redação Publicado em 14/06/2016, às 17h38 - Atualizado às 18h15
Maitê Proença, a Dionísia da novela da Globo Liberdade, Liberdade, estampa a capa da edição 118/junho da Rolling Stone Brasil, nas bancas a partir desta quarta, 15. A atriz, que já participou de mais de 30 novelas e séries, apresentou programas de TV, fez duas dezenas de filmes, além de escrever e atuar em peças de teatro, completa 37 anos de carreira e, segura de si, se preocupa mais com os próprios pensamentos do que com o julgamento alheio. "Não tenho problema com a nudez. Eu não me lembro de em nenhum momento sair para comprar roupa com a minha mãe. Vivia pelada na praia."
A carreira de Maitê já a levou a diversos lugares inesperados. Quando começou a publicar livros, em 2005, chamou atenção pela eloquência e elogios rasgados que recebeu de mestres da literatura, como Carlos Heitor Cony e Miguel Souza Tavares. “Eu não sou uma pessoa de metas. E vou pra onde dá muita vontade. Se você deixa todo o conjunto de suas percepções, inteligência genética, DNA, isso tudo pensar por você, vai andar mais certo”, teoriza. Representando há décadas o feminino brasileiro, falando francamente, exibindo sem pudor o corpo e demonstrando uma intensa vontade de se ver viva, ela diz que não pensa no passado ou no futuro. "Eu vou andando. E sinto que sou uma pessoa bem diferente hoje do que eu era há cinco anos. Bastante até.”
Nesta entrevista, Maitê fala sobre como muda para continuar sendo ela mesma; drogas ("Tomei drogas de expansão de consciência, todas essas coisas. Mas não tomei como as pessoas tomam, duas vezes na vida. Eu tomei três anos, quatro vezes por semana"); fama ("É chato o fato de sempre terem uma expectativa. Você sai na rua e sorri o dia inteiro. Bota uma primeira e vai até 22h da noite no rararará") e mídia ("A gente fazia loucuras. Todo mundo fazia tudo o que queria, tinha uma vida corriqueira e não saía no jornal. Acho que tinha um pudor sobre o que era publicável").
A edição 118 ainda traz uma reportagem especial sobre como a realidade virtual poderá mudar nossas vidas; uma lista dos 40 maiores álbuns do punk, que completa quatro décadas de existência, além de entrevistas com Projota, Tom DeLonge e José Loreto, que dá vida ao lutador José Aldo nos cinemas, e perfis de Marisa Monte, Wanderléa e Chris Evans, intérprete do Capitão América.
Você lê abaixo um pequeno trecho do papo com Maitê. A entrevista completa estará disponível na edição 118 da Rolling Stone Brasil, nas bancas a partir desta quarta, 15 de junho.
Grito Solto na Alma
Por André Rodrigues
Quando certa manhã Maitê Proença acordou de sonhos intranquilos, ela se viu na internet metamorfoseada numa bunda que não era a dela.
A vida da atriz, escritora, dramaturga e apresentadora Maitê Proença parece mesmo uma história cheia de momentos de ficção absurdista, com muito som, fúria e alguns silêncios. Recentemente, em uma cena da novela Liberdade, Liberdade, da TV Globo, Dionísia, a personagem que interpreta, aparecia de relance com as nádegas desnudas. Foi o suficiente para as redes sociais serem tomadas por uma avalanche de comentários. Em um primeiro momento, ela foi abençoada com hashtags que elogiavam o corpo aparentemente poupado dos efeitos do tempo. Aos 58 anos, Maitê lembrava (de costas, pelo menos) a moça que estampou em 1982 a capa do lendário jornal O Pasquim com o título “Maitesão”. Horas depois, quando a dublê dela se apresentou para o país contando que a derrière e tinha outro nome e sobrenome, tudo virou de cabeça para baixo. No tribunal público e cruel da internet, Maitê passou a ser cobrada por não ter revelado o truque.
Em um luxuoso hotel de São Paulo, em uma sexta-feira de maio, Maitê Proença Gallo não parece abalada pelo caos da “falsa nudez”. Afinal, há pelo menos 30 anos o Brasil discute em rede nacional o corpo da atriz. Em 1986, ao estrelar os banhos de cachoeira da novela Dona Beija, inundou de desejo os lares de quem tinha um aparelho de TV. “Eu não tenho problemas de pudor com isso. E não tenho problema nenhum com meu corpo. Já dei várias mostras disso”, diz. Maitê afirma que a dublê foi chamada porque ela própria tinha 18 cenas naquele dia e não poderia fazer a sequência nua, pois precisaria de um intenso trabalho de caracterização. “Eu não poderia ficar com minha perna à disposição. E é com isso que ela [a modelo] entrou. Achei muito deselegante da parte dela esse oportunismo por cinco minutos de fama. E muito feio. O trabalho dela não é o que aparece. O que aparece é o meu”, encerra o assunto.
De camisa branca, cabelo preso, colar e calça vinho, Maitê está mais preocupada com outras mágicas. Dali a dois dias ela estrearia o quadro “Truque Vip” no Domingão do Faustão, em que tentaria enganar a plateia com novas habilidades. Além da novela e do segmento dominical, ela também participa do programa esportivo Extra Ordinários, do canal SporTV, em que discute futebol e causou furor com adivinhe... Um striptease realizado para pagar uma promessa.
