"Historicamente falando, a música deveria ser gratuita", diz o guitarrista Matt Bellamy antes de show em SP - Divulgação

"Música não deve ser cobrada", decreta Matthew Bellamy

Na primeira passagem pelo Brasil, vocalista do Muse confessa acreditar no fim do CD em um futuro não muito distante

Pablo Miyazawa Publicado em 03/08/2008, às 00h05 - Atualizado em 03/04/2014, às 13h40

Na quarta-feira, após um show abafado no Rio de Janeiro, os três ingleses do Muse encararam uma noitada na cidade. "Fomos a um bar de samba, foi bem legal", contou o vocalista e guitarrista Matthew Bellamy. Talvez por causa da noitada estendida, ou graças aos ainda presentes resquícios de caos aéreo, a banda chegou mais de duas horas atrasada para seus compromissos com a imprensa de São Paulo.

Saiba como foi o show do Muse em São Paulo, clicando aqui.

Pouco mais de três horas antes de subir ao palco do HSBC Brasil para seu segundo show no país, o principal compositor do trio britânico parecia cansado. Seria a última entrevista de dezenas que ele havia concedido naquele dia. Com uma expressão de pura preguiça, esparramado em uma poltrona e com as pernas apoiadas em uma cadeira, Bellamy tentava decifrar uma matéria de meia página sobre o Muse publicada em um jornal local. "Bem que eu queria saber ler português para entender isso", brincou.

É difícil rotular o som do Muse, e fico pensando se você se preocupava com rótulos no início da banda. Há uns 12 anos, quando vocês ainda não eram famosos, como definiam seu estilo para quem questionasse?

Acho que esse negócio de rotular bandas é um trabalho para os críticos e os jornalistas. Eu imagino que a maioria dos músicos não deseja se encaixar em um gênero já existente. Claro que há muitas bandas que só estão nessa porque querem ficar famosas e fazer sucesso, mas qualquer músico realmente sério tem como objetivo fazer algo novo, que o expresse artisticamente. É por isso que ninguém quer ser categorizado ao lado de outros artistas. Nós já fomos muito comparados com várias bandas, mas acho que não nos encaixamos fácil em nenhuma categoria existente. Não que isso seja algo que tire meu sono, mas sempre tive o objetivo de ser rotulado como Muse, como uma banda com sua própria autenticidade.

A música do Muse atrai diferentes tipos de fãs: os indies, os fãs de progressivo, os metaleiros, os modernos. Você pensa em quem são seus fãs na hora de misturar um riff rasgado de guitarra com sintetizadores, piano, uma bateria pesada? Ou a mistura surge naturalmente?

Não há uma manipulação da música para atrair um certo tipo de público. Sempre fomos extraordinariamente cabeça aberta para todos estilos de música. Acho que posso ser considerado mais mente aberta que a maioria, porque me agrada tirar influências do heavy metal, do pop, do r&b ou até de música clássica. Você simplesmente pega as partes que mais lhe fazem sentido e cria sua música. No fim das contas, é bem legal ter essa sensação de diversidade no público e também na música. Acho que tudo o que fazemos é tentar escavar e buscar algo que esteja além da superfície.

A maneira com que você se comporta no palco é bastante única, uma performance bem pessoal, por assim dizer. De onde você tirou inspiração para refinar esse estilo?

Você tem que agir de acordo com o corpo que tem [risos]. Você vai se mexendo e simplesmente acontece, e aquela se torna a sua característica. Eu acho que curto bastante dançar por diversão. Sou um daqueles caras que quando vai a uma danceteria, não se leva muito a sério. Eu faço uns movimentos bem amplos e fico zoando, e acabo reproduzindo isso quando estou no palco. Quando a banda começou, nós éramos caras muito introvertidos, bem tímidos mesmo, e não nos mexíamos muito nos shows. Devo ter começado a me mexer mais como uma reação ao fato de eu não me levar mais tão a sério. Acho que muitos dos movimentos que faço ao vivo são um sinal para me lembrar que não devo me levar muito a sério.

