Todos os integrantes desenvolveram distúrbios mentais ao longo dos anos como banda por conta da pressão e da rotina exaustiva
Isabela Guiduci Publicado em 23/07/2020, às 07h00
No dia 23 de julho de 2010, Harry Styles, Louis Tomlinson, Liam Payne, Niall Horan e Zayn Malik, após ‘falharem’ como artistas solos e serem eliminados do programa The X-Factor UK, receberam uma ‘luz’ do jurado Simon Cowell, que os juntou em uma banda para os cinco continuarem na competição - e logo, formaram o One Direction.
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Há muito tempo na indústria musical e dono da Syco Entertainment, Cowell viu potencial em transformar os cantores em uma boyband. O sonho, naquele momento, parecia perfeito para os jovens artistas. Essa decisão do jurado, porém, trouxe consequências para os integrantes ao longo dos anos como banda. Na época da competição e formação do grupo, Harry, Liam e Niall tinham apenas 16 anos, Zayn, 17 e Louis, 18.
Embora não tenham ganhado o programa, mas sim terminado na terceira posição, o One Direction já tinha um nome gigantesco na Inglaterra, situação inédita pela participação no X-Factor. Prova disso eram os fãs, que lotavam a saída dos estúdios e se mostravam extremamente dispostos a potencializar o sucesso dos integrantes.
Assim aconteceu. Em um ano, a One Direction tinha contrato com gravadora, números impressionantes, primeiro lugar na Billboard com o hit "What Makes You Beautiful", e o videoclipe da música em programas de televisão de todo o mundo. Além disso, eram uma das bandas mais comentadas - seja por críticas, ou por fãs. O sucesso do grupo foi, diversas vezes, comparado com a febre dos Beatles.
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Inicialmente, parecia legal estar com outros garotos da mesma idade, ter uma banda ‘descolada’, e ser conhecido mundialmente aos 16, 17 ou 18 anos. No entanto, o contrato deles com a gravadora era absurdamente desgastante - e gerou consequências para todos os integrantes.
Ao acompanhar e analisar a rotina exaustiva dos cinco jovens, é possível notar o quão prejudicial a banda tinha se tornado - situação agravada pela pressão e exposição constante da vida pessoal.
No dia 25 de março de 2015, uma semana após Zayn chegar às manchetes por abandonar a turnê devido ao "estresse", uma publicação surpreendeu o público - o músico estava deixando o One Direction. O grupo garantiu que continuaria os trabalhos normalmente com os outros integrantes Harry, Liam, Louis e Niall.
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Em novembro de 2015, três meses após anunciar um hiato para 2016, lançaram o disco Made in The A.M., já sem a participação de Zayn.
O One Direction precisava entregar um disco por ano para a gravadora. Embora a maioria das músicas não tenha sido composta por eles - por ser uma caracaterística da indústria pop -, os cinco precisavam cumprir o papel deles com o vocal, o que tornava o processo muito desgastante.
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Os cinco álbuns da carreira foram lançados sequencialmente em cinco anos até o anúncio do hiato. Começaram com Up All Night em novembro de 2011 e todos os discos seguintes vieram no mesmo mês, portanto, Take Me Home (2012), Midnight Memories (2013), Four (2014) e Made in the A.M. (2015).
Cada novo projeto significava uma turnê mundial para a divulgação do álbum, tudo somado aos diversos clipes, entrevistas, vídeos exclusivos, filmes, e uma agenda repleta de compromissos.
Além disso, os artistas estavam sob os holofotes de uma exposição mundial e precisavam cumprir metas ilógicas. Com o lançamento de This Is Us em 2013, o primeiro filme sobre a banda, os fãs notaram como o processo era exaustivo para os integrantes.
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Ao longo da produção, há cenas deles exaustos. É possível notar o esgotamento deles nas filmagens deles dormindo no chão dos aeroportos, ou quando comentam sobre o pouco contato com a família devido à quantidade de viagens, e das noites mal dormidas para gravar disco, além dos shows elétricos nas turnês. Tudo isso potencializado pela exposição mundial e a pressão da gravadora, da mídia, da crítica e até mesmo dos próprios fãs. Como a saúde mental dos cinco lidou com essa rotina?
De acordo com entrevistas dadas ao longo dos anos pós-One Direction, Harry, Liam, Louis, Niall e Zayn revelaram que desenvolveram questões sérias de ansiedade, até mesmo depressão, transtornos alimentares e outros.
Ao falar dos anos na banda, Harry Styles contou sobre as crises de ansiedade em uma entrevista à Rolling Stone Estados Unidos em 2016, logo após o hiato: "Estava constantemente com medo de cantar uma nota errada. Senti muito peso por não entender como funcionavam as coisas. Lembro-me de quando assinei meu contrato com a gravadora e perguntei ao meu empresário: 'O que acontece se eu for preso? Isso significa que o contrato é nulo e sem efeito?'"
