O Negroni celebrou um século em 2019 e vive o auge de sua popularidade
Guilherme Ravache Publicado em 23/12/2019, às 15h40
A receita é simples: 1 parte gim, 1 parte amaro (estilo de licor italiano amargo, o mais usado é o Campari), 1 parte vermute tinto (feito com vinho fortificado com outra bebida de maior teor alcoólico e aromatizado com ervas e especiarias). Com esses três ingredientes misturados, o Negroni ganhou o mundo. O quarto ingrediente que explica o sucesso desta bebida mas não entra nas receitas: marketing.
Em coquetelaria, a origem dos drinks normalmente vem acompanhada por folclore. Com o Negroni, não é diferente. Conta a lenda que tudo começou com o conde Camillio Negroni e seu pedido por um “Americano mais forte” para o barman Fosco Scarselli. O ano era 1919, e o local onde a história começou é o Casoni Bar, mais tarde rebatizado de Caffé Giacosa, na rua Tornabuoni em Florença, Itália.
Scarselli substituiu a água de soda pelo gim (mudando a receita original do drink Americano). Com o passar do tempo, mais e mais clientes passaram a pedir ao barman que fizesse o “drink do Conde Negroni”. Nascia o Negroni.
Os ares de realeza do senhor Negroni ajudaram a dar sabor à história. Além do fato do sujeito ser conde, também era boêmio fanfarrão e supostamente passou um tempo como cowboy de rodeio e apostador nos Estados Unidos, de onde retornou à Itália por causa da Lei Seca americana.
Certamente, uma história com conde, vaqueiro, Lei Seca, além do sabor doce e amargo do Negroni, seria sucesso. Mas, recentemente, essa versão é cada vez mais questionada. Agora, a nova teoria da origem do Negroni afirma que a bebida teria sido inventada na África e por um francês da Córsica.
De acordo com o atual Marquês de Negroni, François Hubert (sim, ele existe), nunca houve ninguém chamado Camillo Negroni ao longo de sua história familiar. A declaração é apoiada por um documento de 315 páginas compilado por François, que com tempo de sobra e ambições de nobreza, pesquisou a árvore genealógica de sua família até o século 11. Segundo François, a pesquisa foi realizada para que ele fosse aceito na ordem dos Cavaleiros de Malta.
Hubert não é o único a questionar a história corrente do Negroni. Em uma reportagem chamada “New Evidence Negroni was Invented in Africa – Sorry Italy”, da Drinking Cup, o autor defende que o General Pascal-Oliver de Negroni foi o verdadeiro criador do coquetel.
Nascido na Córsega em 1929, Pascal se juntou ao exército francês aos 18 anos, dedicando 44 anos de serviço como couraceiro de elite (a cavalaria blindada de choque francesa). Pascal alcançou o posto de Brigadeiro General, passou um tempo como prisioneiro de guerra durante a Batalha de Sedan e recebeu a mais alta condecoração do Exército Francês (Voir Légion d'honneur Commandeur) por liderar uma carga heróica durante a Batalha de Reichshoffen.
Enquanto lutava na Guerra Franco-Prussiana (1870), Pascal comandou um regimento na região nordeste da Lorena, território disputado entre França e Alemanha. Baseado fora da cidade de Lunéville, e como um oficial sênior de nascimento nobre, Pascal era frequentemente convidado a participar de festas.
Em uma dessas noites - por volta de 1870 - Pascal apresentou o “coquetel à base de vermute” que criou para a esposa, Blanche Gérard-Fontallard. Era a bebida que hoje se acredita ser a verdadeira fonte do Negroni.
Atualmente, Campari se tornou sinônimo de Negroni. E, sem a Campari, dificilmente o Negroni alcançaria seu status global. Ao visitar o museu Campari, fica evidente que boa parte do sucesso da empresa está ligada ao pioneirismo de suas ações de marketing.
Muito antes de se falar em marketing de experiência, por exemplo, quando se faz o consumidor “provar” algo, a turma da Campari já fazia isso. Também foram pioneiros ao associar a Campari ao que havia de mais inovador na arte. Sem Campari, o Negroni não seria o que é hoje.
E o senhor de cartola, gola alta, sobretudo, cana, luvas e, claro, um pomposo bigode e cara de conde que virou garoto propaganda do Negroni, acredita-se, foi Arnold Henry Savage Landor (1865-1924).
Pintor florentino, explorador, escritor, antropólogo e amante de gatos cuja arte e aventuras globais fizeram dele uma lenda de seu tempo. Foi também amigo da rainha Vitória, do príncipe da Sérvia, do czar da Rússia, do rei da Itália e até do Papa Pio X. Ou seja, Landor foi muitas coisas, mas não um conde. Mas, além de famoso, Landor era sofisticado e refinado, a mais perfeita representação do que a Campari queria transmitir.
