- Jeyke (Foto: Reprodução/Instagram) Flávia Lima (Foto: Lord Jr) e Caco Aniceto (Foto: Rodolfo Magalhães)

O Hip-Hop no TikTok: expansão da dança ou desvalorização do profissional? [ENTREVISTA]

Para refletir sobre o impacto do TikTok e dance challenges, a Rolling Stone Brasil conversou com três profissionais da dança: Caco Aniceto, Flávia Lima e Jeyke

Camilla Millan I @camillamillan Publicado em 20/03/2021, às 15h00

Quem nunca viu alguém fazendo a famosa “dancinha do TikTok” por aí? Nos últimos tempos, os desafios de dança alcançaram uma visibilidade tremenda nas redes sociais. São poucos segundos de coreografia, uma música popular e boom: sucesso na certa. 

No TikTok, antigo Musical.ly, os dance challenges alcançaram uma grande proporção - afirmação também válida para a ferramente reels, do Instagram. Não é coincidência que diversas músicas estrearam e tiveram popularidade com o apoio da dança nas plataformas: “Toosie Slide” de Drake, e “WAP” de Cardi B com Megan Thee Stallion, são alguns exemplos.

+++ LEIA MAIS: Cardi B rebate críticas sobre fazer sucesso por causa de desafios do TikTok

No entanto, além dos challenges, tem um universo de profissionais, dançarinos e coreógrafos a ser considerado. Na cena da dança, o advento do TikTok e a popularização das coreografias dividiu opiniões.

Diversos profissionais são defensores da plataforma, e avaliam positivamente o uso como possibilidade de democratizar a dança. Contudo, também surgem críticas sobre a desvalorização do profissional e apagamento da história da arte, principalmente o Hip-Hop. 

+++LEIA MAIS: 7 músicas clássicas que viralizaram no TikTok: Michael Jackson, Justin Timberlake e mais [LISTA] 

A popularização dos challenges mostrou que todos são capazes de reproduzir os movimentos, mas ensinar é outra história - e se denominar como profissional da dança, professor ou coreógrafo é ainda mais complexo. Para entender mais sobre o debate, a Rolling Stone Brasil conversou com os profissionais Caco Aniceto, Flávia Lima e Jeyke - e a reflexão necessária também é profunda. 

A dança e as redes sociais: como se relacionam?

Antes de falar especificamente do TikTok, é preciso explicar sobre o uso das plataformas pelos dançarinos, assim como as possibilidades das redes. Seja tratada como prioridade ou ferramenta, os aplicativos têm um importante papel para o artista.

+++LEIA MAIS: Como categorias ‘urbanas’ criam barreiras para músicas e danças negras e perpetuam o racismo

Flávia Lima (Foto: Lord Jr.)

Flávia Lima, coreógrafa e dançarina da Glória Groove, entende os aplicativos como ferramentas importantes para mostrar “uma forma diferente de conteúdo do que costumamos ver nas plataformas”, assim como promover o próprio trabalho.

“As redes sociais são uma porta muito grande para o mercado de trabalho, querendo ou não, elas viraram o portfólio. Há alguns anos, precisávamos levar o currículo nas escolas para dar aula, nos balés. Muitas pessoas ainda enviam, mas o meio mais rápido de conhecer pessoas são as redes sociais,” diz.

+++ LEIA MAIS: Aos 78 anos, Gilberto Gil entra no TikTok para apoiar causa nobre; veja

Além de servir como um currículo, as plataformas podem ser um meio de sustento para diversos artistas, principalmente durante a pandemia de Covid-19. Segundo Jeyke, anteriormente havia diferentes vias para se manter “criativamente e financeiramente”, como dar aula, viajar fazendo workshops, trabalhar com artistas em clipes e shows e participar de comerciais - agora os aplicativos tomaram outro significado: “Hoje é necessário e importante, um cartão de visitas”.

Caco Aniceto também vê as redes sociais com relevância, andando “lado a lado” com a dança e com diversas funções, mas não pode ser a prioridade: “Consigo me conectar com pessoas que não conseguiria se a rede não existisse, é uma vitrine. Fecho trabalho, mostro trabalhos e já ganhei dinheiro só pela minha imagem, pela minha criação de conteúdo. O foco não pode ser ela, mas é uma ferramenta que ajuda.”