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Na mesma entrevista, completou sobre a liberdade de criação na carreira solo: "Agora, sinto que os fãs me deram um ambiente para ser eu mesmo, crescer e criar esse espaço seguro para aprender e cometer erros".
Para Liam Payne, a situação foi mais complicada. Em novembro de 2019, em uma aparição no programa Straight Talking with Ant Middleton, o cantor revelou que lutou contra pensamentos suicidas e trata a depressão e ansiedade: "A fama é como ter uma estranha crise de meia-idade. Tenho sorte de estar aqui ainda."
O músico contou que não se sente confortável sobre o assunto: "Não posso me aprofundar muito, não fiz as pazes com isso. [...] Há momentos em que além desse nível de solidão, as pessoas entram em você todos os dias de vez em quando... Isso quase me matou algumas vezes."
Para Louis, a falta de privacidade era o mais difícil. Em entrevista ao The Guardian, falou sobre a vez que um fotógrafo invadiu um hotel na Austrália para ter fotos dele: "Acredito que estava nu, ou apenas de cueca, e mesmo no meu quarto de hotel não havia como escapar. Pude sentir a pressão. [...] Às vezes, isso me estressava, mas nunca me permitiam reclamar, ser humano e dizer: 'Hoje isso é demais para mim.' Achei isso difícil no começo."
Niall Horan revelou, ao Zeit Leo, que sofre de ansiedade e distúrbios mentais. Em 2017, o cantor falou sobre ter sido diagnosticado com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): "Tenho transtorno obsessivo-compulsivo leve, é o que os médicos chamam. Ou seja, sinto que tenho que fazer as coisas de uma certa maneira."
De acordo com o músico, ele tinha essa condição desde a infância, mas o TOC afetou diretamente as performances ao vivo dele: "Tenho uma sequência fixa. Sempre tenho que cantar na mesma ordem, me mover e assim por diante. Farei tudo imediatamente, caso contrário ficarei nervoso rapidamente". O distúrbio mental foi acentuado com a quantidade excessiva de shows por conta da ansiedade e da necessidade de seguir um padrão em apresentações.
Zayn sofreu bastante com os ataques de ansiedade, depressão e nível de estresse, sendo oficialmente o único a deixar o grupo em 2015, ao alegar que gostaria de “ser um garoto normal de 22 anos”. Embora o cantor continue com a carreira profissional dele, realmente não voltou a fazer turnês, e até hoje se isola o máximo que consegue das redes sociais, imprensa e holofotes.
Na autobiografia, o músico falou sobre as questões mentais e distúrbios alimentares. Além disso, contou que se sentia sufocado com tamanha pressão no One Direction: "Agora não tenho problemas com ansiedade. Era algo que eu estava lidando com a banda."
"E eles não pareciam esperar isso [ansiedade] de um cara, mas esperavam de uma mulher, e para mim, isso é loucura. Somos todos humanos. As pessoas geralmente têm medo de admitir dificuldades", contou.
Sobre os distúrbios alimentares, o cantor falou que se privava de comer como uma maneira de manter o controle da vida dele: "Todas as áreas da minha vida eram tão regidas e controladas. Era a única área em que eu podia dizer 'não, não estou comendo isso'."
A extrema exposição ao público e à mídia, a rotina exaustiva e o estilo de vida deles certamente não era saudável, consequencialmente, a ansiedade foi potencializada, além dos distúrbios mentais e alimentares desenvolvidos por alguns deles.
No período inicial da banda, os integrantes ainda estavam na fase final da adolescência, e é nela que o processo de aceitação social mais se acentua, como explica a psicóloga clínica Beatriz Tama Araki Barbosa.
Ela esclarece: "Nessa fase, o sujeito fica focado em construir sua identidade, se distanciando dos referenciais infantis, da família e dos pais, buscando um novo, muitas vezes encontrado nos grupos de amigos e colegas da mesma idade, e na mídia. Para construir esse autoconceito, o indivíduo vai incorporando as percepções que os outros têm dele, além de se apropriar dos valores ditados como corretos pelo ambiente ao seu redor."
Alessandra Ribeiro, psicóloga e especialista em TCC (Terapia Cognitivo Comportamental), completa sobre a fase da adolescência: "É um período de transição, mudanças e significados, do desenvolvimento físico ao cognitivo, e de muitas descobertas: competências sociais, autoestima e intimidade. Até o início da vida adulta, as estruturas cerebrais sofrem alterações no que diz respeito a emoções, autocontrole e comportamentos, ou seja, o cérebro do adolescente ainda está em construção!"
É inegável a tamanha exposição que os artistas, ainda adolescentes, tiveram. Todos estavam em busca da própria identidade, e foram expostos à pressão da fama e dos holofotes com menos de 18 anos.
