De 'funk proibidão' a animes com EVEHIVE, Iza Sabino, Kouth San, Saskia e DJ Yurley
Nicolle Cabral | @NicolleCabral Publicado em 01/07/2020, às 07h00
Comecei a escrever essa série de entrevistas com Rouff, de Tasha e Tracie, tocando no fone de ouvido. Com os beats e a produção assinada por Ashira, o EP — que te faz implorar por um disco da dupla — foi lançado em 2019 e, logo na primeira faixa, "Flo-Jo", Tasha rima "só se cresce com mina".
Na primeira edição de O Beat Delas, pontuei o apagamento das mulheres dentro do mercado musical — principalmente de beatmakers e produtoras — e o fato do consumo e da distribuição da indústria do entretenimento ser majoritariamente dominada por homens.
Além isso, as entrevistadas Apuke, Ashira, Attlanta, BADSISTA e Bárbara Brum, após compartilharem as próprias motivações e referências musicais, indicaram um denominador comum que potencializa ainda mais o verso das gêmeas: todas se sentiram mais confortáveis quando colaboraram apenas com mulheres.
Agora, ao som de outra faixa do EP, "As Mais Braba", em que Tasha canta "No meu bonde as mais braba", evoco a segunda teia de entrevistas com as mulheres que estão por trás das batidas que dão identidade, textura e movimento para as vozes presentes na cultura hip-hop, R&B e nos bailes funk. Para esta edição, convidamos EVEHIVE, Iza Sabino, Kouth San, Saskia e DJ Yurley.
Evellyn Tavares, que se apresenta como EVEHIVE, além de comandar o movimento dos corpos dançantes da cena Ballroom — fruto do movimento político de ocupação da comunidade negra latino-americana LGBTI+ — com os próprios beats, também fomenta a cena para além dela.
Parte do coletivo BANDIDA — um espaço para mulheres produtoras, fotógrafas e artistas buscarem protagonismo feminino na indústria — em São Paulo, a artista fluminense também atua como instrutora de discotecagem na Oficina das Minas no Rio de Janeiro.
Nas criações, EVEHIVE se inspira a cada play dado em Pose ou em Legendary, ambas as produções enaltecem a cultura LGBTI+ e o movimento Ballroom em Nova York na década de 1960.
Quais cantoras(es), produtores ou álbuns te guiaram para começar a fazer som?
Na hora de produzir um som para tocar nas pistas, me inspirei na UNIIQU3, Zora Jones, Byrell The Great, LSDXOXO, MikeQ, Leonce e na BADSISTA, com quem pude ter um contato mais próximo e lançar minha primeira faixa "XVSC".
E agora, quais são as suas referências musicais ou artista/produtor que você sempre busca quando precisa se inspirar?
Sou muito fã da Beyoncé, meu nome artístico faz referência ao nome da fã base dela. Ouço quase todo dia, ela é uma grande referência artística para mim.
Ouço bastante Tarraxo, amo R&B, HipHop e Funk desde nova e curto muito Jersey club. Tenho me divertido fazendo Vogue Beat, House e Gqom atualmente. De vogue, minhas referências são o b o u t e DJ Delish. Já em Gqom e Afrohouse tenho a Nídia, JLZ e Dominowe. Curto muito a Shygirl também com um som mais pesadão.
Pupila do Coyote Beats — produtor do gigante do rap, Djonga —, IZA Sabino começou a criar beats, efetivamente, em 2018, quando comprou um computador que "rodava" FL Studio (software de produção). Com o programa, e o auxílio do produtor, começou a testar tudo o que havia aprendido desde 2014. O boomtrap é o estilo preferido de produção: "Curto muito essa onda pesada, mais fechada, esse batidão. Estou mais nessa vibe".
Essa preferência deu origem ao BEST DUO, disco em parceria com FBC e SMU, lançado em abril de 2020. O projeto deu visibilidade a beatmaker e, segundo IZA, influenciou diretamente o novo disco solo, Glória, que chega às plataformas digitais em setembro.
Como foi participar do BEST DUO? Me conta como rolou as gravações?
Fazer o BEST DUO foi uma coisa muito louca e muito desafiadora para mim, porque eu nunca tinha feito algo parecido, tá ligado? Acho que nem o Fabrício [FBC]. Revolvemos, de um dia para o outro, do nada, fazer um disco sobre um jogo que nós gostamos muito, o Free Fire. E aí a gente resolveu abordar alguns temas da nossa realidade de uma forma mais divertida, o que foi surpreendente no final quando vimos o resultado de tudo isso, do que conseguimos fazer juntos.
