Ao contrário do que acontece na indústria fonográfica, a chegada dos e-readers não é vista como uma ameaça pelo mercado editorial brasileiro; primeiro e-reader inteiramente nacional chega às lojas em junho
Por Fernanda Catania Publicado em 29/04/2010, às 16h36
Ele não possui bateria, não precisa de manual de instruções e dispensa selo de garantia por ser super-resistente a quedas. Demorou cerca de 500 anos para o mais simples e prático instrumento de registro de ideias, o livro, ser afetado pela tecnologia. Os responsáveis por essa revolução são os leitores de livros digitais, liderados pelo Kindle, que chegou ao mercado norte-americano em 2007 (e ao Brasil em 2009), fabricado pela Amazon. Por conta dele, um dos grandes debates atuais gira em torno das especulações sobre o futuro do tradicional livro impresso.
O boom dos chamados e-readers ainda não aconteceu por aqui, mas os fabricantes começam a preparar o terreno. Em junho, por exemplo, o mercado vai ganhar o primeiro leitor de livros eletrônicos 100% brasileiro. O Mix Leitor D, uma parceria entre a Mix Tecnologia e a Carpe Diem Edições e Produções, conta com um software completamente nacional. O produto, que vem sendo desenvolvido há um ano, tem capacidade para arquivar cerca de 1,5 mil livros e vai custar em torno de R$ 990.
O grande diferencial entre o Mix Leitor D e o Kindle é que o aparelho brasileiro é mais que um leitor de livros, servindo também como dicionário, tradutor, agenda e calendário, entre outras funções. "É o primeiro e-book do mundo voltado para a educação", explica Diego Mello, diretor da marca, ao site da Rolling Stone Brasil. Além disso, "com o Kindle você só pode comprar obras na Amazon, já o Mix Leitor permite que você baixe de lojas virtuais e também faça o download de obras de domínio público na internet".
Hoje já existem mais de dez tipos de e-readers, e o surgimento de concorrentes não para de crescer - entre os principais estão o Reader Book da Sony, o Kindle e o iPad, da gigante Apple (veja na galeria acima). Os aparelhos chamam a mesma atenção que o MP3 chamou quando chegou para abafar o CD. No caso, a novidade era que não seria mais preciso carregar vários CDs para lá e para cá: você podia colocar todas as músicas em um único aparelho eletrônico. Com os e-books acontece o mesmo. Tomando o Kindle como exemplo, em qualquer lugar que estiver, basta tirar o aparelho do bolso, comprar um título no site da Amazon (há cerca de 300 mil obras para download no Brasil e mais de 350 mil nos EUA) e, em cerca de um minuto, terá o livro inteiro na tela.
É inevitável comparar os primeiros passos da (r)evolução dos livros com o percurso que a indústria fonográfica tomou - aquela história de que o vinil virou fita cassete, que virou CD, que virou MP3. No entanto, ao contrário do que parece, a popularização dos livros digitais é vista com bons olhos pelas editoras brasileiras. Isto porque, se compararmos as duas indústrias, é possível ver que o acesso livre ao conteúdo eletrônico vai ser mais resistente no caso dos livros do que como aconteceu na última transição no campo da música, migração que demorou cerca de dez anos. Hoje, 90% das músicas disponibilizadas na internet são ilegais, realizadas por troca de arquivos. No caso dos e-books, o compartilhamento é limitado: para baixar um livro, é preciso um programa (o Adobe Digital Edition é um deles) que, por meio de uma assinatura eletrônica, não permite que o arquivo seja aberto por um número ilimitado de computadores.
Outra diferença é em relação ao formato, como explica Sérgio Herz, diretor de operações da Livraria Cultura: "Quando a música tomou a forma eletrônica, não houve mudança no jeito de ouvir música. Com o e-book não: vai mudar a maneira de ler, então a evolução será muito mais lenta". Ele completa dizendo que "o livro impresso não vai acabar. Uma coisa não elimina a outra, pelo contrário, são complementares".
Na mão das editoras
Com a chegada dos livros eletrônicos, uma das principais questões a serem trabalhadas pelas editoras é o preço. "A chegada do iPad gerou confronto entre a Apple e a Amazon, porque agora eles vão brigar pelo preço das editoras. Então, as editoras passam a ter um poder de barganha maior", explicou Dalizio Barros, consultor jurídico da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR).
Na estratégia de consolidar seu leitor eletrônico, a Amazon cravou um preço baixo, de US$ 9,99 por título (cerca de R$ 19), enquanto uma obra na versão de papel custa, em média, US$ 30. Mas, para isso, a própria Amazon paga entre US$ 12 e US$ 13 para comprar as obras. "A Amazon não está ganhando dinheiro, pelo contrário, ela perde de US$ 2 a US$ 5 por livro", diz Herz. Pode ser apenas estratégia de marketing (como acredita o próprio Herz), mas dados da Amazon revelaram que o Kindle foi o produto mais vendido no último Natal.
O caso das livrarias é diferente. Como são pontos de venda, a tendência é que passem a disponibilizar os digitais junto aos físicos, o que muitas já fazem em seus sites. A Livraria Cultura, por exemplo, vende títulos no formado de e-book na internet desde 30 de março. São mais de 120 mil obras estrangeiras e 500 nacionais disponíveis - como Leite Derramado, de Chico Buarque. "Para nós, pode ser e-book ou impresso, o importante é ler. Se o cara quiser papel, a gente tem papel. Se quiser eletrônico, a gente também tem", explica Herz.
Dentre os "achismos" sobre o futuro do mercado editorial, uma coisa já é possível afirmar: o público do livro digital é diferente do impresso, o que afasta ainda mais a longínqua possibilidade da extinção da versão em papel. Os amantes do livro impresso, "aqueles que deitam na cama antes de dormir para desfrutar um bom romance" não vão abrir mão desse prazer. Já os jovens sedentos de tecnologia e, principalmente, estudantes, vão se adaptar mais facilmente aos livros eletrônicos. "Não vai haver uma migração do leitor comum para o leitor digital de maneira rápida, fácil e confortável", afirma Dalizio, da ABDR.
Ele explica que os universitários necessitam uma leitura rápida para o aprendizado de matérias e estudo de provas, por isso são definidos como o público leitor de e-reader. "Dificilmente vamos ver uma pessoa na cama lendo um livro de ficção no iPad. Será muito mais comum se deparar com um aluno 'folheando' o capítulo de um livro em seu e-reader na porta da sala de aula."
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