Beatriz comenta: "Imagina um adolescente no meio desse processo de compreensão de si mesmo e de busca por aceitação - que é um período conturbado por si só - em um contexto no qual está sendo visto e avaliado o tempo todo, recebendo todo tipo de feedback (críticas, elogios) do mundo inteiro, pela internet, televisão etc."
"Outro fator agravante é que, muitas vezes, por causa da agenda corrida, esses adolescentes têm menos contato com sua rede de apoio (família, amigos), que é um dos principais fatores protetivo contra o adoecimento mental", conclui.
No filme da banda, This Is Us, por exemplo, todos estão constantemente distantes da família, falam sobre a falta que sentem deles e repetem várias vezes sobre a quantidade de viagens, de shows, e de pessoas ao redor deles.
"Ao pensarmos na fama e exposição exagerada, a pressão e cobrança do mundo exterior e do próprio adolescente (para corresponder às expectativas) acabam sendo uma carga muito pesada para se carregar, mesmo que esse jovem disponha de algum suporte. Este ainda não possui estrutura emocional suficiente para lidar e processar tudo isso sozinho. Não é apenas uma questão de comportamento, mas neurológica", explica Alessandra.
De acordo com a psicóloga, a ansiedade não é por si só um problema, porque é natural e faz parte do processo de evolução e sobreviência dos seres humanos. No entanto, ela pode se tornar patológica em casos extremos, como o dos integrantes do One Direction, constantemente preocupados com a pressão imposta de diversos aspectos da vida deles.
"O indivíduo fica constantemente preocupado com o futuro, com situações que fogem de seu controle e muitas vezes são difusas (as chamadas “preocupações inúteis”) e catastróficas (acreditam que algo terrível vai acontecer, mesmo que as probabilidades sejam ínfimas)", diz.
Além disso, Alessandra acrescenta: "A ansiedade por si só é potencializadora de outras comorbidades como TAG, TOC, depressão e distúrbios alimentares. O adolescente, em meio à uma fase de transição, tendo que lidar com o peso da fama (falta de privacidade, exposição exagerada, cobrança do mundo) e toda a cobrança que isso inclui, está vulnerável, com muito mais probabilidade de que a sua ansiedade inicial e saudável, se transforme em um transtorno de fato caso não seja tratado."
Devido à essa ansiedade desprorporcional, Beatriz explica que o indíviduo passa a buscar alternativas para superar essa sensação. Em princípio, aquilo faz sentido para pessoa, mas na verdade, só vai acentuar a gravidade da situação.
"Cada vez mais as distorções cognitivas da pessoa são acentuadas, reforçando crenças erradas sobre si mesmo, como a de não ser capaz de resolver problemas, ser vulnerável, incompetente, e assim por diante. Essas crenças irreais irão causar mais interpretações distorcidas da realidade, o que pode tornar o sujeito vulnerável ao aparecimento de outros transtornos mentais", afirma.
Desse modo, e a partir das explicações de Beatriz e Alessandra, é possível entender e dimensionar a gravidade da situação vivida pelos integrantes, ainda adolescentes, quando iniciaram a carreira musical.
O processo de construção da identidade já é complicado, como contam Beatriz e Alessandra, e ainda ser constantemente exposto às críticas - seja da mídia, fãs, público, e outros -, além da pressão imposta pela própria gravadora, sendo um adolescente, não tinha como ser um estilo de vida saudável para as questões mentais.
"Se o adolescente já está psicologicamente vulnerável à avaliação alheia, os holofotes sobre ele , em um nível global ainda por cima, potencializa esse esquema de contingências a níveis bem expressivos.", conta Beatriz.
Ela também questiona: "Lembra que o adolescente constrói sua identidade, inclusive corporal, por meio do que as pessoas e o ambiente com quem se identifica dizem para ele? Imagina isso em um contexto de alta exposição midiática, sexualização e pressão estética, no qual o seu valor está atrelado não só ao sucesso de sua carreira e às suas habilidades artísticas, mas talvez principalmente à sua aparência?"
Embora todos tenham vivido distúrbios mentais ao longo da carreira no One Direction, eles entendem a importância da boyband para o crescimento deles como músicos. Além disso, reconhecem como o grupo é significativo na vida dos fãs, por isso, se mostram gratos pelo apoio neste período pós-banda.
De acordo com entrevistas recentes, Harry Styles, Liam Payne, Louis Tomlinson, Niall Horan e Zayn Malik estão se cuidando, atentos às questões de ansiedade, depressão e distúrbios mentais. Ainda, quando podem e conseguem, principalmente durante a pandemia de coronavírus, têm se afastado das redes sociais e holofotes. Todos estão em ativa com a carreira solo.
"O ideal é manter uma vida pessoal em paralelo a profissional/fama que mantenha a rede de apoio (amigos e família), atividades prazerosas e estudos. Além do autocuidado e do cuidado com as emoções, saúde física e mental", conclui Alessandra.
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