O espaço onde hoje está o Museu Campari é histórico por si só, já que foi a primeira fábrica de Campari. Localizada em Milão, começou com 1 mil m² e foi expandida para 25 mil m² ao longo dos anos. Hoje, o museu ampliado é também a matriz da empresa, mas o prédio original foi mantido após a reforma que colocou tudo abaixo entre 2005 e 2009, projeto encabeçado pelo arquiteto suíço, Mario Botta.
A cada ano, 15 mil visitantes passam pelo local, sempre em um passeio agendado e guiado, no qual há uma exposição com peças permanentes, além de exibições temporárias, organizadas por temas.
O espaço se dedica a relembrar as campanhas publicitárias, homenagens e desenhos feitos apor artistas ao longo desses quase 160 anos da marca. Bruno Munari, por exemplo, foi um ícone publicitário para a marca e começou em 1927, tendo criado campanhas até os anos 80.
Quando a linha vermelha do metrô foi inaugurada em Milão em 1964, Munari não perdeu a oportunidade de conexão com a cor da marca e criou uma campanha icônica associando a modernidade da linha ao vermelho da marca Campari. O artista, mais que um publicitário, estava à frente do seu tempo, dando uma visão artística e de moda única para a Campari, por isso também a relação longeva com a marca.
A origem do nome da marca está em Gaspare Campari (1828-82). Nasceu em Cassolnovo (Lombardia), foi o décimo filho de um agricultor e, aos 14 anos, trabalhava no Bar Basso como licorista. Já com seu negócio próprio na década de 40, Campari vendia um aperitivo ao estilo bitters chamado Bitter all'Uso d'Holanda. Em 1860, formulou o produto hoje conhecido como Campari, cuja receita, ainda em segredo, contém mais de 60 ingredientes naturais, incluindo ervas, especiarias, cascas e frutas. O pai viveu até 1882, quando seus filhos, Davide e Guido, assumiram o business que se tornaria Davide Campari - Milano e Gruppo Campari.
Os 25 bitters que Gaspare criou em vida foram “aposentados” quando Davide decidiu dar foco apenas no bitter, que atualmente tem seu espaço, mas briga com versões de vodkas saborizadas, por exemplo, ou categorias inferiores que ganham espaço na economia global instável. Além do Campari original, a receita licorosa com base de conhaque e raspberries brancas foi lançada estrategicamente em 1886 porque o consumidor tinha, da mesma marca, bitter para os drinks de aperitivos e o doce digestivo na sobremesa – essa bebida foi encerrada em 2001 por ser considerada doce demais para os “padrões”.
A marca sobreviveu a duas grandes guerras mundiais. Durante a 1ª Guerra, nos anos 1910, o portfólio foi reduzido, já que a empresa fazia muitos bitters diferentes e não havia recursos para continuar. A marca Campari, efetivamente, foi lançada em 1932; em 1936, o herdeiro mais velho faleceu, mas deixou construída uma estrutura que mantém a marca viva até hoje. Anualmente, Campari lança edições limitadas e especiais, como o Spiritello, muitas delas ilustradas por artistas como Romero Brito, já um parceiro antigo da marca.
Campari se conecta à moda porque, no berço fashion europeu, sempre foi natural usar e abusar dos fotógrafos e tendências de moda, retratados em posters e sketches, ou esboços, da época. Botas comemorativas by Fendi, por exemplo, mostravam muita sofisticação e conexão com a bebida.
Com um approach sempre elegante e sofisticado, Campari se conectou à moda e, ao longo das décadas, acompanhou a criação de coleções e a evolução do mundo fashion. Diversos artistas e designers de moda retrataram Campari em desenhos e peças que podem ser vistas no Museu.
Em marketing, existe o efeito halo (em português, "áurea," como a dos anjos), ou seja, você aproxima a marca de algo e faz com que o status desse objeto se reflita na marca. Como quando uma marca contrata alguém muito famoso para falar do produto. No caso do Negroni, a Campari se esforçou para trazer a aura de cool da arte e moda para a marca e isso foi levado para o Negroni.
Simplicidade e eficiência sempre foram características de Campari, ao mesmo tempo em que a marca sempre se posicionou como ícone. No museu, por exemplo, podem ser encontrados diferentes esboços do estilista italiano Gianfranco Ferré, neste caso com muito preto e branco e detalhes em vermelho, e vestidos que lembram a marca de bebida.
O Museu fica em Sesto San Giovanni (Viale A. Gramsci 161), em Milão. Visitas podem ser agendadas com antecedência pelo email galleria@campari.com. Todas as informações estão aqui e o passeio é imperdível!
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