Os triunfos e as polêmicas da carreira do Rei do Pop
Paulo Cavalcanti Publicado em 29/08/2018, às 07h44 - Atualizado às 08h12
Em 2002, uma série de fatores já estavam trabalhando contra a carreira de Michael Jackson. O rumoroso processo que ele sofreu em 1993, acusado de abusar sexualmente do garoto Jordy Chandler, ainda surtia efeito na imprensa e junto ao grande público. Graves questões financeiras e decisões artísticas errôneas também prejudicaram a trajetória dele. Havia muito tempo que ele era chamado pelo apelido “Wacko Jacko” (o Jacko Malucão). Foi então que o astro e seus assessores tiveram a ideia de convocar o jornalista britânico Martin Bashir, que havia “humanizado” a Princesa Diana em uma notória entrevista realizada em 1995. Diana abriu o coração e angariou a simpatia do mundo e Jackson achou que poderia obter o mesmo efeito em um especial de televisão idealizado por sua equipe. Ele pensou que as pessoas o enxergariam como um “cara normal”, e não alguém que se envolvia em uma nova bizarrice a cada poucos meses.
Bashir foi ao Rancho Neverland, a suntuosa e curiosa mistura de mansão, zoológico e parque temático que era o refúgio supremo do cantor. O jornalista quis saber como era a relação dele com o personagem Peter Pan, que habitava a Terra do Nunca, inspiração para a construção da Neverland. Jackson respondeu a Bashir: “Eu sou Peter Pan”, assumindo que, dentro de seu âmago, ele nunca iria crescer. Em outro momento do especial, quando o cantor adquiria uma espécie de sarcófago, Bashir perguntou a ele com um tom sarcástico: “Isso aí é para quando você morrer?”. Jackson não se abala e responde a seu interlocutor: “Eu nunca vou morrer!”
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As consequências da entrevista com Bashir foram desastrosas. Depois que Living with Michael Jackson finalmente foi ao ar, em 2003, ele foi acusado e julgado novamente por abuso sexual, com base no que foi exibido no programa de televisão. Jackson alegou que não havia nenhum problema em dormir com crianças e demonstrava um afeto controverso pelo garoto Gavin Arvizo, que sofria de câncer e aparecia com ele no vídeo. O astro foi absolvido, mas o dano foi enorme e a vida dele ficou ainda mais despedaçada.
Michael Jackson, nascido no dia 29 de agosto de 1958, em Gary, Indiana, completaria 60 anos nesta quarta, 29. No especial com Bashir, ele falava que nunca morreria. Enquanto artista, pode ser, mas enquanto ser vivo, claro, ele cumpriu o ritual natural a todos os humanos e acabou encarando a morte aos 50 anos de idade, mais especificamente no dia 25 de junho de 2009, vitimado por um ataque cardíaco causado por uma overdose do poderoso analgésico Propofol. A morte dele, anunciada no site TMZ, mexeu com a memória afetiva de gente do mundo todo (e trouxe à tona novamente a história incômoda do artista, que teve todo o talento e fortuna do mundo, mas perdeu tudo).
A opinião pública ainda se divide sobre o legado de Michel Jackson. Ele foi um artista brilhante e revolucionário, mas também é visto como uma figura estranha, que teria cometido atos abomináveis a partir do momento que se tornou uma das figuras mais poderosa do planeta. É possível fazer inúmeros recortes acerca de Michael Jackson, mas nesta data é válido lembrar e celebrar a música que ele deixou e que ainda influencia e inspira a música pop.
Mesmo com enorme concorrência à época, o Rei do Pop dominou a décadas de 1970 e 1980. À frente do Jackson Five, o pequeno e dinâmico Michael foi a voz principal de efervescentes singles de sucesso como “I Want You Back”, “ABC”, “The Love You Save” e muitos outros. A gravadora Motown sempre liderou a vanguarda do nicho da música dançante e, naquele momento, o Jackson Five fazia isso com um ímpeto juvenil contagiante. A banda também se saía bem em baladas, a exemplo de “I’ll be There” e “Never Can say Goodbye”. Assim, o pacote de sucesso se mostrava completo.
