Uma ideia para um filme de O Senhor dos Anéis, a gênese do Álbum Branco e outros fatos sobre a estada histórica da banda em Rishikesh
Rolling Stone EUA Publicado em 16/02/2018, às 18h17 - Atualizado às 19h41
Em 1968, apesar, ou talvez por causa, de sua imensa popularidade e sucesso, os membros dos Beatles se viram espiritualmente exaustos. “Éramos os Beatles, o que era maravilhoso”, Paul McCartney lembrou mais tarde no livro The Beatles Anthology. “Tentamos não deixar isso subir à cabeça e estávamos indo muito bem – não estávamos ficando muito malucos ou egocêntricos –, mas acho que, no geral, havia uma sensação de: ‘É, bom, é ótimo ser famoso, é ótimo ser rico – mas qual o sentido disso tudo?’”
O grupo tentou encontrar a resposta por meio de Maharishi Mahesh Yogi, líder do movimento de Meditação Transcendental. Sua associação com o guru resultou em uma visita ao retiro de Maharishi em Rishikesh, na Índia, em fevereiro de 1968, o que se tornou um grande evento na mídia. Os Beatles não apenas tinham ido à Índia para um novo despertar espiritual através da meditação, mas a viagem também provou ser um de seus períodos mais criativos – diz-se que compuseram 48 músicas e a maioria delas foi parar no Álbum Branco, lançado naquele mesmo ano. No entanto, a estada da banda no retiro, planejada para três meses, foi interrompida, após alegações contra Maharishi de má conduta sexual. “Cometemos um erro lá”, Lennon afirmou mais tarde, como citado em The Beatles Anthology. “Acreditamos em meditação, mas não em Maharishi e na cena dele... pensávamos que ele fosse diferente do que era.”
Apesar de acabar amargamente, a visita dos Beatles teve um tremendo impacto e não apenas no Álbum Branco. “A relação entre a banda e Maharishi gerou um interesse enorme do Ocidente por roupas indianas, meditação, ioga e em tocar cítara”, Paul Oliver escreveu em seu livro Hinduism and the 1960s. “Embora os Beatles aparentemente tivessem saído de Rishikesh com diversos graus de sentimentos negativos por Maharishi, posteriormente eles tenderam a ter sentimentos mais brandos por ele e a falar publicamente sobre o efeito positivo que teve em suas vidas.”
Fevereiro de 2018 marca o 50º aniversário dessa viagem histórica para a Índia, que está sendo comemorada com uma exposição no museu Beatles Story na cidade natal dos Fab Four, Liverpool, e em 13 de fevereiro foi lançado The Beatles in India, um novo livro do fotógrafo Paul Saltzman, que esteve no retiro com os Beatles. Para homenagear este marco, veja 16 coisas que talvez você não saiba sobre a viagem – de como era a vida no retiro às histórias por trás das músicas que a banda compôs na Índia e o que levou ao seu afastamento do Maharishi.
Começou com um anúncio no jornal sobre aulas de meditação
Em fevereiro de 1967, em busca de espiritualidade em sua vida, a esposa de George Harrison, Pattie Boyd, viu um anúncio sobre aulas de Meditação Transcendental em um jornal. Ela imediatamente se inscreveu para fazer parte do Movimento de Regeneração Espiritual. Mais tarde, contou ao marido o que fez e ele também se interessou. Em agosto do mesmo ano, os Harrison, junto com os outros membros dos Beatles, foram a uma palestra que Maharishi estava dando em Londres. “Maharishi foi tão impressionante quanto achei que seria e ficamos enfeitiçados”, Boyd relembrou em sua autobiografia de 2007 Wonderful Tonight. Este mesmo grupo, acompanhado por Mick Jagger e Marianne Faithfull, participou, mais tarde, de uma conferência de 10 dias do Movimento de Regeneração Espiritual realizado em Bangor, Gales. Durante a conferência, os Beatles anunciaram que estavam largando as drogas. “Foi uma experiência pela qual passamos”, disse McCartney, como citado no livro de Philip Norman sobre os Beatles Shout! “Agora, acabou e não precisamos mais disso”. Sua estada na conferência, no entanto, foi interrompida pela notícia da morte repentina de Brian Epstein, empresário da banda. Foi então que Maharishi convidou os Beatles para ficar em seu retiro em Rishikesh, onde dava um curso para quem quisesse se tornar instrutor em Meditação Transcendental.
