No início do mês de dezembro, os dois músicos se apresentaram no evento Boiler Room x Ballentine’s True Music
Julia Harumi Morita | @the_harumi Publicado em 29/12/2020, às 10h21
Rap, persistência e autenticidade. Marcelo D2 e Tássia Reis fazem parte de duas gerações diferentes da música brasileira que chacoalham a indústria da música com versos afiados contra o conservadorismo, o fascismo e o racismo.
Neste ano, Marcelo D2 completou 25 anos de carreira e comemorou o feito com apresentações especiais, que relembraram os maiores sucessos do músico. Além disso, o rapper lançou o disco Assim Tocam os Meus Tambores, que foi produzido por meio de um processo coletivo transmitido pela plataforma Twitch.
Já Tássia Reis deu continuidade à trajetória de ascensão na cena nacional. No ano passado, a cantora lançou o disco Próspera, que foi incluído na lista dos 25 melhores discos do primeiro semestre de 2019 da APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte. E, neste ano, a artista divulgou um EP acústico, um compilado de gravações ao vivo, remixes e singles, entre eles, “Preta”, em parceria com o DJ Thai.
No início do mês de dezembro, os dois artistas se apresentaram no Boiler Room x Ballantine's True Music, evento que também contou edições na Inglaterra, África do Sul e Espanha por meio da série In The Round.
A apresentação foi realizada no Rio de Janeiro e foi transmitida simultaneamente online pelo Zoom. Além de buscar reconectar as pessoas com a música ao vivo durante a pandemia, o Boiler Room x Ballantine’s True Music promoveu doações para a ONG Afro Reggae, que visa “a inclusão e a justiça social por meio da arte, da cultura afro-brasileira e da educação”, segundo o site oficial do evento.
Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Marcelo D2 e Tássia Reis se entrevistaram e conversaram com sobre os aprendizados do caótico ano de 2020, os planos para o futuro, o legado que carregam e quais conselhos oferecem para aqueles que querem se jogar no mundo da música. Confira:
Sabemos que esse ano foi terrivelmente difícil, entretanto, muitas coisas aconteceram, inclusive seu disco novo foi feito de uma maneira muito inovadora. Como é o balanço deste ano de 2020 para você ? Quais lições você leva?
Esse ano, quem não aproveitou para rever várias coisas, perdeu uma ótima oportunidade, sabe? Tem muita gente que vê um momento de caos, com medo ou com receio, [mas] eu prefiro ver como um momento de oportunidade. Oportunidade para aprender, oportunidade para novas ideias.
Acho que uma das maiores lições que eu tomei nesse ano foi da simplicidade da vida, sabe? A vida é bem mais simples do que a gente imagina, pelo menos [mais do que] eu tava levando. E eu to tentando dar uma volta ao básico na minha vida, fazer a vida um pouco mais simples, porque a felicidade está nas coisas simples da vida mesmo.
Sei que é difícil enxergar um futuro, mas como você se enxerga daqui a 10 anos ?
Aí não é nem como eu me enxergo, mas como eu gostaria. Eu gostaria de continuar relevante na minha música, gostaria de ainda fazer barulho e ser relevante daqui a 10 anos. Quando eu digo relevante, é fazer coisas que me representam e que realmente vêm do fundo da minha alma. É isso que eu quero. Eu acho que meu caminho não é muito difícil não.
Você é um artista que atravessa gerações. Gostaria de ouvir 3 conselhos para os novos artistas que estão chegando agora e buscando um espaço no mercado.
Isso é bem difícil, porque é uma coisa muito pessoal. Mas acho que para quem vive de arte… cara, eu acho que isso vale para qualquer tipo de campo de trabalho. Acho muito importante você fazer coisas que te preencham como pessoa, sabe?
Mas meus conselhos seriam: siga seu coração, isso é importantíssimo. Fazer o que você gosta. Não tente se adequar ao mercado, faça o mercado se adequar a você. É isso que é fazer arte. Quando você corre atrás do que está na moda, você acaba virando só mais um, então, a melhor coisa é você fazer esse mercado vir atrás de você. Você tem que ser a tendência e não correr atrás da tendência.
E acho que o terceiro conselho, cara, seria cuidar bem do que você faz, sabe? Eu tenho certeza de que uma boa carreira, uma longa carreira se faz muito mais com ‘não’ do que com ‘sim’. É muito importante você escolher o que você faz, com quem você faz. Se aquela pessoa te representa também, se você realmente gostaria de estar do lado dessa pessoa - não só por conta de dinheiro. E eu digo isso de outros artistas, programas de TV, de rádio… de tudo que a gente acaba fazendo. Acho que esses seriam meus conselhos, se é que eu sou alguém que possa dar conselhos.
