Em 1987, Jackson já não era mais aquele jovem cheio de magia e olhos brilhantes, querendo enfeitiçar o mundo através de suas canções e passos de dança. Ele era o Rei do Pop e, ainda, o “Wacko Jacko”
Paulo Cavalcanti Publicado em 31/08/2017, às 08h42 - Atualizado às 13h05
O ano de 1987 foi pródigo para música pop. Em março, o U2 lançou The Joshua Tree, um dos álbuns mais aclamados banda e que cimentou de vez o pertencimento do quarteto irlandês entre os gigantes do rock de estádio. Mas nem todo mundo estava interessado no messianismo do vocalista Bono. Os descontentes se valeram de Apettite For Destruction, estreia do Guns N’ Roses, um álbum sujo, desbocado e rebelde como o rock deveria ser. Enquanto isto, Phil Collins, Madonna, Prince e Lionel Richie vendiam milhões e lotavam arenas. Esse aspecto milionário do pop oitentista se chocava com a cada vez mais onipresente cultura de rua, por outro lado. O hip-hop em breve iria estourar, mostrando que a música black trocaria o foco de Los Angeles para Nova York.
Mas o que fazia o maior astro daquela época? Michael Jackson estava na espreita, prestes a voltar. Quando lançou Thriller, em novembro de 1982, ele não apenas protagonizou uma história de sucesso descomunal, mas também liderou uma revolução cultural. Assim como Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, foi um marco para a década de 1960, e a trilha de Os Embalos de Sábado à Noite redefiniu o som e o aspecto comportamental dos anos 1970, Thriller se tornou o disco que moldou o estado de espírito de toda uma geração que vivia a década de 1980.
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Em 1987, Jackson já não era mais aquele jovem cheio de magia e olhos brilhantes, querendo enfeitiçar o mundo através de suas canções e passos de dança. Ele era o Rei do Pop e, ainda, o “Wacko Jacko” (Jacko Doido), apelido pejorativo que imprensa deu a ele depois de anos de comportamento bizarro. Em um período de cinco anos, Jackson surfou na onda de Rei do Pop, com o mundo a seus pés. Mas naquele momento ele era conhecido por ser o proprietário do chimpanzé Bubbles, pela tentativa de comprar os ossos do Homem-Elefante e por dormir em uma câmara hiperbárica com a intenção de retardar o envelhecimento. As excentricidades falavam mais alto do que a música.
Então, finalmente, veio Bad. Michael Jackson adiou ao máximo a ideia de um lançamento depois de Thriller, já que as comparações seriam inevitáveis. Mas no dia 31 de agosto de 1987 o trabalho viu a luz do dia. Na capa, o rosto do cantor já se mostrava modificado pelas operações plásticas. Com um olhar sério e trajando uma jaqueta de couro repleta de adereços, este era um Michael diferente, sem dúvida.
Jackson e seu produtor, Quincy Jones, tentaram emular a fórmula triunfal que fez de Thriller um fenômeno. Só que tudo em relação a Bad estava um degrau abaixo do álbum anterior. De olho nos lucrativos direitos autorais, o artista decidiu escrever a maior parte das canções. Rod Temperton, o grande mago por trás das composições de Off The Wall (1979) e Thriller, ficou de fora – com ele, foi-se também a excelência do disco.
“Bad”, a canção, tinha um refrão insistente, batida convincente e produção sedutora. Uma escolha acertada para batizar o disco. A canção pretendia mostrar que Michael Jackson era o dono do pedaço em um bairro violento da periferia. A frase “Who’s bad?” (“Quem é mau?”) pegou na hora. O videoclipe, dirigido por Martin Scorsese, tem grandes momentos de dança e também se tornou icônico. Mas, a esta altura, quem poderia levar a sério um Jackson cada vez mais plastificado e afetado encarnando um durão líder de gangue das ruas de Nova York?
O primeiro single de Bad não foi a faixa-título, mas sim a romântica “I Just Can't Stop Loving You", dueto do cantor com Siedah Garrett. "Liberian Girl", com ar exótico, cumpria bem a missão de ser mais uma canção para os enamorados. Stevie Wonder, amigo de Jackson desde os tempos da gravadora Motown, dividiu o microfone com ele em "Just Good Friends", um bom funk que, inexplicavelmente, não ganhou muito destaque. O funk sexy "Speed Demon" era outra com potencial, mas que também permaneceu em relativa obscuridade.
Se em Thriller o lado roqueiro de Jackson transparecia na faixa “Beat it”, em Bad a escolhida para manter esse pique era “Dirty Diana”, com o solo de guitarra de Steve Stevens, da banda de Billy Idol. A reflexiva "Man in the Mirror", escrita por Glen Ballard e Siedah Garrett, mostrava o lado humanista de Jackson, preocupado com miséria, pobreza, racismo e a falta de compaixão entre os semelhantes. Tornou-se um dos hinos pessoais dele e um dos pontos altos do trabalho.
"The Way You Make Me Feel" e "Another Part of Me" eram dançantes, propulsivas e funcionavam com extrema eficiência nas pistas. O encerramento de Bad foi magistral com “Smooth Criminal”, um funk com a atmosfera de cinema noir. Com uma batida sincopada e refrão com toques gospel, a música funciona bem como o clímax do álbum. Era a prova de que, quando inspirado, Jackson poderia vir com ouro puro.
A paranoica “Leave Me Alone” foi gravada durantes as sessões do álbum, mas lançada apenas como single – só foi inclusa no CD posteriormente. Depois de anos agindo de forma estranha, mudando o rosto como se trocasse a roupa íntima e plantando factoides absurdos, Jackson vinha reclamar da imprensa sensacionalista, como se ele não tivesse provocado várias das situações. “Não me persigam”, ele rosna.
Ninguém pode dizer que Bad foi um fracasso ou que seja um disco ruim. Foi um grande êxito radiofônico e cinco de suas dez faixas chegaram ao primeiro lugar da parada ("I Just Can't Stop Loving You", "Bad", "The Way You Make Me Feel", "Man in the Mirror" e "Dirty Diana"). O álbum foi muito bem comercialmente e hoje as vendas acumuladas somam 35 milhões de cópias. Também seria leviano afirmar que Bad marcou o começo do fim de Michael Jackson. Três anos depois, ele ainda lançaria Dangerous, um trabalho superlativo, de certa forma até mais ousado do que Bad. Mas não dúvidas que há 30 anos as coisas começaram a ficar estranhas dentro do reino de Neverland.
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