Donovan, Mia Farrow e Mike Love eram apenas três dos outros hóspedes ilustres do retiro com os Beatles.
Os integrantes dos Beatles e suas parceiras chegaram à Índia em fevereiro de 1968 – primeiro George Harrison e John Lennon, depois Paul McCartney e Ringo Starr. Além deles, do cantor Donovan, da atriz Mia Farrow e de Mike Love, dos Beach Boys, outros ocidentais estavam ficando no retiro durante este período. Entre os notáveis, estavam Paul Horn, flautista norte-americano de jazz descrito mais tarde pelo The New York Times como um fundador da música New Age; Prudence e John Farrow, irmãos de Mia Farrow; Nancy Cooke de Herrera, uma socialite norte-americana que foi uma das primeiras proponentes da Meditação Transcendental; Tim Simcox, ator norte-americano que apareceu em muitas séries de TV, como Bonanza e Gunsmoke (Cynthia Lennon lembrou em seu livro John, de 2005, que John Lennon a acusou de ter um caso com with Simcox); a modelo Jenny Boyd, irmã de Pattie Boyd e futura esposa do baterista Mick Fleetwood; Lewis Lapham, único jornalista permitido no retiro em uma matéria para o The Saturday Evening Post; Mal Evans, roadie de longa data dos Beatles e assistente pessoal desde os primeiros dias da banda no Cavern Club; Alexis “Magic Alex” Mardas, inventor grego e funcionário da Apple Corps; e o fotógrafo Saltzman.
A vida no retiro era como um acampamento de verão.
Financiado por uma doação de US$ 100.000 da herdeira norte-americana Doris Duke, o retiro de Maharishi foi construído em 1963, cobrindo 56.650 m² de floresta. A propriedade, disse Saltzman, era formada por seis bangalôs longos, cada um com cinco ou seis quartos duplos, floreiras com hibiscos vermelhos e jardins. Além do bangalô do próprio Maharishi, havia um posto dos correios, um teatro para palestras e uma piscina. Nancy Cooke de Herrera supervisionou a preparação das instalações dos Beatles antes da chegada da banda. “Eles nunca perceberam o que havia sido feito quando entraram nos quartos”, ela contou mais tarde. “Tinham colchões nas camas. Colocamos cortinas, espelhos, até o banheiro funcionava bem”. Cynthia Lennon lembrou que seu quarto no retiro com John tinha uma cama com dossel, lareira elétrica e algumas cadeiras.
Em The Beatles Anthology, McCartney comparou a experiência de estar no retiro de Rishikesh a um acampamento de verão. “Você acordava de manhã e ia tomar um café em comunidade”, contou. “A comida era vegetariana... e acho que comíamos flocos de milho no café. Depois, você voltava para seu chalé, meditava por um tempo, almoçava e então havia uma conversa ou um evento musical. Basicamente, era só comer, dormir e meditar – com uma palestra de Maharishi vez ou outra.”
No final do dia, os músicos tocavam juntos, segundo Donovan. “Compor vinha fácil”, escreveu em The Autobiography of Donovan. “Paul Mac nunca estava sem um violão nas mãos. Ele nos deixava tocar algumas músicas e dá para ouvir os resultados nos discos que se seguiram, o Álbum Branco dos Beatles e o meu, The Hurdy Gurdy Man.”
Maharishi tinha algumas peculiaridades.
Maharishi acabou se revelando mais afinado com negócios e mídia do que seus seguidores poderiam ter achado inicialmente. Segundo The Love You Make, um livro escrito pelo ex-associado aos Beatles Peter Brown, antes da viagem à Índia Maharishi estava negociando com advogados do canal ABC um especial para a TV que incluiria uma aparição da banda. Apesar de Brown avisar que este arranjo não era possível, Maharishi continuou dizendo aos advogados da ABC que ainda poderia fazer aquilo acontecer. Finalmente, Brown, acompanhado por Harrison e McCartney, visitou Maharishi na Suécia e lhe disse para não usar os Beatles para seus próprios fins de negócios – e a resposta de Maharishi foi balançar a cabeça e rir. “Ele não é um homem moderno”, Harrison afirmou, como citado no livro, na viagem de volta. “Ele simplesmente não entende essas coisas.”
George e John realmente gostavam de meditar...
