consciente, formando uma rede à margem das grandes mídias.

Aquilo mexeu muito comigo e a partir dali eu entrei no meu lugar e tive certeza do que queria fazer da vida: me inserir com a minha banda naquele rolê e viver aquilo intensamente.

LS: Essa história que eu contei (da Verdurada) tem quase 20 anos. Lembro que era 2003 o ano. De lá para cá, te vi em outros projetos, tipo o Discoteque e o Deluxe Trio. Existia uma especificidade entre esses projetos que justificasse que eles fossem dois? Seria o Zander uma junção de tudo que tu é musicalmente ou ainda tem facetas da tua criação que não tem nenhum projeto para desovar?

GZ: Olhando hoje em dia em retrospecto, percebo algumas coisas que levaram a isso, mas principalmente dois grandes motivos. O primeiro era uma certa vontade a mais do que as outras pessoas envolvidas nas bandas em produzir, tocar e fazer o corre acontecer.

Isso me levou a ter mais de uma banda para estar sempre tocando e fazendo. Mas o outro e, talvez maior, era o fato da pouca maturidade para conseguir ter uma conversa séria e aberta, onde cada um pudesse dividir seus objetivos dentro da banda, para realmente chegar num consenso ou então pedir licença e sair, para que a coisa rolasse com a seriedade e dedicação que eu achava que devia ter.

Muitas vezes fiquei frustrado e decepcionado e isso me levou a deixar para lá várias coisas e me enfiar em outros projetos para, ingenuamente, na minha cabeça, preservar amizades. Mas, musicalmente, todas as bandas poderiam ter sido uma só e é exatamente onde cheguei com o Zander, um encontro disso tudo em um lugar só.

Agora mais do que nunca. É um laboratório onde todas as ideias, desde que sinceras e que realmente estejam sendo vividas e sentidas por nós naquele momento, são bem-vindas.

LS: Como você acha que se pode construir uma cena em uma época na qual as conexões são tão digitais? Eu até vejo uma cena se formando em ‘lugares da internet’ mas é difícil ver uma profusão de atividades musicais ligadas a lugares físicos (como foi o hardcore/punk com o Hangar 110, por exemplo). Você tem visto algumas coisas massa acontecendo no underground, que te chamaram atenção? Pode falar um pouco dessas coisas?

GZ: Eu acho que essas comunidades online, as quais estão sendo criadas, vão ter um papel-chave em tudo que está por vir nesse sentido. Eu acho muito f*da uma pessoa que vive numa cidade longe, onde as bandas não conseguem ir ou até em outro país, poder assistir, participar e interagir ao mesmo tempo em que pessoas de São Paulo, por exemplo, e de qualquer outro lugar.

Acho que as lives comprovam muito isso e creio que essa comunidade passa a interagir entre si e vai querer não só ver as bandas e artistas que gostam e acompanham, mas também encontrar com as pessoas que também participam daquele grupo.

Talvez, isso possa gerar um evento anual de uma banda, onde as pessoas viajem de outros lugares para ver e se encontrar, assim como qualquer grande festival de música. É uma questão de entender e aprender a usar essas ferramentas do jeito certo e não deixar que elas usem a gente.

Tenho certeza de que as coisas não serão mais iguais, mas acredito que veremos comunidades muito fortes surgindo, as quais, juntas, através de um grupo de bandas e artistas ou de pessoas com interesses em comum, possam criar novas e grandes cenas, mesmo que bem nichadas e, como sempre, à margem do mainstream.


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