A noite do último sábado, 22, foi marcada por shows impactantes e performances memoráveis de alguns dos maiores artistas brasileiros que ficarão marcadas na história do festival
Igor Brunaldi, de Altinópolis* Publicado em 23/06/2019, às 20h00
A chegada do fim de semana trouxe 10 mil pessoas a Altinópolis, onde aconteceu no último
sábado, 22, o terceiro dia do Forró da Lua Cheia. Isso significa que a cidade simpática,
acolhedora e localizada na região metropolitana de Ribeirão Preto, recebeu na fazenda Vale
das Grutas mais da metade da sua população total atual de 17 mil habitantes.
Além de ser o dia com maior público da 29ª edição, esse também será lembrado como
aquele em que o festival concretizou uma trindade da música brasileira formada por Ney
Matogrosso, Djonga e Xenia França. Ao mesmo tempo que diversos em som, esses artistas
se conectaram profundamente pelo impacto gerado na plateia.
Ney Matogrosso foi o primeiro dos três a subir ao palco. Acompanhado por uma banda de
músicos excepcionais, o ícone dos anos 1970 fez um show que, por si só, explicou
detalhadamente porque ele ainda é uma personalidade da cultura brasileira que se mantém
não apenas relevante, mas também importante, após tanto tempo de carreira.
Seu vocal tremido e característico continua tão expressivo como sempre, mas o que de fato
brilhou no Palco Vale, além do elegante figurino dourado do cantor, foi a forma como ele se
movimenta pelo espaço que tem, ao som de um instrumental em constante mutação. E é
dessa forma que ele anda para lá e para cá, com movimentos corporais e feições que
remetem ao mais puro instinto animal e de desprendimento do ser humano.
Às vezes, dá passos cautelosos e com os olhos atentos, como uma onça que adentra uma
região desconhecida, ainda não familiarizada com possíveis predadores, mas ainda assim
curiosa para explorar e descobrir o que existe ali. Em outros momentos, intercala gestos
bruscos como o de um predador confiante do seu potencial, com o bater de asas de um
pavão que sabe muito bem o quão majestosas são suas penas.
O repertório que conduziu tudo isso, e que arrancou incontáveis gritos de “lindo” e
“maravilhoso” da plateia, apresentou faixas como “Jardins da Babilônia”, “Pavão Misterioso”, “Yolanda” e “Como Dois e Dois”.
Djonga, segundo elemento dessa tríplice sagrada do terceiro dia do Forró da Lua Cheia,
curiosamente foi colocado pela produção para fazer seu show no Palco Lago, área muito
menor que a do palco principal, aparentemente porque “show de rap precisa ser mais
intimista”. Independente de concordar ou não com a justificativa, esse espaço se mostrou
obviamente pequeno para o público que queria vê-lo. E apesar desse fator e da constante
pressão de ter sido concedido a ele uma média de 30 minutos para cantar (basicamente um
showcase), o rapper manteve a postura explosiva e fez o seu trabalho ao vivo com a
maestria pela qual é conhecido.
Com a intensidade de quem corre contra o tempo e não quer deixar nada a desejar, ele
cantou a maioria dos seus versos em uma só voz com os fãs, que exaltavam cada
palavra e cada rima proferida pelo músico, e preenchiam impecavelmente cada lacuna
sonora deixada propositalmente pelo DJ e produtor Coyote, única pessoa no palco além de
Djonga.
A estrutura de um show de rap tradicional enaltece a genialidade das letras escritas por ele.
Porque é nelas e na forma como as entrega ao público, com o microfone firme nas mãos,
que reside a verdadeira potência dessa apresentação. O foco se concentra integralmente
em Gustavo Pereira Marques e no que ele tem a dizer. E assim será.
Com tantos sucessos acumulados em tão pouco tempo, foi impossível cumprir o prazo de
meia hora no palco, e mesmo extrapolando o limite estipulado, foi preciso fazer ali um bem-
bolado no melhor estilo medley (só que bem mais curto) para conseguir encaixar todas as
músicas. Cada faixa de cada um dos três discos que ele lançou nos últimos três anos se
mostram preciosas demais para ficarem de fora da setlist, e, apesar da aparente satisfação
com o resultado do show, a tristeza de não conseguir apresentar tudo que teria para
oferecer apareceu de relance no rosto do rapper.
Xenia França, a última mas não menos importante integrante da trindade, conduziu a plateia
que se acumulou na área do Palco Vale no começo da madrugada por um grande
tratamento energético. A cantora se posicionou à frente da banda que a acompanhava e,
diante de uma multidão, fez um show incrivelmente sensível e na melhor pegada soul que
alguém poderia pedir.
De fala calma, generosa e também assertiva, a artista fez convites constantes a cada um
dos presentes a voltar seu olhar para dentro de si mesmo, ao mesmo tempo que guiava
todos eles juntos por uma experiência sonora transcendental de cura. Raramente um show
consegue essa proeza de ser tão interior quanto exterior, ainda mais com tanta intensidade.
A troca que aconteceu naquele momento não envolveu apenas o presente, mas também o passado e com os olhos no futuro. Com um pedido de palmas para nossos ancestrais,
Xênia, que vestia um traje roxo (em contraponto ao dourado de Ney Matogrosso), invocou a
presença de quem há muito já se foi, e de quem já tanto batalhou, como uma forma de
prestar homenagem e de convocá-los a participar daquele momento de ligação com a
música, com a natureza e com universos particulares.
Confiante na sua louvável voz e no seu potencial de ser muito ampla, expansiva e transversal que apenas uma artista brilhante, Xenia França cravou seu nome
na história do Forró da Lua Cheia, e assim continua sua ascensão como uma das maiores
cantoras da atualidade.
Infelizmente é necessário fazer uma observação pesarosa: com o aumento do público,mencionado no início do texto, aumentou também a quantia de lixo que apareceu jogado pela fazenda. Ao longo da quinta e da sexta, era possível ver um papel aqui e uma latinha ali, talvez largados por descuido, talvez até mesmo levados pelo vento forte (veja aqui uma abordagem otimista da situação), mas, ao comparar com o primeiro dia do festival que
aconteceu no fim de semana, o desleixo foi notável.
É como se as pessoas que compareceram aos dois primeiros dias estivessem mais preocupadas em manter limpo o local onde acampavam e passavam o dia curtindo música e participando de oficinas. Por outro lado, o sábado parece ter trazido aqueles que apenas passariam o dia na farra, sem muito se importar com as condições que o gramado acordaria
no dia seguinte.
* O repórter viajou a convite do festival
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