De todos os Beatles no retiro, Harrison e Lennon eram os mais comprometidos com a disciplina da meditação. “Fiquei em um quarto por cinco dias meditando”, afirmou Lennon em The Beatles Anthology. “Escrevi centenas de músicas. Não conseguia dormir e estava alucinando como louco, tendo sonhos que você conseguia cheirar. Fazia isso por algumas horas e então viajava, durante três ou quatro horas. Era só uma maneira de chegar lá e você podia fazer viagens incríveis”. Cynthia Lennon disse no livro The Beatles, de Bob Spitz, que, para John, nada mais importava quando se tratava de meditação, acrescentando: “John e George [finalmente] estavam em seu elemento [no retiro]. Eles mergulharam totalmente nos ensinos de Maharishi, estavam felizes, relaxados e, acima de tudo, encontraram uma paz mental que lhes havia sido negada por muito tempo.”
Harrison sentia que a meditação e Maharishi tiveram impacto em sua vida. “A vibração da meditação é incrível”, contou a Paul Saltzman. “Ascendo mais do que ascendia com as drogas. É simples... e é meu jeito de me conectar com Deus”. Ele levava muito a sério o propósito da banda no retiro. “Era bem rigoroso”, McCartney contou mais tarde em The Beatles Anthology. “Lembro que eu falava sobre o próximo álbum e ele dizia: ‘Não estamos aqui para falar sobre música – estamos aqui para meditar’. Ah, tá, tudo bem, Georgie. Calma aí. Senso de humor é necessário aqui, sabe. Na verdade, amei aquilo.”
...e Ringo teve mais dificuldade.
Ringo Starr afirmou mais tarde que sua experiência na Índia foi divertida e empolgante, mas na época ele teve dificuldade em se adaptar à comida e aos arredores. Como era alérgico, levou latas de feijão Heinz na viagem. O baterista dos Beatles também lembrou que quem fazia a comida no retiro lhe ofereceu ovos, que não eram permitidos. “Então, vi que estavam enterrando as cascas”, contou em The Beatles Anthology. “Foi o primeiro dos vários incidentes que me fizeram pensar que aquilo não era o que achei que seria”. Outros problemas para ele e sua esposa, Maureen, incluíam ser aborrecidos por insetos: “Você tinha de lutar contra escorpiões e tarântulas na banheira”, disse. “Então, saía do banho, se enxugava e saía do quarto, porque todos os insetos voltavam”. Com saudade de casa e dos filhos, os Starr decidiram ir embora depois de 10 dias, seguidos por McCartney e sua namorada, Jane Asher, algumas semanas depois. “Paul simplesmente não estava entendendo”, Peter Brown escreveu em The Love You Make. “A falsa seriedade de Maharishi e o tédio da meditação pareciam demais com a escola para ele.”
Os Fab Four gostavam de suas roupas indianas.
Em sua reportagem no retiro, Lewis Lapham escreveu: “Como os outros Beatles, Harrison adorou as roupas – blusas grandes bordadas, pendentes trabalhados em latão, calças de pijama de algodão com listras grandes e de cores vivas, roupões para todas as ocasiões. Pareciam ciganos, com seus rostos angulosos emoldurados pelo longo cabelo comprido.”
“Se você vai à Índia, não pode vestir roupas ocidentais”, disse Harrison em The Beatles Anthology. “É uma das melhores coisas de lá – ter essas roupas legais: camisas grandes e folgadas e calças de pijama. Eles também têm calças justas que parecem canos”. Starr acrescentou: “Fizemos muitas compras. Todos mandamos fazer roupas indianas porque eles faziam do jeito certo ali: calças enormes e bobas com pernas muito justas e largas no cós, que você podia amarrar, colares Nehru. Mergulhamos de cabeça.”
Os Beatles ouviram uma proposta para um filme de O Senhor dos Anéis.
Muito antes de o diretor Peter Jackson levar a trilogia O Senhor dos Anéis para o cinema, os Beatles um dia pensaram em fazer uma adaptação da obra épica de J.R.R. Tolkien para as telonas. Segundo a biografia escrita por Philip Norman sobre Paul McCartney em 2016, Denis O’Dell, chefe da Apple Films, chegou ao retiro para discutir O Senhor dos Anéis como o próximo projeto cinematográfico dos Beatles. Devido à enormidade da série de livros, ele deu um volume da trilogia para cada Beatle ler: A Sociedade do Anel para Lennon, As Duas Torres para McCartney e O Retorno do Rei para Harrison. Em seu livro The Beatles in India, Paul Saltzman escreveu que a lista de possíveis diretores incluía Stanley Kubrick, Michelangelo Antonioni e David Lean. Em uma entrevista em 2014 para o site Deadline, Jackson confirmou a história sobre o envolvimento inicial dos Beatles no projeto com base em uma conversa que teve com McCartney: “John Lennon seria Gollum. Paul faria Frodo. George Harrison seria Gandalf e o papel de Sam ficaria com Ringo Starr. Paul foi muito gracioso; disse: ‘Que bom que nunca fizemos, porque então você não teria feito o seu e foi ótimo ver o seu’. Falei: ‘Eu me sinto mal pelas músicas; vocês teriam composto algumas boas para isso’.”