O universo por trás do TikTok

Os aplicativos podem ter uma grande importância para o trabalho artístico, mas qual é a diferença para o TikTok? Se há benefícios para os profissionais e os admiradores, qual é o questionamento dos dançarinos? 

Apesar de ser uma grande diversão para perfis realizarem desafios correográficos com amigos e familiares, talvez seja preciso começar com a valorização do profissional: os dance challenges são positivos para os trabalhadores da dança?

+++LEIA MAIS: 4 documentários sobre a cultura do hip-hop para assistir na Netflix

Flávia Lima reflete: “Tornou-se um aplicativo de grande defasagem. Deu espaço para pessoas que talvez não tivessem um lugar de autoridade dentro daquela categoria específica, como dança. As vezes muitos influenciadores tomam o lugar de dançarinos, ou coreógrafos.”

Segundo Lima, devido à defasagem, há uma grande diferença de visibilidade entre amadores e profissionais. Muitas vezes, o conteúdo que viraliza não é “de quem estuda para fazer isso”: “O [TikTok] tem um lado positivo, mas tem esse lado negativo que talvez seja maior.”

Caco Aniceto (Foto: Arquivo pessoal)

Quando o uso da plataforma se encontra com o assunto profissional, Caco Aniceto tem ressalvas. Para o coreógrafo, por um lado, o TikTok “banalizou a profissão” e fez  dançarinos começarem a competir com pessoas que não estudaram para se tornarem profissionais.

“Uma pessoa que juntou 5 passos fáceis para qualquer um conseguir fazer já começa a se chamar de coreógrafa e ter uma autoridade porque ela tem números. E números, hoje em dia, é dinheiro também. Quem estudou 20, 30 anos para fazer aquilo perde a autoridade,” reflete Caco.

+++LEIA MAIS: Qual é a importância do breaking nas Olimpíadas - e o que isso muda para o movimento cultural

Segundo o artista, ao pensar o lado do profissional, a plataforma “mais atrapalha que ajuda: "Antes, quando a pessoa via alguém dançando na rua, falava ‘olha o dançarino’ e agora a pessoa fala TikToker. O artista virou criador de conteúdo, não é mais alguém que faz arte, isso é muito raso. Um passo chamado CitiRokk virou passinho do TikTok. Isso ofusca e apaga um pouco da história. Uma mentira contada muitas vezes vira verdade, e é muito perigoso."

 

Para Jeyke, alguns pontos causaram a desvalorização da técnica e estudo do artista, mas não foi desde o começo. Segundo o profissional, antigamente, o aplicativo era dividido por categorias - cada criador de conteúdo fazia um tipo de vídeo, como dança, comédia ou culinária. No entanto, com a popularidade, isso foi unificado, e o conteúdo de mais engajamento passou a ser necessário para todos: a dança.

“Todos os creators de outras categorias precisavam fazer dança para engajar. Eles tinham milhões de seguidores que gostavam do conteúdo. A bolha deles. Isso desvalorizou muito o profissional, e está passando dos limites. Tem pessoas ensinando passos sem reproduzir direito, tem gente colocando nomenclatura. É uma coisa transmitida totalmente sem fundamento,” explica.


Há salvação para o TikTok?

Apesar de ter diversos problemas, o TikTok não pode ser encarado como algo exclusivamente negativo. Conforme dito anteriormente, a plataforma possibilita a democratização da dança, e pode, inclusive, aumentar o mercado de trabalho dos artistas.

“É uma forma de divulgação,” segundo Flávia Lima. “É um meio de expandir o trabalho, de fazer chegar a mais pessoas, atingir um público que não necessariamente trabalha com dança. É facilitador de algumas coisas, né? E até mesmo gerando alguns tipos de empregos para todas as áreas.”

+++LEIA MAIS: 4 funks brasileiros que estão bombando/ou bombaram no TikTok

Com o TikTok, o trabalho do dançarino não precisa ser impossível para se tornar popular - algo recorrente em tempos anteriores. Para Caco Aniceto, a plataforma tem um lado muito positivo: “Todo mundo dança agora. Antes o vídeo viral impressionava porque as pessoas não conseguiam fazer. Agora o que viraliza é algo que gosto e me imagino fazendo. Sinto vontade de fazer também. É promissor se você olhar para o tanto de cliente chegando.” 

