Evento em SP destaca mulheres do rap

Lurdez da Luz, Flora Matos, Nathy MC e Stefanie cantam seus versos no Presença Feminina, neste sábado, 13; cantoras falam à Rolling Stone Brasil sobre preconceito na cena

Por Patrícia Colombo Publicado em 25/03/2010, às 20h30

Já foi o tempo em que somente homens tinham lugar no rap. Mais e mais meninas têm se aventurado no universo do hip hop - e com base nesse novo cenário, o produtor Tiago Munhoz e a relações públicas Ligia Lima criaram o Presença Feminina, que ocorre neste sábado, 13, no Espaço + Soma, em São Paulo. O evento terá a participação de quatro rappers que têm ganhado destaque na cena: Lurdez da Luz, Flora Matos, Nathy MC e Stefanie.

Além dos shows, ocorrerá a exposição Buffalo Gals, de arte urbana, e discotecagem de DJs - todas do sexo feminino. "Lendo e pesquisando, encontramos um edital [de incentivo à cultura] que era só de hip hop e resolvemos focar nisso [o universo da mulher]", conta Ligia, em entrevista ao site da Rolling Stone Brasil. Ela afirma que uma das principais intenções do Presença Feminina é acabar com a ideia de que o rap é apenas um manifesto da periferia no qual só os homens têm voz. "São mulheres em um movimento que realmente tem um estigma machista, mas que dá espaço para elas também", argumenta. "O evento não é para dizer 'nós estamos lutando por espaço', mas mostrar que o rap feminino já existe."

Ligia salienta ainda que há em atuação garotas, como estas que fazem parte do line-up do Presença Feminina, que absorveram a arte do rap, mas que não necessariamente nasceram na periferia ou versam sobre problemas sociais. Lurdez da Luz, cujo nome de batismo é Luana Dias, nasceu na rua Frei Caneca, mas cresceu no bairro da Luz, na região central de São Paulo. Em seu primeiro álbum solo (ela faz parte do Mamelo Sound System), homônimo, Lurdez traz uma sonoridade com fortes referências ao afrobeat e ao som de nomes como Afrika Bambaataa e Kurtis Blow - além de composições românticas. "Acho muito interessante falar de amor dentro da linguagem de rap", diz ela. "Além disso, acredito ser superficial a forma como o tema é abordado na cultura popular, seja no pagode ou no funk." E o preconceito com o rap feminino, existe? "Diretamente nunca senti, mas é algo que existe", conta. "Acho que rola mais um estranhamento do tipo de som que faço, do que o preconceito pelo fato de ser branca e ser mulher."

Nesse quesito, com Nathy MC a situação foi um pouco diferente. Nascida na região central de Curitiba, a rapper participava de batalhas de MCs, nas quais era a única mulher entre diversos homens. Chegou ao segundo e ao terceiro lugar em duas dessas competições. Quando alguns vinham munidos de discursos preconceituosos que questionavam a capacidade de Nathy em atuar no rap, ela revidava. "Sempre rola um machismo, mas se você for esperta, consegue reverter isso a seu favor", explica. "Usei contra eles o que sabia que podiam usar contra mim. Tipo, essa ideia dos caras de achar que a mulher tem que ficar em casa fazendo tudo." Vencidos os comentários com talento para o hip hop e para boas respostas, Nathy passou a ser influenciada pelos colegas e amigos a gravar um álbum - fato que, quando decidido pela rapper, a fez deixar Curitiba para cair na estrada rumo a São Paulo, carregando no bolso a única quantia financeira que possuía: cerca de R$ 400.

Seu álbum, Nathy MC, lançado em 2009, traz composições bastante pessoais, que, segundo a própria, levam o disco a ser caracterizado quase como uma autobiografia. "É muito da minha vida o que escrevo", diz. O disco exigiu dela grande esforço, tanto para arrecadar a verba necessária, quanto para toda a realização dele, trabalho feito pela mesma, de forma independente. "Corri muito pra isso acontecer, larguei minhas coisas e vim pra cá fazer isso, então, nada mais justo do que ele [o disco] falar sobre mim."

Se comparada ao número de artistas do sexo masculino, a quantidade de rappers mulheres ainda é pequena. Porém, Lurdez e Nathy concordam que, pouco a pouco, a situação, tanto com relação ao aumento de garotas MCs, quanto ao preconceito, tem sido alterada. "Creio que chegamos a um nível em que dá para fazer um festival só com rappers femininas, DJs femininas e grafiteiras femininas", afirma Lurdez. "Por muito tempo não tinha como sair do guetinho feminino, agora acho que isso ampliou."