A Índia não conseguiu salvar o primeiro casamento de John.
Antes da viagem a Rishikesh, o casamento de John Lennon com Cynthia estava em crise, exacerbada pela presença de Yoko Ono na vida de Lennon. Em seu livro John, de 2005, Cynthia explica que inicialmente viu a visita à Índia como uma segunda lua de mel e uma chance de se reconectar com o marido, mas não foi o que aconteceu. “John estava ficando cada vez mais frio e distante”, escreveu. “Ele acordava cedo e saía do nosso quarto. Falava pouquíssimo comigo e, depois de uma semana ou duas, anunciou que queria se mudar para um quarto separado para ter mais espaço. Dali em diante, praticamente me ignorou, inclusive em público”. Mais tarde, ela ficou sabendo que toda manhã o marido ia ao posto dos correios para ver se Ono havia mandado uma carta. Em 1970, John Lennon revelou a Jann Wenner, da Rolling Stone, que também levaria Ono à viagem, “mas perdi a coragem porque levaria minha mulher e Yoko e não sabia como isso funcionaria [risos]. Então, não levei. Não deu.”
Havia um Bungalow Bill da vida real.
Um incidente envolvendo a morte de um tigre durante a estada dos Beatles na Índia inspirou Lennon a escrever “The Continuing Story of Bungalow Bill”, que mais tarde apareceu no Álbum Branco. De acordo com The Complete Beatles Songs, de Steve Turner, o norte-americano Richard A. Cooke III, recém-formado na universidade, visitou sua mãe, Nancy Cooke de Herrera, no retiro; os dois foram de elefante a uma caça a tigres em Naintal. Quando um tigre se aproximou, Richard atirou e o matou. Sentindo-se culpado pelo que tinha feito, foi com a mãe falar com Maharishi sobre o incidente, e John e Paul estavam presentes na conversa. “Maharishi pareceu bastante horrorizado por seus seguidores realmente conseguirem fazer algo assim”, Richard relembrou mais tarde. Nancy acrescentou: “Então, John perguntou: ‘Você não acha isso levemente autodestrutivo?’ Respondi: ‘Bom, John, era o tigre ou nós. O tigre deu um salto em nossa direção’”. Algumas frases da música fazem referência a Richard e Nancy, como “He went out tiger hunting with his his elephant and gun/In case of accidents he always took his mom”, [Ele saiu para caçar tigres com o elefante e uma arma/Em caso de acidentes, sempre levava a mãe] e “If looks could kill, it would have been us instead of him” .[ Se olhar matasse, teríamos sido nós em vez dele]. Richard – que admitiu que a letra que descrevia Bungalow Bill como “o filho americano atirador da mãe saxônica” era uma avaliação precisa de si – mais tarde se tornou fotógrafo da National Geographic.
O dedilhado de Donovan no violão influenciou a composição dos Beatles na Índia.
O cantor escocês Donovan já era um astro quando chegou a Rishikesh. Mais do que um amigo dos Beatles, ele também foi uma influência musical enquanto estavam no retiro. Em sua autobiografia, de 2005, Donovan lembrou que mostrou a Lennon seu estilo de dedilhado no violão. “Meu novo pupilo mandou ver com vontade”, escreveu, “e aprendeu o conhecimento arcano em dois dias... Assim, John começou a compor de um jeito totalmente novo, escrevendo ‘Dear Prudence’ e ‘Julia’ em pouco tempo”. Donovan também alegou que a composição de Harrison no Álbum Branco surgiu do que os dois tocavam juntos na Índia. “Ele disse que tinha um estilo de dedilhar muito parecido com o de Chet Atkins”, Donovan relembrou em 2016, “mas o que o fascinava eram esses padrões de acordes descendentes que eu tocava e daquilo veio a música mais dolorosa que já o vi compor, e também que qualquer pessoa já escreveu: ‘While My Guitar Gently Weeps’” (na Índia, Donovan compôs sua própria música, “Hurdy Gurdy Man”, que incluiu um verso dado por Harrison).