O coreógrafo também cita o mercado musical como potencializador: “O cantor faz uma música pensando em quem vai dançar. Como mercado, precisamos organizar para os números serem convertidos em dinheiro, mas o saldo é positivo. A galera da música está começando a pensar com mais carinho nos profissionais. Quando eu falo carinho, eu falo dinheiro.” 

Jeyke (Foto: Enzo Faé)

Uma importante discussão na cena da dança  envolve as redes sociais e a comercialização, vista por muitos como fazer do trabalho superficial, apenas com o intuito de ter sucesso, números de visualização e curtidas. Para Jeyke, a crítica ao uso das plataformas é necessária, mas precisa ser acompanhada de uma sugestão de mudança: 

"Concordo com a intervenção dos dançarinos, mas minha ideia é que eles olhem para isso como uma oportunidade, e não como problema. O estudo, informação, estrutura e energia colocada pela pessoa naquilo não pode ser transformado em raiva. É preciso se posicionar, explicar o motivo e tentar ver oportunidade."

+++LEIA MAIS: 7 músicas brasileiras que estão bombando no TikTok

Jeyke continua: “De alguma forma, você tem que comercializar, mas consegue fazer do seu jeito, não necessariamente seguir o outro porque deu número. Pode seguir linha de algoritmo, trends… Ela tá aí para você criar o que quiser. É um cartão de visita para as pessoas te conhecerem. Quando você quer ser um profissional da dança você está fazendo para o outro.”


As possibilidades da dança

Os dance challenges não surgiram agora. Há muitos anos, o mercado musical se apoiou nas coreografias para divulgar e potencializar canções - e com o TikTok isso só ficou mais forte.

Não há jeitos certos ou errados de usar o aplicativo, mas as críticas são válidas. Os desafios coreográficos são feitos para os fãs e os músicos conseguem a popularização das canções, mas qual retorno é dado para o profissional da dança? 

"O dançarino é mais que um atleta e é mais que um artista, ele é os dois juntos, mas nenhuma dessas duas coisas ele tem apoio," diz Jeyke. Segundo o artista, as redes sociais podem ser um meio essencial para conseguir o devido retorno: 

"São muitas coisas que o profissional precisaria, mas não existem, e eu sempre tive noção disso. Falei: ‘Vou buscar o meu valor e o valor do dançarino através da minha imagem’, e foi quando comecei a trabalhar com marcas. Fui aprendendo cada vez mais como trabalhar com a internet. Com o tempo ,Jeyke virou a minha marca, agora é a minha empresa," explica.

+++LEIA MAIS: O futuro do jornalismo musical está... no TikTok

Coreógrafa da Gloria Groove, Flávia Lima também entende a importância do challenge para a divulgação do artista - e acredita não haver uma utilização ideal das plataformas: "Pra cada profissional da dança, é o uso que eles acreditam ser melhor. É uma grande expansão de artistas e cada um utiliza da forma que acredita. Obviamente, respeitando o próximo, a história, a vivência, o estudo e a cultura. Para mim, o melhor uso é através de respeito".

Para Caco Aniceto, é totalmente possível fazer um conteúdo incrível em poucos segundos: "Tem coisas 'fáceis' incríveis de ver. Tem muita gente que produz conteúdo de qualidade em 30 segundos," explica.

 

O artista também entende que as respostas para esses debates não serão dadas agora: "Para saber o resultado final dessa situação toda, ainda vai demorar: só vamos entender o que foi esse movimento TikTok quando ele acabar ou quando a gente mudar para o próximo. Quando a dança começou a explorar o YouTube a gente também não sabia direito. Só saberemos o saldo quando isso passar".

+++ SIGA NOSSO SPOTIFY - conheça as melhores seleções musicais e novidades mais quentes

+++ HUNGRIA HIP HOP | MELHORES DE TODOS OS TEMPOS EM 1 MINUTO | ROLLING STONE BRASIL

entretenimento música notícia tiktok dança debate dance challenges dançarino desvalorização democratização coreógrafo

Leia também

Morre Andy Paley, compositor da trilha sonora de Bob Esponja, aos 72 anos


Viola Davis receberá o prêmio Cecil B. DeMille do Globo de Ouro


Jeff Goldblum toca música de Wicked no piano em estação de trem de Londres


Jaqueta de couro usada por Olivia Newton-John em Grease será leiloada


Anne Hathaway estrelará adaptação cinematográfica de Verity de Colleen Hoover


Selena Gomez fala sobre esconder sua identidade antes das audições