Humberto Teixeira, coautor de "Asa Branca" com Luiz Gonzaga, é mote do documentário O Homem Que Engarrafava Nuvens
Por Anna Virginia Balloussier Publicado em 15/01/2010, às 12h07
A história está cheia deles: homens que viram involuntários sidekicks da história, lembrados (quando lembrados) como meros trampolins para que o dono do Talento Que Importa reine sozinho no imaginário popular. Friedrich Engels, por exemplo, tem a popularidade de um quatro-olhos do clube de xadrez perto do capitão do Comunismo F. C., Karl Marx. Assim como o destino colocou Andrew Ridgeley no primeiro ônibus rumo ao anonimato, enquanto George Michael, a outra metade do Wham!, pegou carona na limusine do sucesso. Humberto Teixeira, tema do documentário O Homem que Engarrafava Nuvens, é um desses homens.
As composições desse cearense de Iguatu, morto há 31 anos, são daquelas que todo mundo sabe de cor - e atribui a outra pessoa. Mais precisamente, ao parceiro musical Luiz Gonzaga, com quem Teixeira compôs versos que você talvez já tenha escutado por aí: "Asa Branca" ("quando olhei a terra ardendo/ qual fogueira de são joão") e "Baião" ("eu vou mostrar pra vocês/ como se dança o baião").
Se a música brasileira fosse um grande tabuleiro de War, o baião seria potência que não faria feio frente a gigantes como a bossa nova e o samba. A dobradinha Teixeira-Gonzaga, nesse sentido, foi tão fundamental quanto as tardes regadas a uísque e inspiração de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, ou a relação de Cartola com o Morro da Mangueira. Mais do que tratar da vida de seu cinebiografado, Teixeira, O Homem que Engarrafava Nuvens quer o céu de São João como limite: busca mapear o estilo (musical e de vida) do baião, esse que deu a Gonzaga a coroa e reservou para Teixeira o título de "Doutor".
Ao longo de 100 minutos, como um cangaceiro em zona de perigo, o filme atira para todos os lados. É uma radiografia da diáspora do baião. Mas também funciona como uma enciclopédia audiovisual de chavões sobre o Nordeste (por lá, ensina Belchior, é assim: "ou se sobe para São Pedro ou se desce para São Paulo"). Encaixa uma ou outra pincelada sobre Teixeira, o deputado federal do Nordeste, o galanteador de Copacabana, o cabra macho do pedaço. Ao mesmo tempo, quer acompanhar a jornada da filha (a produtora e atriz Denise Dummont, há mais de duas décadas nos EUA) pelo pai que só baixou a guarda no último dia de vida - e, por tabela, da mãe que abandonou a família e, vários anos depois, fala às câmeras sobre por que tomou a decisão, numa cena particularmente forte do filme (ela morreu seis meses após a finalização da obra).
Cabe ao diretor Lírio Ferreira (Árido Movie, Cartola), inserido no projeto no meio do caminho, a tarefa de juntar esses pedacinhos para construir o filme mais coeso possível. Acaba se saindo com um arremedo entre cultura popular ("vamos mostrar para a plateia como se dança o baião") e tese antropológica (o Nordeste como hoje o conhecemos é antes de tudo uma construção dos anos 60 e 70, quando a música regional foi resgatada pelos imigrantes tropicalistas).
O que Ferreira faz é costurar imagens de arquivos (como uma mesa com Teixeira, Gonzaga, chopes e charutos), depoimento de artistas (Caetano Veloso, Gilberto Gil, Bebel Gilberto e Lirinha, entre outros) e interpretações curiosas, com direito a David Byrne e as "bonfires of São João", uma japonesa que canta "Paraíba Masculina" em sua língua natal e Mauro Refosco em fase pré-"olha lá aquele brasileiro que toca com o Thom Yorke", apresentando sua banda Forró in the Dark.
O documentário, apesar do potencial que o tema apresenta para tanto, não chega a provocar espasmos de emoção (aquele estado em que, de repente, até o mais urbanista dos espectadores trocaria o ar-condicionado da sala de cinema por uma noite com os compadres em volta da fogueira). O Milagre de Santa Luzia, sobre a dominação da sanfona no Brasil, pesa mais a mão nessa linha emotiva.
Sobre Humberto Teixeira, o homem, ficamos sabendo o suficiente para: 1) reconhecer a dupla paternidade do baião, ainda que o Rei Gonzaga seja mais pop que o Doutor Teixeira; 2) descobrir um pouco mais sobre o homem que não pôde aprender piano quando criança porque o pai achava que era instrumento de mulher, e que mais tarde rejeitaria a carreira de atriz da filha, por não ser digna de uma moça de família; 3) o pai que, da janela de seu apartamento, brincava com a pequena Denise de engarrafar nuvens com as mãos.
Por Humberto Teixeira, o artista, o que o documentário faz é justamente desengarrafar as nuvens que sombrearam por tantas décadas a trajetória do homem que, ao lado de Luiz Gonzaga, o Elvis do sertão, pôs o Nordeste no mapa da música brasileira.
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