Prudence Farrow, musa de “Dear Prudence”, não ficou tão impressionada com a presença dos Beatles.
Irmã caçula da atriz Mia Farrow, Prudence Farrow foi a inspiração por trás de “Dear Prudence” dos Beatles. A história frequentemente contada é de que ela passava muito tempo sozinha no quarto meditando, o que deixou Lennon e Harrison preocupados com seu bem-estar (“Ela estava tentando encontrar Deus mais rápido do que todo mundo”, Lennon disse uma vez. “Essa era a competição no acampamento de Maharishi: quem ficaria cósmico primeiro”). Prudence não entrou no burburinho em torno da presença dos Beatles no retiro e estava mais focada no curso de meditação. “Eu tinha conhecido gente famosa, mas não havia sido tão interessante”, contou à Rolling Stone em 2015. “Os Beatles estarem ali – posso falar sinceramente – não significou nada para mim, mas essas duas pessoas que conheci, John e George, realmente gostei delas e estávamos basicamente na mesma sintonia”. Agora professora de Meditação Transcendental, Prudence considera “Dear Prudence” uma música que resumia o que os anos 1960 representaram. “Sinto que ela captura aquela essência do curso”, disse, “aquela parte levemente exótica de estar na Índia, onde passamos por aquele silêncio e meditação.”
Mike Love colocou a “Rússia” em “Back in the U.S.S.R.”
Maharishi havia ensinado meditação ao vocalista dos Beach Boys, Mike Love, em Paris depois que a banda tocou em um show beneficente para a UNICEF – uma experiência que teve um efeito transformador nele. Segundo sua autobiografia, Good Vibrations, Love foi convidado a ir para Rishikesh e, ao chegar, descobriu que Paul McCartney estava ficando no quarto ao lado. Como Love lembrou, McCartney estava tocando violão no café da manhã um dia. A música em que estava trabalhando, que acabou sendo influenciada pelos Beach Boys, virou “Back in the U.S.S.R.”. “Achei que ele estava no caminho certo”, escreveu. Love disse ao Beatle: “‘Você sabe o que deveria fazer. Na parte da ponte, fale sobre as garotas na Rússia. As meninas em Moscou, na Ucrânia e tudo isso’... Se funcionou para ‘California Girls’, por que não para a União Soviética?” Em uma entrevista para a Playboy em 1984, McCartney explicou a história por trás da música: “Escrevi como uma espécie de paródia dos Beach Boys. E ‘Back in the USA’ era uma música do Chuck Berry, então ela meio que partiu daí. Simplesmente gostei da ideia de garotas da Geórgia e falar sobre lugares como a Ucrânia como se fossem a Califórnia, sabe? Também foi uma união cultural, e ainda sou consciente disso. Porque eles gostam de nós ali, embora os chefes no Kremlin possam não gostar. A garotada gosta. Para mim, isso é muito importante para o futuro da raça.”
Algumas faixas compostas na Índia não foram parar em álbuns dos Beatles.
Embora a maioria das músicas escritas durante a estada dos Beatles na Índia tenha sido gravada para o Álbum Branco e Abbey Road, várias outras composições do período acabaram incluídas, mais tarde, nos álbuns solo dos integrantes. Uma das notáveis foi “Child of Nature”, de Lennon, mais tarde retrabalhada como “Jealous Guy” para Imagine, de 1971; “Junk” e “Teddy Boy”, de McCartney, foram gravadas para seu primeiro disco solo, McCartney, de 1970. Algumas canções de Harrison da Índia apareceram em seus álbuns solo, incluindo “Not Guilty”, que os Beatles gravaram em agosto de 1968, mas que o guitarrista revisitou para seu autointitulado disco solo de 1979; e “Circles”, que entrou em Gone Troppo, de 1982. Harrison também compôs “Sour Milk Sea”, gravada por Jackie Lomax para a Apple Records. “Ela se baseia no Vishvasara Tantra, da arte tântrica”, Harrison comentou uma vez sobre a faixa. “‘O que está aqui está em todo lugar, o que não está aqui não está em lugar algum’. É uma imagem e a imagem se chama Mar de Leite Azedo – Kalladadi Samudra em sânscrito. Usei ‘Sour Milk Sea’ como a ideia de – se você está na merda, não fique reclamando sobre isso: faça algo”. Os Beatles também gravaram outra composição da Índia, a experimental “What's the New Mary Jane?”, que apareceu mais tarde em Anthology 3. Já “Spiritual Regeneration”, outra canção, foi gravada na Índia e continua inédita.
