Grupo britânico carrega seis mil pessoas na palma da mão em show sem ares de megaprodução - apenas garotos bonitos que parecem tratar cada fã como a única garota no planeta
Por Anna Virginia Balloussier Publicado em 30/05/2009, às 13h46
Não se deixe levar pelas aparências. A trupe de garotas (maioria) e garotos (poucos, mas igualmente histéricos) que se aglomerou na noite de quinta, 28, na Via Funchal, parecia inofensiva, a julgar pelas espinhas no rosto e pela altura que ainda espichará bons centímetros nos próximos anos. Mas a fúria das seis mil pessoas que esperavam o show dos britânicos do McFly (inclua aí alguns pais em dupla jornada de babá-motorista) faria jus à histeria de uma festinha endiabrada dos Hell's Angels.
O show começa cinco aceitáveis minutos após o horário marcado, 21h30, cerca de 100 horas depois da apresentação de outro fenômeno pop atual, Jonas Brothers, no Estádio do Morumbi (saiba como foi o concerto). E a promessa, rezam a lenda e o marketing, é uma reedição da disputa sessentista entre os bonzinhos Beatles (ao menos no começo de carreira) e os rebeldes Rolling Stones. Enquanto os irmãos da Disney vestem a auréola do pop, adotando o polêmico anel de virgindade, Tom Fletcher (vocal e guitarra), Danny Jones (vocal e guitarra), Dougie Poynter (vocal e baixo) e Harry Judd (bateria) gastam 1h30 para fazer um "pop 'n' roll do mal".
Com reforço do tecladista Jamie Norton (nota dissonante no quarteto, com sua aparência quase andrógina e jeito de pacato cidadão), o grupo seguiu repertório semelhante ao tocado em Manaus, Fortaleza e Recife, cidades pelas quais já passaram na atual série de shows pelo país - eles estiveram por aqui há poucos meses e voltaram graças à insistência de fãs, que chegaram a organizar abaixo-assinado pela volta dos rapazes. Para abrir a noite, "One for the Radio", que de cara mostra a que a banda veio: com faixas banhadas em elixir pop e apoiadas por extremo carisma dos integrantes, o McFly faz por merecer os dias de jejum no recreio, para que muitas meninas pudessem gastar a mesada com álbuns, pôsteres e afins.
Mostrando-se cientes de que a crise na indústria fonográfica não está para brincadeira, os britânicos entre 21 e 24 anos sabem que precisam tratar cada cliente-fã como se fosse o único. Não à toa, Harry, escondido na bateria a maior parte do tempo, se interrompe certa hora para falar que "gostaria de beijar cada uma de vocês" (a cortesia se restringe ao público feminino).
Depois de "Everybody Knows", segunda da noite, vem "Do Ya", com melodia que remete aos grupos vocais dos anos 1950 e a despretensão na medida certa para atingir os ouvidos dos mais taciturnos críticos do rock. Porque se é para ver o McFly em ação, dê férias ao preconceito. Apesar da etiqueta "rebelde", conquistada em grande parte pela comparação com os Jonas, o McFly é tão malvado quanto Mickey Mouse fazendo uma tattoo - de henna. A traquinagem não passa disso. O que eles querem mesmo é fazer o público desafiar a gravidade, ficando o maior tempo possível com o pé fora do chão.
E, com a sequência "Obviously" -"Tranny" -"Corrupted", eles fazem a massa adolescente pular como se não houvesse amanhã - aliás, amanhã de manhã, já que a maioria acordaria cedinho para ir à escola. Nessa última, Dougie, o mais "coelhinho Duracel" dos pilhados britânicos, simula movimentos sexuais, alisando as mãos no tórax e ondulando o corpo com um doce balanço a caminho do mar de fãs. Terminada a faixa, vem a primeira frase em português. "Oi, tudo bem, tudo bom. Bem-bom." A garotada talvez não tivesse pescado a ambiguidade da expressão "bem-bom", mas um pai próximo não conteve a risadinha.
O nome McFly vem de Martin McFly, da franquia De Volta Para o Futuro. Mas, ao contrário do viajante do tempo interpretado por Michael J. Fox, os britânicos se afastam das boy bands do passado. Esqueça os passos coreografados, as megaproduções com cenários e fantasias quase carnavalescos e a tipificação de cada "boy" - um visivelmente mais roqueiro, outro no estereótipo do latino, outro com pinta de "filhinho da mamãe", e por aí vai. Os britânicos, pelo menos para quem não tem know-how de um fã de carteirinha, vêm em pacote mais homogêneo. São apenas eles, no palco, quicando de lá para cá com seus instrumentos, com a boa aparência de quem foi capitão do time durante os tempos de escola.
Seguiram-se "Room on the 3rd Floor", "That Girl", "Down Goes Another One", "Star Girl", "P.O.V." e "All About You". Nesta segunda parte da apresentação, a banda dialoga mais entre si. Tom, a pedido dos outros integrantes, rebola no palco, para mostrar que é "shaky-shaky". Dougie bate um papo com seu baixo forçando voz de bebê, como se ele fosse sua namoradinha e precisasse ser mimado. Tom pergunta se todo mundo segue a banda no Twitter (a gente não precisa dizer a resposta, certo?). Danny ataca Tom com uma linguinha digna de Gene Simmons, o "diabo" do Kiss - não, eles não se beijam, mas é por pouco: o "bromance" (corruptela para "brother + romance", adotada para caracterizar afeto entre amigos homens) não vai além de um estalo molhado no pescoço do guitarrista. Em seguida, Danny anuncia "uma canção muito sexy". Um dos meninos solta um senhor arroto. O baterista mostra o que aprendeu em português: "Soltar pum!". Pequenas cenas que fazem cada ala do Unidos do McFly se sentir trocando uma ideia com os britânicos, de repente não mais os inatingíveis astros internacionais.
Antes do bis, anuncia-se, com falso fatalismo, a última música: a faixa "The Last Song", que posiciona a banda entre os Jonas e o Blink 182 (a gangorra, claro, pende mais para os primeiros). Eles voltam, ainda, para tocar "Lies" e "5 Colours in Her Hair", com Dougie ricocheteando pelo palco mais do que nunca, enquanto os guitarristas se contorcem feito pomba gira. Com um "massive thank you", se despedem jogando à plateia pequenos souvenires: toalhas encharcadas de suor e até um chafariz de água, gargarejado e cuspido em direção às primeiras filas. Um brinde!
Numa noite em que bastava estar na casa dos 20 anos para já ser tomado por "tiozinho", o fim da apresentação foi sinal para que as lágrimas começassem a desabar. Os paulistanos ganharam a honra de ouvir que foram "o melhor público que já tivemos no Brasil" . Alguém mais cínico desmereceria o cafuné alegando que "eles dizem isso para todas". Mas, frente ao coquetel molotov de hormônios, cinismo não tinha poder de fogo. Deixa isso para o tal de rock 'n' roll.
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