Você não parece muito tímido hoje em dia.

[Risos] Eu não acho que sou uma pessoa tímida, mas antigamente, quando estávamos no palco, ficávamos petrificados demais. E só quando começamos a nos mexer e a nos divertir que passamos a quebrar esse gelo.

Você também parece ter um cuidado especial com as roupas que usa ao vivo.

É algo tentador entrar no palco com qualquer roupa, tipo, de camiseta e jeans, mas a maior inspiração para o que visto no palco é o conforto, sabe? Eu comecei a usar paletós porque são flexíveis. Passei a usar calças sociais porque são "stretchy". Os sapatos que uso são praticamente sapatos de dança. A maioria das minhas escolhas tem a ver com conforto e flexibilidade, e para permitir que a pele respire melhor. É bem mais do que usar algo puramente por imagem. De vez em quando posso até usar alguma roupa por causa do visual, mas na maioria das vezes prefiro vestir algo que seja confortável.

Mas você não se interessa por moda, não lê sobre o assunto?

Eu nunca me liguei muito nisso. Eu compro algo porque gosto do visual, e não porque é de uma marca específica, ou de uma certa coleção. Eu vou atrás daquilo que gosto. Até acho que deveríamos nos importar mais com isso... a gente nem se esforça muito. Basicamente, na maioria das vezes, vestimos no palco as roupas que a gente usa por aí.

Você enxerga algum futuro para a indústria fonográfica? Como você acha que as pessoas vão se relacionar com a música nos próximos anos? Em resumo, o CD vai acabar?

Acho que a internet tem funcionado muito bem para algumas bandas, e nem tanto para outras. Para nós, ela tem nos servido muito bem. Nosso foco sempre foi tocar ao vivo, gostamos de excursionar e conhecer pessoas pelo mundo. Para uma banda como a nossa, que tem esse objetivo, a internet é perfeita. A gente hoje pode tocar em uma cidade onde vendemos uns 100 discos, para uma platéia de mais de dez mil pessoas. Sem a internet, isso não poderia acontecer. Somos muito gratos a tudo que a internet tem feito por nós. Especialmente para tocar em lugares como a América do Sul e a Ásia, que no passado seriam muito difíceis de ir.

Sobre a industria musical... as pessoas esperam que a música seja de graça hoje em dia, e acho que sempre foi assim. Foi nos últimos 50, 60 anos, que a música começou a ser algo associado ao dinheiro. Historicamente falando, a música deveria ser gratuita. Se voltarmos à origem de tudo, há milhares de anos, a música era algo relacionado à diversão, prazer, um meio para dividir experiências, sentimentos e histórias com outras pessoas. Eu não acho que este tipo de coisa devesse ser cobrado. Se a indústria seguir nessa direção, o resultado será que logo o formato CD desaparecerá.

Seu último CD, H.A.A.R.P., também traz um DVD no pacote. Você acha que é com esse tipo de medida que as bandas precisam tomar para convencer o público de que é melhor comprar o disco do que baixá-lo de graça na internet?

Eu acho que este é um produto diferente, é um disco ao vivo. Acho que se fosse possível distribuir esse tipo de material pela internet, é o que faríamos. É provável que, em alguns anos, quando a velocidade da internet ficar maior, os filmes em alta qualidade irão circular da mesma maneira que os mp3 circulam hoje em dia. No momento, isso é algo ainda restrito. DVDs com qualidade de som surround são relativamente complicados de rodar pela internet, então decidimos lançar o formato físico. Nosso objetivo foi lançar uma versão daquele que foi, para nós, o nosso melhor show, no estádio Wembley. Sempre fizemos discos ao vivo, este é o nosso terceiro, mas certos shows foram realmente importantes e queríamos deixá-los documentados. Foi só por isso. Não foi algo feito para ajudar a vender um produto, mesmo porque a gente quase não fez dinheiro com isso.

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