O potencial comercial dos irmãos Jackson era enorme e Berry Gordy Jr., dono da Motown, percebeu que poderia também lucrar com Michael em carreira solo. O artista gravou com êxito baladas como “Ben”, “Music and Me” e “Got to Be There”, canções que mostravam um lado dele mais sensível e vulnerável. A carreira do Jackson Five ia de vento em popa, mas depois da balançada “Dancing Machine” (1974), o momento dos rapazes esfriou. Os irmãos Jackson se desentenderam com a Motown e, ressentidos, deixaram a empresa. Parecia que o destino do clã era terminar no circuito de cabarés, ou então fazer figuração em programas cafonas de televisão. Mas assinaram com a Epic (agora como The Jacksons) e ganharam fôlego. Michael, por sua vez, viu que finalmente chegava a hora de dar o pulo do gato.
Em agosto de 1979, ele veio com Off The Wall, o melhor, mais luminoso e consistente álbum de toda a carreira dele. Para criar esta obra-prima, Jackson se juntou ao célebre produtor Quincy Jones e ao compositor inglês Rod Temperton. O som charmoso e sofisticado do trabalho era justamente o que o público esperava na era pós-disco.Off The Wall trouxe algumas das maiores criações de cantor, como "Don't Stop 'Til You Get Enough" e “Rock With You”. Entretenimento de primeira, este ainda é um marco difícil de ser batido.
Thriller, também produzido por Quincy Jones, chegou às lojas em novembro de 1982, juntando em um caldeirão tudo o que Jackson havia feito musicalmente antes disso. Não tinha a graça estilística de Off The Wall, mas era mais eficiente, mais adequado à explosão pop colorida dos anos 1980. Assim como havia acontecido com Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, Thriller foi um daqueles raros momentos em que um LP também se tornava parte integrante da história da humanidade. Quem viveu a época se lembra da primeira vez que viu os vídeos dos hits “Billie Jean”, “Thriller” e “Beat It” e ficou de queixo caído. Em maio de 1983, no especial Motown 25: Yesterday, Today, Forever, Michael Jackson cantou “Billie Jean” e, nesta performance inesquecível, mostrou ao mundo o moonwalk. Nascia a mítica do Rei do Pop. A partir de então, ele fez história, criou uma indústria e mudou a cultura pop. Por muito tempo, Thriller foi o álbum mais vendido de todos os tempos – recentemente, perdeu o posto para Greatest Hits, do Eagles.
Jackson se tornou um ídolo reverenciado, rivalizando com o culto que existia nos tempos áureos de Frank Sinatra, Elvis Presley e dos Beatles. Em um tempo anterior às redes sociais, Jackson e equipe se empenharam em criar factoides para que o nome dele nunca sumisse dos noticiários. Ele aparecia em eventos ao lado do chimpanzé de estimação, Bubbles. As revistas noticiavam que ele teria a intenção de comprar os ossos do Homem Elefante e que estaria construindo um aparelho que permitiria que ele “vivesse para sempre”. Quase nada disso era verdade embora, realmente, Michael estivesse se tornando cada vez mais bizarro, excêntrico e distante. Enquanto isto, ele rodava o mundo fazendo turnês cada vez mais milionárias, elaboradas e megalomaníacas.
Depois de Thriller, qualquer coisa se mostraria anticlimática. Bad (1987), o álbum seguinte, vendeu milhões, mas menos do que o disco antecessor. A crítica também não foi tão generosa, mas houve muita má vontade por parte dos escribas. O LP era um excelente, com faixas de respeito, como a canção-título e o magistral groove noir “Smooth Criminal”. Mas naquele momento já havia um movimento contra os excessos do cantor, com as pessoas aos poucos enjoando das excentricidades de Michael Jackson. Em “Leave me Alone”, gravada para Bad, o cantor pedia que os tabloides ”o deixassem paz”, mas o fato é que boa parte desta situação foi criada por ele próprio.
No ano seguinte ao lançamento de Bad, Jackson gastou uma fortuna no gigantesco Rancho Neverland. Boa parte da mitologia do Michael Jackson “esquisito” surgiu a partir deste acontecimento. Neverland era o refúgio do cantor, o local onde, segundo ele, “nunca iria crescer”. Enquanto se escondia na propriedade, torrava dinheiro e cometia excentricidades, o mundo pop mudava de maneira dramática e mostrava que Jackson, em breve, não seria mais tão essencial.