Nega Gizza

"Chegou a Nega Gizza na parada, exijo respeito", canta a rapper, na faixa "Larga o Bicho", que integra o álbum Na Humildade (2002). A origem de Gizza é bastante diferente da de Lurdez da Luz e Nathy MC. A cantora tem três irmãos homens - sendo que um morreu, vítima do envolvimento com o tráfico de drogas - e seus pais se separaram quando tinha dois anos de idade. Conta que foi criada somente pela mãe, com grandes dificuldades financeiras, mas tendo uma base familiar muito boa.

Vivendo no bairro de Anchieta, localizado na região norte do Rio de Janeiro, os problemas financeiros enfrentados desde pequena levaram Nega Gizza a um amadurecimento precoce. "Fui me tornando uma pessoa mais interessada e prestando atenção em tudo que estava ao meu redor", diz. Na mesma época, passou a se envolver com a rádio comunitária local e, quando esta se tornou uma FM, conheceu o rap. "Por conta do processo que tinha passado, escrevia muito e percebi que essas músicas falavam sobre as mesmas coisas, e aí me fascinei e comecei a conhecer mais, tanto sobre o rap, quanto o resto da cultura hip hop", revela.

Gizza versa sobre as dificuldades sociais tão relacionadas ao cotidiano de muitos brasileiros. Todavia, diferente de uma porção significativa das cabeças pensantes no meio, não se incomoda com artistas que cantam sobre coisas que não estão diretamente conectadas à realidade social e política. "O rap é livre para todo mundo. As pessoas se apropriam e transformam da forma que querem. Tem que haver essa liberdade para cantar o que estão sentindo, o que veem de bonito ou feio", acredita. "Não enxergo como problema a entrada de mulheres ou homens que façam do rap um estilo mais, de repente, acessível. Independente da classe social, da cor, do lugar, as pessoas vão ouvir e gostar e isso é mérito do que você canta. Eu tenho a minha cara."

A rapper foi apadrinhada por aquele que considera seu "irmão de coração", MV Bill, e acredita que, talvez por isso, não tenha sentido na pele o preconceito de outros homens por ser uma mulher em atividade no hip hop. "Por ter uma pessoa que acreditou em mim, não passei por isso", diz. "A sociedade é machista, mas existem pessoas que se preocupam em tornar o preconceito menor - isso com relação a tudo, homossexuais, contra mulher, contra preto. São coisas que têm que se transformar na sociedade para se transformarem dentro dos grupos segmentados."

Junto a MV Bill e outros companheiros, Nega Gizza fundou a Central Única das Favelas (CUFA), uma organização reconhecida nacionalmente que se vale da cultura hip hop para inclusão social. Entre as atividades desenvolvidas, estão cursos e oficinas de DJ, break, grafite, uma escolinha de basquete de rua, skate, informática, gastronomia e audiovisual. Os projetos sociais em que sempre esteve envolvida levaram a MC a adiar o lançamento de um novo álbum para 2010. Nega Gizza entrará em estúdio no próximo mês para realizar seu novo trabalho, ainda sem título.

Fórum Estadual de Mulheres no Hip Hop

A temática do papel da mulher no hip hop, além de ser a base do Presença Feminina, dará origem ao 1º Fórum Estadual de Mulheres no Hip Hop do Estado de São Paulo, uma iniciativa da Associação Beneficente de Amparo à Família (Abenaf), junto ao site Mulheres no Hip Hop. O evento será realizado também neste final de semana, nos dia 13 e 14, na cidade de Carapicuíba. Debates e palestras serão realizados para a discussão sobre as raízes do movimento, bem como o papel da mulher nele. Haverá também shows de diversos grupos femininos de São Paulo e de outros estados, como Atitude Feminina (do Distrito Federal), Flor do Gueto (RS), Estilo Feminil (MG), Visão de Rua (SP) entre outros.

Presença Feminina

13 de março, 18h

Espaço + Soma (Rua Fidalga, 98, Vila Madalena)

Informações: 3034-0515

Entrada Franca

Fórum Estadual de Mulheres no Hip Hop

13 e 14 de março, a partir das 9h

Aldeia de Carapicuiba (Praça da Aldeia, s/n)

Informações: 3439-1373

Entrada Franca

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