Já tínhamos uma conexão muito forte de timbre e dinâmica e no álbum isso se encaixou mais ainda. Foi algo muito íntimo de nós dois. Toda noite a gente ia para o estúdio, chegava às 22h e saía as 8h da manhã, com o sol já no meio (risos). Eu e o Fabrício discutia muito, chegávamos até brigar, porque eu não queria fazer uma voz que ele queria que eu fizesse, e aí ele acabou me convencendo a fazer. Até agradeço isso a ele hoje, porque isso desencadeou em muita coisa no meu lado artístico, expandiu a minha visão sobre onde posso chegar e o que posso fazer, sacar essa versatilidade. Foi muito importante na minha vida.
[O BEST DUO] fez o meu álbum ficar de um jeito que se eu tivesse feito antes não teria ficado. O Fabrício e o SMU aprenderam muito comigo, assim como aprendi com eles. Foi muito importante ter vivido esses momentos com eles no estúdio gravando, criando, xingando e produzindo (risos). Foi um momento muito único. Ganhei uma visibilidade que não pensei que ia ganhar esse ano.
Além das parcerias, como funciona a sua dinâmica de trampo? Você vende os beats?
Eu vendo os meus beats e distribuo também. Assim, inicialmente, comecei a fazer beat porque tinha minas querendo fazer o primeiro trampo, e, além da minha curiosidade, eu queria ajudar. Então sempre que dá distribuo beat para as minas, já mandei para Ebony, Cristal, Stefanie. Sempre que alguma mina quer iniciar um trampo fod*, eu fortaleço.
Nomes como Travis Scott, Young Thug, Lil Uzi Vert e Wonda Gurl aparecem como as principais referências de Kouth San. Com o time de peso do trap como inspiração e a estética cyberpunk, a beatmaker encontrou a própria identidade e caminha entre as produções do gênero. A mais recente, "Heaven or Hell" de VK MAC. Agora, com a rotina afetada por causa do coronavírus, tem produzido menos que o normal. "Não tenho tanta inspiração como antes, parece que falta algo em mim".
Como você aprendeu a fazer beat?
Meu contato com a música surgiu quando me tornei DJ, comecei produzindo festas e aí surgiu o interesse de começar tocar e aprender. Então comecei me arriscar no FL Studio com uns mashups e remixes, mas nunca me sai tão bem (risos).
Pedi dicas para alguns amigos e fui testando na cara dura até sair o primeiro beat. Depois que consegui, acendeu uma vontade muito grande de ficar realmente boa naquilo e me aprofundar. E foi o que eu fiz. Assisti vídeos no YouTube para aprender e descobri que isso era eu queria para minha vida, tanto que abandonei a produção de festas e de ser DJ.
Eu gostava de ser DJ, mas eu sempre fui bem anti-social e tímida, então eu era uma DJ bem ''travada'' e sabia que nunca me acostumaria com aquilo. Me encontrei na produção, porque posso fazer o que eu quiser, quando eu quiser sem ter milhares de pessoas me encarando. Isso é o meu ponto de conforto, é o lugar onde eu consigo me expressar 100% sem que a timidez me atrapalhe.
Tirando todo o rolê de beat, o que você mais curte fazer quando tá de bobeira?
Jogar! Sou viciada. Quando não estou produzindo, estou jogando. Atualmente estou viciada em RolePlay do GTA V, minha vida tem sido beats e jogos. Além disso, curto assistir animes, quase sempre assisto antes de dormir quando já cansei de produzir e jogar. Fora do computador, curto passar um tempo brincando com os meus filhos (dois porquinhos da índia) e tomar uma cervejinha. Mas confesso que 95% do meu tempo é no computador.
"Provavelmente todo mundo já conhece esse som, mas aposto que quase ninguém sabe quem produziu. A Wonda Gurl é responsável por vários hits absurdos da cena! Para mim, é a melhor produtora de trap do mundo atualmente".
Cria dos bailes funk de Belo Horizonte, Yurley, aos 19 anos, entrou no grupo de DJs Tropa do Gordão, onde, com a ajuda de amigos, se profissionalizou na onda do funk proibidão. Antes disso, foi incentivada pela mãe, que, apesar de não gostar do gênero, não deixou de apoia-lá. Com DJ PH da Serra — figura influente na cena da cidade —, DJ Vitin do PC, DJ Fr, Dj Ag do Caiçara e DJ Anderson do Paraíso como faróis, Yurley também se inspira na internet para fazer o próprio som. "Usei um meme muito antigo do 'Afoga o Ganso' para fazer uma música. O que importa é ser criativo", enfatiza.
O que te impulsionou a fazer som?