Minha primeira pergunta devolve a pergunta da Tássia. Me interessa muito saber como passou esse ano, que, para mim, foi um ano de muito aprendizado. Como é que foi esse ano para você e o que você leva desse ano, que parece que não vai terminar nunca?
Esse ano foi um ano de muito aprendizado para mim também. Acho que, assim, primeiramente, quando a gente entendeu que ia parar tudo, eu fiquei em choque. Porque acho que ninguém entendeu de cara o que estava acontecendo. Eu ia fazer muita coisa maneira esse ano antes da gente entender que ia viver um ano de pandemia.
Eu demorei um pouquinho para entender e me adaptar, mas logo fui engatando também. E acabou que essa pausa foi muito importante para eu poder repensar minha vida - não minha vida artística, porque eu acho que pensou muito na minha vida artística, o tempo inteiro, mas minha vida pessoal, principalmente.
Fiz algumas mudanças que foram muito benéficas para mim, para minha saúde emocional, para minha saúde mental, as quais, com certeza, vão refletir na minha carreira. Então, acho que minha maior mudança esse ano foi pessoal mesmo. Comecei a fazer terapia e entender que a vida é mais viver, é mais do que só trabalhar. Trabalhar é maravilhoso, faz parte da vida e eu adoro. Particularmente, sou workaholic assumida, mas viver é mais que isso.
Você é uma mulher negra super forte e, no Boiler Room, eu vi uma equipe super jovem e bonita de mulheres negras e negros envolvidos com você. Eu queria saber sobre seus caminhos para se fortalecer e chegar nesse ponto, sabe? Aí pode ser um conselho para quem tá vindo por aí também. Como você, mulher negra, conseguiu se colocar dentro desse mundo machista e racista, conseguiu se impor e conseguiu se colocar nesse lugar forte que você está agora?
Como uma mulher negra no mundo, eu tive que entender logo, na verdade. Minha carreira meio que começou quando eu estava em um momento de me entender mais como uma mulher preta no mundo e tudo caminhou meio junto, então, entender quem sou no mundo me fez entender que as coisas iam ser muito mais complicadas para mim.
Até falo em um som, “Da Lama /Afrontamento”, “são dois pontos a menos pra mim” por ser mulher e preta nessa sociedade. No mercado fonográfico não é diferente, mas eu venho entendendo que é isso: tudo o que eu faço tem que ser duas vezes melhor, mas também tudo, quando eu consigo realizar, tem esse peso.
Você traz outras pessoas até quando elas não estão, então, acaba carregando várias outras pessoas e representando outras pessoas. Nunca foi muito uma coisa de ficar pensando: ‘Preciso fazer isso para ser forte, preciso fazer isso para representar meu povo’. Eu simplesmente só entendi o que precisava fazer, mas a força de realizar é tão grande que, quando a gente realiza, fazemos tudo isso junto. Então me sinto honradíssima poder chegar onde eu cheguei e ainda acho que tá pouco, hein. Ainda tem espaço para fazer mais [risos] e eu vou correr atrás disso, pode ter certeza.
Tássia, eu queria saber por que o rap? Como você chegou e escolheu o rap para ser sua forma de expressão? O que que te tocou? Quando você falou assim: é isso que eu quero fazer, quero fazer rap.
Eu acho que, na verdade, o rap que me escolheu, Marcelo. Eu não escolhi o rap não [risos] porque eu conheci o hip hop por meio das danças urbanas. Mas eu sempre comento que tenho muita influência do samba, assim como você, porque minha família vem do samba, escola de samba. Eu, enquanto adolescente, saí muito em escola de samba também. Vivência de bateria, comissão de frente, de ir no barracão, ajudar a construir fantasia, no que fosse preciso.
Então, tem essa vivência coletiva, essa vivência do samba e acho que do berço da minha casa também, que é samba e é soul para caramba. É muito soul, muito funk soul, então isso acabou se misturando com o rap.
Eu acho que, desde o começo, eu nunca vim só rap, apesar do rap estar ali. Mas eu entendi que eu podia fazer rap num evento de dança que eu e minhas amigas ficamos improvisando o evento inteiro [...] nesse dia eu rimei pela primeira vez no microfone. Quando eu peguei no microfone, eu falei: ‘É isso. Eu tenho que fazer isso também’.
Então, acabei assumindo esse papel que foi me dado. Não foi uma coisa que eu fui, no primeiro momento, super atrás. Surgiu assim para mim, eu aceitei e aí o corre começou [risos]. Aproveitando o gancho do que dizer para quem está vindo, eu sinto que é um corre imenso, sabe? Você precisa acreditar muito que é possível, mesmo quando parece impossível, porque parece mesmo, mas com muita luta e com muita fé, a gente vai fazendo acontecer. Sabe? É isso, não desistir nunca e bora!
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