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Luiz Gonzaga: o Rei do Disco

Por Cristiano Bastos Publicado em 02/08/2009, às 20h06

Há 20 anos, morria Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Relembre a história do músico na matéria 20 Anos sem o Elvis do Sertão.

O jornalista e crítico musical Tárik de Souza fala ao site da Rolling Stone Brasil sobre a dimensão histórica (e fonográfica) de Gonzaga. Para o crítico, guardadas as diferenças, Gonzaga representou para o Brasil o que Elvis Presley significou para o mercado norte-americano. Tárik também elencou uma lista comentada com as cinco canções essenciais de Luiz Gonzaga.

Como poderíamos apresentar Luiz Gonzaga à juventude?

Tárik de Souza: Gonzaga teve um sucesso torrencial. As prensas da antiga gravadora RCA, atual Sony/BMG, chegaram a trabalhar quase só para seus discos, entre o final dos anos 40 e início dos 50. Enquanto Presley foi o "Cavalo de Tróia" da negritude num país racista, Gonzaga colocou o nordeste, com sua cultura refinada e seus costumes peculiares, no mapa da MPB. Era um momento de urbanização do sudeste, em que nordestino era encarado como peão de obra, cabeça chata, ser inferior. O Rei do Baião desvelou a diversificada cultura deste povo, então encarado de forma pejorativa.

E como situá-lo no panteão dos mais populares artistas brasileiros?

Está entre os maiores de todos, os fundadores de escolas: Pixinguinha, Noel Rosa, Dorival Caymmi, Tom Jobim - e não muitos mais.

Não é uma coincidência que ele tenha morrido no mesmo mês e ano que Raul Seixas, seu grande admirador? Que análise isso enseja?

Só a metafísica celeste explica. Não por acaso, Raulzito era um misto quentíssimo (com pimenta baiana) de Elvis Presley e Luiz Gonzaga.

O Rei do Baião difundiu o cancioneiro nordestino para o Brasil. Qual o contexto anterior a vinda de Luiz Gonzaga e o que mudou após o seu surgimento?

Justiça seja feita, antes dele alguns nordestinos já haviam se destacado compondo e cantando músicas de suas regiões. Entre eles, Catulo da Paixão Cearense, o de "Luar do Sertão" (que apesar do nome era maranhense, e mais devotado a modinha e seresta), a dupla Jararaca e Ratinho, do mote "Do Pilá", que seria usado por Tom Jobim em "O Boto" (humoristas e músicos sertanejos, um alagoano e o outro paraibano), o bandolinista pernambucano Luperce Miranda, dos Turunas da Mauricéia, mesmo núcleo que lançou o cantor alagoano Augusto Calheiros. Eles emplacaram, ainda no carnaval de 1927, a embolada "Pinião". O paraibano Zé do Norte, já em 1939, comandava o programa Manhãs da Roça, que revelou um sanfoneiro do Acre, um certo João Donato, e depois fez a trilha do filme Cangaceiro, de Lima Barreto, que estourou mundialmente "Mulher Rendeira", "Saudade, Meu Bem, Saudade", "Lua bonita". E o pernambucano Manezinho Araújo ("Cuma É o Nome Dele?"), que desde 1933, notabilizava-se como cultor de emboladas. Mas só Gonzaga conseguiu virar o jogo e transformar a "nordestinidade" em moda nacional. E o acordeon em instrumento obrigatório dos aspirantes à música, no lugar do piano.

No texto "A festa que virou gênero musical", você escreveu que Gonzaga, talvez, tenha sido o primeiro a valer-se do termo "forró". Na sua opinião, quanto esse gênero mudou desde então?

Na verdade, tomou-se a parte pelo todo. Assim como chama-se genericamente a rica música caribenha mais ritmada de salsa, todos os gêneros nordestinos de mais pulso rítmico (xaxado, coco, galope, baião e até alguns xotes) foram englobados pelo genérico forró.

Nesse mesmo texto, você disse que Gonzaga gravou até um rock: "Fole Roncou" - um forrock com Nelson Valença, de 1973. Que aventura foi essa? Ficou só nisso?

Parece que sim. O Gonzaga não era de experimentar muito. Ele procurou se aproximar das gerações mais novas no disco O Canto Jovem, de 1971, em que gravou Vandré, Caetano, Dori Caymmi, Tom & Vinicius, Edu Lobo, Gil e o filho Gonzaguinha. A última faixa, do parceiro Humberto Teixeira, avisava com a gíria da época: "Bicho, eu vou voltar".

Como entender Luiz Gonzaga nesse contexto de hipertecnologia no qual vivemos?

A tecnologia que não utiliza as raízes vira robotização. Tem que ir fundo na tradição para poder inovar com fundamento.

Luiz Gonzaga foi para o nordeste o que Teixeirinha foi para o sul. Mas ambos são inesquecíveis para o Brasil; e até para o mundo... Como você analisa a universalidade desses fenômenos regionais?

Teixeirinha teve sua grandeza para a música sulista, precedido pelo "pilchado" Pedro Raimundo, gaúcho que serviu de inspiração ao Rei do Baião para envergar seu traje de cangaceiro. Mas Gonzaga universalizou a música nordestina de forma avassaladora. É incomparável sua influencia nas gerações de artistas que o sucederam mesmo de outras regiões e estilos. Vide Raul Seixas, Moraes Moreira e Tom Zé.

Você falou que a entrevista concedida por Gonzaga ao Pasquim (editado no livro O Som do Pasquim, Editora Desiderata) foi uma das que você mais gostou, junto com a do Lupicínio Rodriugues. Por quê?

Porque ele contou uma parte essencial desta história que foi determinante para a MPB surgida a partir dos anos 60. Vale lembrar que um dos primeiros discos do papa da bossa João Gilberto foi "Bim bom", uma interpretação dele para o fenômeno do baião.

Você chegou a conhecê-lo pessoalmente? Como era Luiz Gonzaga?

Quando Carlos Imperial espalhou o boato de que os Beatles tinham gravado "Asa Branca", vali-me do gancho para vir ao Rio entrevistar Gonzaga. Na época, meados de 1968, ele andava em baixa e morava num pequeno apartamento em Cocotá, na Ilha do Governador. Foi simpático e acessível, e a partir daí fiz várias entrevistas com ele. Era um artista popular do tipo forjado na estrada, sem qualquer marra de estrela.

Cinco canções essencias de Gonzaga

1 - "Asa Branca" (1947): mote do folclore que Gonzaga e Teixeira tornaram hino da música brasileira. Assim como Caetano "mastigou" a música como cantador de feira, numa gravação de Londres, exilado, Vandré a tinha regravado (sem alterar a letra, mudando só a interpretação) como canção de protesto em seu disco Hora de Lutar, de 1965.

2 - "Assum Preto" (1950): outra saga passarinheira, de comover frade de pedra, da mesma dupla. "Furaro os óio do assum preto/ pra ele assim cantá mió".

3 - "Imbalança" (1952): o "Desafinado" da música nordestina. Parceria com Zé Dantas que enumera exemplos na natureza de coisas que "imbalançam" como o suingue da própria composição metalinguística.

4 - "Vozes da seca" (1953): outra com Zé Dantas. Além da beleza harmônica e melódica, um recado atualíssimo para a hecatombe da política brasileira: "Seu dotô uma esmola a um homem que é são/ ou lhe mata de vergonha/ ou vicia o cidadão".

5 - "Respeita Januário" (1950): mais uma com Teixeira. Um pré-rap bem humorado e musicalmente irresistível como xote (antecessor do reggae). Sua auto-ironia cortante serve de antídoto para a atual era das celebridades do vácuo.

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