Com o lançamento de Desejo de Lacrar, quinto disco da carreira, o música fala sobre a necessidade da postura lacradora entre os jovens de hoje (e muito, muito mais)
Igor Brunaldi Publicado em 29/07/2020, às 07h00
Negro Leo é poço de sabedoria. Aos 37 anos de idade, o músico maranhense transpira conhecimento sem esboçar nem um indício sequer de superioridade durante nossa conversa por videoconferência, que teve a duração atípica de mais de uma hora (contando algumas travadas de internet), e na qual me senti ao mesmo tempo um aluno e um amigo.
Nesse tempo que passamos juntos virtualmente, conversamos sobre assuntos dos mais diversos, como religião, fenômenos sociológicos, lacração, RPG, Pokémon, medo da radiação dos celulares e, claro, música, afinal de contas, ele lançou recentemente Desejo De Lacrar, quinto disco da carreira.
Nascido em Pindaré Mirim, criado no Rio de Janeiro e morador de São Paulo há três anos, Leo conta que o primeiro álbum composto totalmente na capital paulista foi Action Lekking (2017), mas que apesar disso, carrega em si toda uma saudade do litoral carioca.
De certo modo, essa pode ser vista como a principal diferença entre o novo projeto e o antecessor, já que o mais recente se apresenta como a concretização de ideias nascidas de uma mente inquieta e reflexiva já totalmente imersa na vida da metrópole.
É quando falamos sobre os pontos positivos e negativos de morar em uma cidade como São Paulo que nossa conversa toma (pela primeira vez de muitas) um rumo inesperado: os malefícios das radiações emitidas por aparelhos celulares, e como a sociedade atual não faz ideia de como isso pode ser prejudicial no futuro.
"Os efeitos ainda não são totalmente conhecidos, e isso é preocupante. Somos cobaias desse tipo de coisa no nosso tempo. A humanidade é cobaia de uma radioatividade que ela não sabe o que pode causar a longo prazo. Só vamos saber disso mais para frente."
E com a mesma naturalidade com que começamos a falar dessas incertezas assustadoras que residem em tempos por vir, demos meia volta e decidimos reviver o caminho já trilhado do passado, enquanto, no presente, Leo se move pela casa em busca de um ponto no qual a conexão de internet colabore com a nossa conversa.
Basta perguntar sobre a presença da música na infância dele para Leo assumir uma postura empolgada de contador de histórias, e me guiar por memórias de quando ele tinha oito anos e era apaixonado por ouvir disco de vinil na vitrola da mãe.
"Tinha uma coletânea com Beatles, e eu nunca me esqueço, adorava colocar 'Strawberry Fields Forever'. Chegava da escola, tomava banho e botava essa música pra tocar. Ouvia umas duas ou três vezes, desligava a vitrola e ia jogar bolinha de gude."
Apesar de não ter tido nenhum parente direta ou indiretamente ligado a música, as primeiras vozes com as quais ele teve contato são o indício perfeito da carreira brilhante que ele construiu ao longo dos anos.
"Minha referência de música em casa era minha mãe com Motown, Diana Ross, The Commodores, Michael Jackson, Marvin Gaye, Stevie Wonder, e meu pai que era do pagode dos anos 1980, que eu gostava muito, tipo Fundo de Quintal."
Concordamos ao falar do caráter essencial que a música tem na formação da criança, não apenas como apreciador de cultura, mas também como um ser criativo que, ao amadurecer, vai assimilar aqueles sons da infância a obras de uma magnitude incompreensível até então.
"Hoje em dia eu ouço Marvin Gaye, Michael Jackson, Jackson 5 e acho estupendo. Mas eu ouvia com o ouvido de criança, ouvia só a melodia bonita, não tinha noção do que estava por trás daquilo. Depois, quando eu já tinha mais cabeça e ouvi de novo, pensei: 'Caralho, é a mesma música que eu ouvia quando tinha 8 anos, que porra é essa'. Aí sim eu tive noção."