Em 1991, o artista lançou Dangerous, mais um trabalho refinado juntando soul, funk e pop rock. Este álbum também foi um grande êxito, vendendo milhões de cópias, embora, é claro, não tenha chegado perto de Thriller. O clipe de “Black and White” rapidamente se tornou uma sensação, apresentando uma nova técnica, chamada morphing, que seria muito usada e imitada. E a canção, uma ode à igualdade racial, sem dúvida, é até hoje uma das mais memoráveis criações de Jackson. Dangerous chegou facilmente ao primeiro lugar das paradas, mas logo o posto foi ocupado por Nevermind, do Nirvana. A música pop agora tinha novos heróis, alquebrados e torturados.
A esta altura, Michael Jackson era mais conhecido por seu status de celebridade do que por ser um artista de primeira grandeza que havia instituído novas regras para o mundo pop. A imprensa comentava apenas as operações plásticas que fazia e como a pele se tornava cada vez mais clara. Havia rumores sinistros sobre a amizade dele com garotos menores de idade. Em 1993, explodiu o caso Jordy Chandler e a reputação dele foi manchada de maneira irreversível. MJ se safou desembolsando uma quantia milionária, mas o dano estava feito. E a música agora parecia ficar em segundo plano.
Em 1995, ele lançou o CD duplo History: Past, Present and Future, Book 1. Metade do disco era constituído de canções inéditas. O resto tinha os principais hits de Off The Wall, Thriller e Bad. Entre as canções inéditas estavam preciosidades como "They Don't Care About Us" (cujo vídeo foi gravado no Brasil), a delicada “Stranger in Moscow” e “Scream” (dueto com a irmã, Janet). Mas em faixas como “DS” (ataque velado ao promotor de justiça Tom Sneddon, que comandou o caso de 1993 e perseguiu Jackson judicialmente pelo resto de sua vida) e “Tabloid Junkie”, ele se mostrava cada vez mais paranoico, ressentido e fora da realidade.
Depois do disco de remixes Blood on The Dance Floor (de 1997, que foi recebido de forma tépida pela crítica e pelo público), Jackson só veio com canções inéditas em 2001, no álbum Invencible. É preciso dizer que o trabalho até que vendeu bem, confirmando que o cantor ainda tinha muitos fãs. Só que o disco saiu um mês depois dos ataques terroristas de 11 de novembro e os Estados Unidos estavam preocupados com coisas mais urgentes. No título, Michael se dizia invencível, mas aquilo mais parecia uma piada sem graça. Jackson lançou seu derradeiro disco em um tempo em que ninguém parecia estar a salvo, quanto mais invencível. Invencible só mostrava que o timing de Jackson era o pior possível.
Dali em diante, Michael Jackson – o homem, o artista – foi rapidamente jogado ladeira abaixo. O carisma e o talento estavam lá, mas nada parecia dar certo. Longe dos palcos, cansado, sem credibilidade, envolvido em escândalos, afundado em dividas milionárias e com as feições desfiguradas devido ao excesso de intervenções cirúrgicas, Jackson abandonou Neverland, o que para ele foi a humilhação suprema. Ao deixar para trás seu trono, ele não tinha mais lar. Chegou até a viver de caridade, sob a proteção de magnatas árabes de reputação duvidosa. Em 2009, o ano de sua morte, quando tentou o famoso e improvável retorno na O2 Arena, na Inglaterra, ele já não passava de uma vela queimada dos dois lados.
Jackson se foi, mas a sombra dele ainda é poderosa o suficiente para afetar de forma positiva o pop contemporâneo. Qualquer cantor que se mexa com desenvoltura no palco e tenha uma clara influência de soul e R&B radiofônico é um filhote de Michael Jackson. Nomes como Justin Timberlake e Bruno Mars são herdeiros óbvios. Ambos são muito talentosos, mas se comparados ao molde são pálidas cópias. Assim, nesta data em que o cantor completaria 60 anos, vamos repetir: “Viva o Rei do Pop”, ainda que tenhamos que enxergar Michael Jackson sob todos os prismas, e também colocar sob perspectiva as falhas e imperfeições. Ao olharmos a fundo as contradições dele, damos uma dimensão humana ao artista. Desta forma, temos condições de avaliar com mais propriedade o notável legado artístico que deixou.
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