Paulo André, idealizador e organizador do Abril Pro Rock desde 1993, faz um balanço do que ficou diferente na música e no festival ao longo dos anos e comenta a atual estrutura do evento
Por Stella Rodrigues, de Recife Publicado em 17/04/2011, às 15h52
Paulo André, idealizador e organizador do Abril Pro Rock desde 1993, viu, ao longo dos anos, o festival crescer, virar referência no Brasil todo e entrar para a história por ter lançado bandas como Chico Science & Nação Zumbi para o mundo. O evento, que surgiu como uma forma de reunir a pluralidade cultural que acontecia no underground de Recife, passou por diversas mudanças, se adaptou aos novos públicos e formatos de consumo de música e continua na rota dos festivais independentes mais significativos do país.
Em entrevista ao site da Rolling Stone Brasil, Paulo relembrou a proposta inicial e o conceito que tinha em mente para a realização do evento no movimentado início da década de 90. "O Abril Pro Rock, em sua primeira edição, em 1993, reuniu um maracatu e 12 bandas de vários gêneros musicais, incluindo nomes remanescentes da nossa cena da década de 70, que foi bastante produtiva, uma cena que ficou conhecida como "udigrudi" [brincadeira com a palavra inglesa underground]. Convidei dois egressos dessa cena, o Lula Côrtes e o Lailson, e toda a diversidade que acontecia na cidade: as duas bandas que no ano anterior tinham lançado o Manifesto Mangue, Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, e bandas de rock de Recife. A ideia era mostrar um apanhado daquela efervescência que estava rolando na cidade, que era uma efervescência muito limitada, em termos de público. Você tinha no máximo 300 pessoas em uma festinha onde tocavam as bandas. A minha ideia era reuni-las para tentar mostrar aquilo a um público maior em um único dia."
Com o passar dos anos, o festival Abril Pro Rock ganhou várias companhias, tanto em Recife (Rec-Beat), como em diversas capitais e cidades menores do Brasil. Sendo assim, adaptou seu formato para que pudesse continuar seguindo a proposta de fomento cultural. Hoje, ele procura ocupar todo o mês de abril com programação variada. Além das duas noites maiores, uma dedicada aos estilos mais pesados e outra que segue fiel à ideia de pluralidade inicial do evento, são realizadas apresentações menores, com duas ou três atrações. Elas acontecem na charmosa Recife antiga, mais especificamente no APR Club, criado com o propósito de incentivar a vida noturna e a cultura de clubes da capital Pernambucana, que, segundo Paulo, ainda é bem incipiente. No último sábado, 16, por exemplo, entre as duas grandes noites do festival, o APR recebeu Voyeur, MIM e Boss in Drama, em uma data dedicada ao electro.
"Ao longo desses anos, mudamos um pouco o formato do festival. Recife é uma cidade que tem uma oferta de shows de graça muito grande. O nosso carnaval virou um grande carnaval pop, traz muitas bandas e de todo estilo. Muita gente não vai pagar por um show que acabou de ver de graça. Optamos por esse esquema de concentrar as bandas pesadas (de hardcore, punk e heavy metal) em um dia, e fazer um outro dia mais pop - pop no mais amplo sentido da palavra. Vai desde um Chicha Libre, que faz um som da Amazônia peruana, até a MPB da Tulipa Ruiz, Arnaldo Antunes, passando por bandas novas, como Mamelungos e Feiticeiro Julião, que representam uma nova geração de grupos daqui do Recife. Na noite pesada, vem gente do nordeste todo, pois raramente acontece um show desse tipo por aqui, reunindo só bandas assim".
Após quase duas décadas de produção do evento, Paulo está satisfeito com os resultados e com o alcance que ganhou o conceito inicial dele. "É engraçado que a nossa cultura popular, que é tão forte aqui, tem côco, roda, ciranda, maracatu, caboclinho, afoxé, era muito obscura no início dos anos 90. A classe média não dialogava com essa cultura popular. Precisou vir um jovem artista como Chico Science beber nessa fonte e mostrar para a gurizada que aquilo era uma coisa legal, não era careta. Depois de várias edições do Abril Pro Rock, isso praticamente virou lugar comum na cidade, essa junção das bandas contemporâneas e tradicionais. Então, a gente passou a não convidar os grupos mais tradicionais, porque isso deixou de ser um diferencial."
Não foi só a estrutura do Abril Pro Rock que sofreu alterações para se adaptar ao tempo. As muitas mudanças no jeito como se ouve música e se consome a produção artística fez com que o Paulo passasse a ver um outro papel para o festival. E, mais do que isso, a maneira como os festivais passaram ser vistos pelo governo e a iniciativa privada, se modificaram também. "A diferença de se produzir algo assim antes e atualmente é muito significativa. Hoje, as empresas patrocinam. Nos anos 90 não tinha esse tipo de fomento, não tínhamos editais de empresas privadas. Quando o Abril Pro Rock começou, era muito difícil ter patrocínio privado, porque ele nasceu no mesmo ano que o Recifolia e a maioria dos jovens ia lá ouvir axé music. Era uma minoria que ia ao nosso festival ouvir as bandas autorais da cidade. Hoje é uma outra realidade: o Abril Pro Rock, o mais tradicional do calendário dos festivais independentes brasileiros, inspirou o surgimento de muitos outros pelo país todo. E esses outros eventos já contam com incentivos nas suas primeiras edições. No nosso caso, como a gente trata de uma música que não é conhecida nem na própria cidade, 70% da grade é formada por bandas em processo de formação de público, contamos com patrocínio do governo do Estado, também, que entende o papel do festival."
Gravadoras, internet, novos artistas e festivais
"No primeiro Abril Pro Rock, nenhuma das bandas que tocaram tinha contrato com gravadora, mas com a revelação de tantos nomes, já na segunda edição, as gravadoras começaram a frequentá-lo", revela Paulo, ao falar sobre o papel de festivais independentes no atual contexto em que a música está inserida. Para ele, as mudanças na tecnologia que produz e distribui música é uma faca de dois gumes. "A imagem que eu tenho é dos representantes saindo no fim da noite com sacolas de material: CDs, fitas, camisetas, releases. Eles eram verdadeiramente assediados. A partir do fim da década de 90 e começo da de 2000, com a internet chegando na classe média e a pirataria física tomando conta das ruas do Brasil, as gravadoras pararam de investir em novos artistas, como faziam antes. Aí, por outro lado, o mercado independente ficou muito mais fortalecido e integrado. Teve, inclusive, o aparecimento da Abrafin (Associação Brasileira dos Festivais Independentes), aglutinando um grupo de produtores que estava fazendo a mesma coisa em diferentes partes do Brasil e ajudando na circulação das bandas", encerra.
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