Ele então para, olha para o lado, em algum lugar ali perto, mas fora do enquadramento da câmera, e de repente a mão dele surge na tela segurando cards do Pokémon:
"Olha aqui o que eu tava jogando com a filha. Ela adora essa porra. Não é fácil, tive que ver uns tutoriais no YouTube para aprender a jogar."
Esse comentário repentino desvia nossa reflexão sobre epifanias musicais para a importância de jogos como forma de exercício criativo. Ele conta que, por causa da idade, não pegou a febre dos monstrinhos japoneses, mas lembra de quando era adolescente e:
"Tinha o Magic. Na verdade esse do Pokémon é a mesma coisa que o Magic e eu odiava essa porra. Eu era um adolescente de 14 anos do subúrbio do Rio que gostava de soltar pipa, jogar bolinha de gude, ficar o tempo todo na rua. Não queria ficar parada com esse negócio de carta. O que eu adorava mesmo era jogar o RPG de mesa, que tinha o mestre, e ele ia contando as histórias malucas, e você tinha que jogar os dados."
Com as cartas de Pokémon já fora de cena, retornamos à jornada pelas memórias. Optamos então por deixar a infância para trás, avançar um pouco no tempo e falar de experiências que mudaram por completo o rumo da vida de um jovem Leo.
E se alguém esperava que ele destacasse o início da carreira musical (como eu mesmo imaginei), ou o dia em que comprou o primeiro violão, aos 15 anos, errou.
"Todo mundo tem uma virada na vida. Ou não tem também, sei lá. Aos 19 anos eu tive uma mudança muito brutal, de entendimento da vida mesmo. Aos 18 eu trabalhava no arquivo médico de um hospital, e estava prestes a começar nos correios como carteiro, já tinha passado na prova. Mas desisti porque passei também na universidade."
Descobrir que o músico é formado em Ciências Sociais pela UFRJ me faz ter um daqueles momentos de "aaaah, agora tudo faz sentido".
Um dos tópicos que eu planejava abordar era justamente o caráter sociológico das letras dele, que colocam fenômenos sociais como a difamada lacração na posição de objeto de estudo e análise, às vezes até soando como uma documentação psicodélica e cantada da sociedade em que vivemos.
"O que eu faço na música, de certa forma, é parte de uma frustração, de um pesquisador frustrado por não ter seguido na carreira acadêmica. Aí eu pego as canções para fazer esse tipo de coisa".
Firmemente envolvidos nesse assunto da sociologia, ele me conta sobre um caso tão curioso quanto surpreendente e absurdo que ficou sabendo há pouco tempo: recentemente, nada menos que 152 intelectuais (de esquerda e de direita) assinaram uma carta contra o lacre.
Como compositor de um disco recém-lançado chamado Desejo de Lacrar, peço para ele me explicar o que de fato é a lacração, para assim tentarmos entender por que ela se tornou tão ameaçadora e repudiada para algumas pessoas.
"A lacração se apossou do debate público. O lacre, na verdade, é um dispositivo que vem muito antes da gíria, assim como a criança fala antes de ler. Já havia o ambiente e a forma de vida lacradora, estimulada pelas redes sociais, ou até mesmo gestada nesse contexto. Os jovens aprenderam com a internet que a justiça é impossível. Hoje você sabe que está sendo enganado 24 horas por dia."
E em meio a tanta mentira e manipulação, o jovem adota essa postura lacradora como uma forma de revolta, ou, como Leo diz, "um dispositivo para destruir o inimigo com argumentos", sem deixar brechas ou lacunas para mais respostas.
"O lacre é isso. A força do lacre tá na batalha contra o todo. É uma revolta metafísica, difusa, complexa."
Me vem então a curiosidade, e decido interromper para perguntar se ela se considera lacrador. Modesto, ele responde que "poderíamos dizer que sim" e que "gostaria" de ser.
Mas se você leu esse texto até aqui, sabe tanto quanto eu que, além de um músico brilhante, Negro Leo é um ícone da lacração.
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