A produção conta a história do acampamento que moldou jovens ativistas pelos direitos dos deficientes
Marina Sakai (sob supervisão de Yolanda Reis) Publicado em 29/04/2021, às 17h48
Imagine um acampamento de verão com todos os eventos normais: gincanas, esportes ao ar livre, diversão na piscina, música em volta da fogueira, romance, monitores, acampantes. Assim era o Jened, um oásis onde jovens com deficiência conseguiam, por dois meses do ano, não se preocupar com estereótipos.
Crip Camp: Revolução pela Inclusão (2020) — documentário da Netflix concorrente ao Oscar 2021 na categoria de Melhor Documentário, perdeu para Professor Polvo — conta como ex-acampantes do Jened mudaram a história da luta pela inclusão e garantiram direitos para deficientes nas últimas décadas do Século XX.
O filme foi co-dirigido pelo cineasta, designer de som e ex-acampante, Jim LeBrecht, ao lado de Nicole Newnham. A produção executiva foi de Barack e Michelle Obama. É uma aula de história sobre as conquistas da comunidade deficiente ao longo das últimas décadas, além de uma lição de sensibilidade sobre como são as vidas dessas pessoas.
Criado em 1951 e desenvolvido ao longo das décadas de 1960 e 1970, o acampamento foi um subproduto da época: Woodstock, Movimento Hippie, amor livre, flower power e a luta pelos Direitos Civis. Para quem frequentava, era sinônimo de liberdade. Todos tinham voz, diferenças não importavam e o grupo inteiro se ajudava para aumentar a confiança geral.
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Uma das maiores angústias dos personagens do filme era o fato de serem tratados como deficientes, e não pessoas. No Jened, além de serem tratados como iguais, eram encarados como adolescentes comuns, capazes de paquerar, brincar e tirar sarro um do outro.
O longa também mostra o contraste entre quem teve a sorte de frequentar o Jened e outras crianças deficientes colocadas em instituições famosas pelos maus-tratos, como a Escola Estadual Willowbrook. No hospital psiquiátrico, pacientes eram agredidos, mal nutridos, abusados e não tinham pessoas qualificadas para atender às necessidades.
O enredo do documentário, no entanto, não se limita ao acampamento. É sobre o impacto que ele teve na vida dos jovens. O Camp Jened criou nos acampantes um senso de comunidade e coragem, os quais possibilitaram vidas mais ativas e criativas e maior autonomia. Os jovens foram para a faculdade e muitos deles se tornaram protagonistas do movimento pelos direitos dos deficientes dos anos 1970.
Durante o governo de Richard Nixon (1969-1974), existiram poucos avanços em prol dos deficientes. O presidente vetou o Rehabilitation Act de 1973, uma proibição da discriminação contra a comunidade, porque custava muito caro mudar a infraestrutura de prédios — colocar rampas e elevadores — para beneficiar “poucas” pessoas.
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Em 1977, durante o governo de Jimmy Carter nos EUA, mais de 150 ativistas ocuparam prédios federais em São Francisco para demandar a aprovação da 504, legislação para garantir direitos para os deficientes. O protesto durou 25 dias, o mais longo da história em prédios federais.
25 dias é um período longo para qualquer um. Para esses protestantes, no entanto, as exigências físicas eram muito maiores. Tetraplégicos passaram quase um mês dormindo no chão, deficientes não tinham acesso às necessidades básicas, cuidadores, catéteres, ventiladores. O protesto foi baseado em solidariedade mútua, ajuda e paciência.
A ocupação surtiu resultado. Abriu caminho para o American with Disabilities Act em 1990, uma proteção para discriminação em ambientes de trabalho, transporte, ambientes públicos e serviços do governo.
Judy Heumann, ex-acampante do Jened quem teve poliomielite ou paralisia infantil, tornou-se uma das maiores ativistas pelos direitos dos deficientes. Fundadora da organização pelos direitos civis do grupo, Disabled in Action (Deficientes em Ação, em tradução livre), liderou o protesto pela 504 em 1977 e, em anos futuros, tornou-se conselheira especial no governo de Barack Obama.
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Estamos acostumados com rampas em calçadas, elevadores e sons no transporte público para ajudar os cegos. São apenas alguns exemplos de mudanças para aumentar a acessibilidade dos deficientes à vida cotidiana. A comunidade precisou lutar por cada avanço.
Nos anos 1970, nada disso existia. Cadeirantes contornavam quarteirões para poder descer de uma calçada. LeBrecht, diretor do filme, conta como, ao ir à Nova York para um protesto, não encontrou nenhuma rampa. Precisou arrastar a cadeira de rodas e o próprio corpo por todas as escadas dos metrôs de Manhattan.
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Apesar dos avanços no campo da acessibilidade, outro foco do documentário é mostrar como a luta não para por aí. Primeiro, as leis devem ser implementadas e reforçadas, mas a igualdade social de fato só começa com atitude. “Até quando vou dar graças a Deus por uma rampa na calçada?” disse Heumann anos depois da aprovação da 504.
Outro ponto importante enfatizado é a interseccionalidade entre causas de justiça social. Durante o protesto em São Francisco, os Panteras Negras — movimento para desafiar a violência policial contra pessoas negras — forneceram comida a todos os deficientes gratuitamente. Sentiam que dividiam o propósito de tornar o mundo um lugar melhor para todos.
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