Me inspirou muito ver que, pelo menos em BH, a mulher na cena do funk é muito desvalorizada, ainda mais na questão de produção. Meu objetivo acabou se tornando esse: entrar na música para mostrar que mulher pode produzir funk +18 sim! Eu quero incentivar a mulherada que gosta de música a dominar a cena toda. De lá para cá batalhei demais, passei por cima de preconceito, de pessoas que tentaram me atrasar, mas estou firme e forte. Tive muito incentivo e meu público hoje que não me deixa desistir.
Qual é a sua perspectiva dentro desse mercado musical? O que você pontua como positivo e negativo?
As coisas mudaram muito de um tempo para cá, e infelizmente mudaram para pior. Acho que o DJ não tem o trabalho valorizado. Por exemplo, em uma produção, muitas vezes o artista ou MC, é mais valorizado do que quem produziu e teve o trabalho de virar noites para fazer um trampo perfeito. Muitas vezes os DJs são excluídos de todo o resto. Falta mais empatia e caráter nas pessoas, sinto falta de uma união! Acredito que independente do que você faz, a união e a humildade é a chave para o sucesso.
Fã de café, palavras-cruzadas e recentemente acompanhada pelo primeiro disco de Geraldo Azevedo, Quadrafônico (1972), durante as manhãs, Saskia adianta o papo: "Passo a passo não tem. 24 anos de produção de música e nenhum tutorial pra oferecer". A única coisa que ela me garante que ainda precisa para produzir música é de silêncio e solidão. "Música é uma coisa invisível, né. Não dá para ver e nem encostar. Ela permeia o espaço-tempo de formas que, para mim, não estabelecem metódos".
Cria da internet, Saskia gravou o primeiro som em 2010, quando conheceu o MixCraft. Na época, passava o dia gravando os barulhos externos com o microfone do próprio computador e publicava nas redes. "Fiz dez álbuns em alguns meses. Eu postava tudo na Trama Virtual. Meu HD queimou e o site saiu do ar, perdi tudo". Em 2011, depois de instalar o Fruity Loops no computador do irmão, não largou mais os beats.
No início das gravações, se inspirada em The Books, Homeshake, Radiohead e todo o universo do vaporwave. Negro Leo e Edgar também foram artistas que projetaram o som dela. "Mas eu conheci Death Grips e, por consequência, a Jlin e nada me influenciou tanto depois disso".
Você tem produzido durante a quarentena? Essa dinâmica mudou?
Mudou bastante. Eu fazia música para arrancar reações das pessoas. Agora na pandemia não dá mais para ver a cara delas reagindo aos meus barulhos, perdeu a graça. Eu tenho acessado as minhas outras vontades com a arte.
Minha mãe diz que quando eu tinha quatro anos, eu dizia 'vou ser cantora e atriz'. Meio que eu reneguei ser cantora para não ser mais uma mina que não aperta os botões. E renego ser atriz para não ser mais uma mina que não aperta o Rec [gravando]. Eu tenho escrito muito roteiro, texto, script, poesia e filmado bastante. Mas não tenho a intenção de musicar nada. Já tenho música demais. Música que geral não ouviu e provavelmente não vai. Nós estamos trancados nas nossas telas agora. Quero acessar todas as luzes dessas telas. Estou produzindo comédia, drama, escrevendo um filme. Não saio de casa sem a minha câmera emprestada. A dinâmica é que toda vez que eu observo uma parada, eu descrevo ela como se fosse um livro ou como um filme. Acabo fazendo isso depois. Tenho um curta já lançado chamado "OUTRA COISA.print" no canal TV Salada Matrix Pirada. É minha nova paixão. Outro dedo em outra ferida.
Já rolou alguma situação inusitada que você tirou inspiração para fazer um beat? Em um rolê, vendo um filme, série...
Putz... Vários. A minha música, Crush, um hit antigo que eu fiz novinha, veio depois de eu ver um boy em uma festa. A música Broom, do meu primeiro EP, veio depois de eu ter brigado com uma amiga que eu era apaixonada. Não sei julgar o que é inusitado. Minha vida é sempre inusitada. O que eu disse no meu álbum, foi tudo uma sucessão de inusitações misturadas com a minha mente se abrindo para novos caminhos. Não sei se tenho um backstage massa para contar. Mas uma vez eu ia sair para tocar em uma festa, como DJ, e eu tava pesquisando música na última hora, daí percebi que nenhuma daquelas músicas eram músicas que eu conhecia ou ouvia. Ai percebi que a gente finge que sabe das coisas, mas na real a gente dá um google. Foi quando eu fiz essa música que se chama "Google It".
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