Com a infância no litoral (Ubatuba) e a adolescência no interior (Campinas) de São Paulo, Maitê hoje tem pinta mesmo de carioca (mora no lendário edifício Chopin, no Rio de Janeiro). Com duas décadas de vida, já tinha uma trajetória singular e dramática. A mãe, professora de filosofia e música, fora assassinada pelo pai, procurador do Estado, em um crime aparentemente ocasionado por uma crise de ciúmes. Maitê viveu em um pensionato luterano, na torre de uma igreja, e desde cedo partiu em viagens para tentar entender o mundo. “Deve ter um propósito isso que a gente faz aqui. Acho que intuitivamente temos inclinações na direção desse propósito. E devemos seguir essa inclinação, mesmo que ela te dê pavor”, filosofa. “Não faça só as coisas que têm sentido. Faça as que não têm também se você estiver impulsionado para aquela direção, porque talvez seja esse o lugar, né?”
Ao ser convidada pelo escritor Mario Prata para um teste em 1979, iniciou uma exuberante carreira de atriz na TV ao interpretar Joaninha na novela Dinheiro Vivo, na TV Tupi. Com Dona Beija, na também extinta Rede Manchete, arrancou uivos de loucura no papel de uma das cortesãs mais famosas do Brasil. Posou duas vezes nua para a Playboy, em 1987 e 1996, ajudando a vender cerca de 1,5 milhão de exemplares da revista.
Aos 58 anos de idade e com 37 de carreira na televisão, você ainda é o símbolo de um determinado padrão de beleza. Sua presença em cena continua despertando o escrutínio de homens e mulheres. Por quê?
Acho que a coisa da sexualidade talvez tenha a ver com o entusiasmo. Porque eu creio que quando as pessoas falam de beleza, é uma outra coisa que estão olhando. Primeiro, tem um estigma da beleza. Você estigmatiza uma pessoa de um jeito que os outros olham e acabam achando aquilo também. Nåo sei mais se é meu porque eu mesma me olho todo dia no espelho e não tenho a menor ideia. Mas eu sei quando está ruim, porque tem mais olheira, estou mais cansada. Mas eu não vejo e “ohhh” [suspiro de admiração]. Acho que tem a ver com a vibração, como o entusiasmo pelas coisas. Isso que elas estão vendo.
Imagino que você nunca teve problema com a nudez.
Não tenho nenhum problema com a nudez. Já não tinha na minha casa. Quando eu era pequena, morava numa casa em U. Eu ia sem roupa do meu quarto até a lavanderia. E eu tinha um irmão adotivo que era mais velho. Quando fiz 11 anos, ele falou: “Você não pode mais ficar andando pela casa assim”. Eu: “Por que não?” Andei a vida inteira pelada. Meus pais moravam em Ubatuba. Eu não me lembro de em nenhum momento sair para comprar roupa com a minha mãe. E no início eu não tinha roupa. Não usava. Vivia na praia pelada. O máximo que eu tinha era uma tanga de Tarzan para andar nas pedras e não machucar se caísse. Eu me lembro da primeira vez em que fiquei meio assustada... Eu entrei num hostel na Holanda e tinha um sujeito escovando os dentes com aquele pinto balançando por causa do movimento da escovação [risos]. Eu falei: “I’m sorry”. E ele não entendeu. Aí tirei a roupa também! Se é assim, está bom.
Você já recebeu críticas de feministas. Como vê o movimento?
Eu adoro o feminismo. Acho que a escravidão ainda se perpetua e existe no mundo. E o problema mais grave, que deve ser atacado, é o caso das mulheres que têm a genitália cortada. Oitenta por cento das mulheres do Egito têm a genitália cortada [uma pesquisa de 2015 informa que, no Egito, 92% das mulheres casadas passaram pela chamada circuncisão feminina]. E um negócio que a gente nem pode imaginar. Elas jamais terão prazer sexual na vida porque um homem resolveu cortar com uma lâmina. Elas morrem desse negócio. São submetidas a tudo, a ter filhos que não desejam, com homens que elas não desejam. Isso sim eu acho importante falar.
Sua postura diante da nudez acaba revelando uma posição feminista, não?
Quando eu fiz a Playboy, falei assim: “Se eu fizer a mesma foto na Photo, as feministas vão achar que é arte, então pode. Mas, se eu fizer na Playboy, não pode”. Acho que o revolucionário é estar na Playboy de um jeito que não se faz na Playboy. Então, falei que não queria cinta-liga nem nenhum dos elementos do fetiche. Eu quero uma pedra! Isso sim é que marca a situação. E as duas vezes que fiz foram do jeito que eu queria.
Hoje em dia, com os espaços privados cada vez mais sendo levados a público, como você se vira observando tantos comentários, especulações e afirmações sobre sua vida?
O que tem de chato hoje é que você está muito exposto. Se eu soubesse que isso iria acontecer, não teria escolhido uma vida pública. Sou muito reservada. E muito desagradável pra mim. Eu preciso viajar para virar a Maria da Silva, para cair na real de vez em quando. Você tem muitas facilidades, essa parte é confortável, ótima. Porém, é muito chato as pessoas sempre terem uma expectativa em relação a você, uma lista de coisas que atribuem a você. E tem um bando de covardes sem cara na internet, com um poder perigoso na mão. Terrível.
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