“A pressão de serem os Beatles havia criado tensão entre eles e isso havia transparecido nos meses antes da visita a Rishikesh”, Bob Spitz, biógrafo dos Beatles, afirmou ao The New York Times. “Quanto eles chegaram ali e se livraram da carga de tudo aquilo, voltaram a se conectar com sua composição e sua criatividade. Simplesmente fluiu.”
As acusações sobre Maharishi continuam sendo um mistério.
Cinquenta anos depois da visita dos Beatles à Índia, nunca houve um relato oficial e definitivo sobre as alegações em torno de Maharishi que levaram Harrison e Lennon a deixar o retiro. Supostamente, Maharishi foi acusado de má conduta sexual com uma seguidora – e o propagador dessas alegações foi Alex “Magic Alex” Mardas (em uma declaração ao The New York Times, Mardas, que morreu em 2017, lembrou que olhou pela janela do chalé de Maharishi uma noite e viu o guru abraçando uma professora, uma cena que, escreveu, deixou ele, Harrison e Lennon aborrecidos). Sobre a revelação, Lennon foi o crítico mais contumaz de Maharishi; isso o levou a compor a música “Sexy Sadie”, que originalmente tinha o título “Maharishi”.
“Falei: ‘Estamos indo embora’”, Lennon se lembra de dizer a Maharishi, como mais tarde narrado em The Beatles Anthology. “‘Por quê?’ Bom, se você é tão cósmico, saberá o porquê. Fiquei dizendo ‘você tem de saber’ e ele me olhava como se quisesse dizer ‘vou te matar, desgraçado’”. Cynthia Lennon lembrou em John que Lennon expressou a ela seu desencanto com Maharishi – que o yogi estava preocupado demais com “reconhecimento público, celebridades e dinheiro.”
Nenhum processo foi aberto contra Maharishi pelas acusações de má conduta. Ao longo do tempo, alguns dos participantes duvidaram que ele tivesse feito algo impróprio e Harrison e McCartney pediram desculpas ao yogi nos anos 1990; mais tarde, Harrison disse em The Beatles Anthology que o boato era basicamente ciúme de Maharishi: “Esta besteira toda foi inventada... havia muitos esquisitões ali; o lugar estava cheio de gente excêntrica. Alguns deles eram nós”. Pattie Boyd, a primeira esposa de Harrison, escreveu posteriormente em sua autobiografia que o suposto incidente pode ter dado uma desculpa para Lennon sair do retiro e ficar com Yoko Ono. Outro que duvidou dos rumores foi Mike Love, que escreveu em Good Vibrations: “Maharishi queria muito que os Beatles e os Beach Boys o ajudassem a divulgar seu movimento. Além disso, esteve cercado de devotas a vida inteira. Só que a única vez em que foi acusado de má conduta foi quando os Beatles estavam ali? Por favor”. Desde o cisma, Maharishi continuou promovendo o movimento de Meditação Transcendental e se recusou a falar sobre os Beatles até o fim da vida, segundo o The New York Times. Ele morreu em 2008, com mais de 90 anos.
O retiro agora é um ponto turístico.
Em algum momento nos anos 1970, o retiro em Rishikesh foi abandonado e ficou às moscas por mais de três décadas; várias construções foram destruídas e outras continuaram de pé. Em 2003, o departamento florestal assumiu o local e, 12 anos depois, o retiro foi reaberto como atração turística. Anteriormente, as paredes do retiro foram pintadas como parte de um projeto artístico antes de as autoridades fecharem suas portas em 2012. “Para mim, era óbvio que as pessoas quisessem tomar conta deste espaço e celebrar as lendas que caminharam por este chão”, disse o artista de rua Pan Trinity Das, que trabalhou nas pinturas, ao canal CNN. “Quase todo mundo que entra ali fica chocado por um lugar tão histórico e espetacular estar sendo arruinado.”
Além de futuras reformas, também há planos de fazer um museu dos Beatles no retiro, dependendo da possibilidade de comprar o terreno do departamento florestal, diz Meenakshi Sundaram, oficial de turismo, que acrescentou: “Se isso acontecer, podemos atrair mais turistas estrangeiros para Rishikesh.”
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