Na semana de seu aniversário de 79 anos, resgatamos a entrevista em que o ex-Beatle relembrou o mítico "verão de 1967" e revelou os bastidores do fim da maior banda de todos os tempos
Anthony Decurtis | Tradução: Ana Ban Publicado em 15/06/2021, às 16h55
Como parte da celebração dos 15 anos da Rolling Stone no Brasil, estamos resgatando e contextualizando as melhores reportagens publicadas na revista desde 2006. Nesta semana, é hora de relembrar a trajetória do músico britânico Paul McCartney, que celebra 79 anos de vida na sexta-feira, 18 de junho.
No texto a seguir, veiculado na edição 9 da RS Brasil [junho de 2007], McCartney foi entrevistado pelo repórter Anthony Decurtis como parte da celebração dos 40 anos do lançamento da revista Rolling Stone EUA, cuja primeira edição chegou às bancas em novembro de 1967. Os temas centrais da conversa eram justamente outros momentos marcantes daquele mítico ano, como o movimento pacifista "Verão do Amor" e também o lançamento de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, disco mais emblemático dos Beatles.
Encorajado pelo clima nostálgico, McCartney abriu o coração sobre tópicos mais espinhosos, como as relações com os companheiros de Beatles, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr, e detalhou os conflitos que levaram ao fim da banda no ínicio dos anos 1970. Além disso, ele também discorreu sobre política, terrorismo, ambientalismo e nossa contínua necessidade de paz e amor. Em todos esses temas, é notável a lucidez das palavras do artista, que mesmo declaradas há quase uma década e meia, ainda hoje soam potentes e relevantes.
–Pablo Miyazawa, ex-editor-chefe da RS Brasil
Rolling Stone: Como foi o "Verão do Amor" para você?
Paul McCartney: Legal pra caramba. Tínhamos acabado de decidir que suspenderíamos as turnês porque já não estava mais valendo muito a pena. Parecia que não estávamos progredindo, o público continuava berrando, mas a gente se encheu daquilo. Tínhamos a idéia de fazer um disco que sairia em turnê por nós. Isso veio de uma história que tínhamos lido a respeito do Cadillac de Elvis fazendo turnê. Achamos que era uma idéia maravilhosa: ele não sai em turnê, só manda o Cadillac. Fantástico! Então, pensamos: "Vamos despachar um disco".
Passamos mais tempo em estúdio, e o resultado foi Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band [1967]. Então, foi maravilhoso. Estávamos amadurecendo? Não sei. Olhando em retrospecto agora, éramos praticamente crianças, apesar de nos sentirmos muito adultos. Tanta coisa tinha acontecido com tanta rapidez, certamente desde a viagem dos Beatles para os Estados Unidos em 1964. Em essência, aqueles três anos foram a diferença entre "I Want to Hold Your Hand" e "Sgt. Pepper's." Os tempos estavam mudando, como sr. [Bob] Dylan disse. Só estávamos seguindo nossos instintos, mas havia um grande arroubo de energia, as idéias vinham rápidas e consistentes. Todos os tipos de idéias novas – artísticas, políticas, musicais.
Começamos a escrever coisas que eram diferentes porque nossas conversas, nossos pensamentos e nossos sentimentos eram diferentes. Estávamos passando muito mais tempo longe da estrada, com outros artistas, e isso nos permitiu investigar outras coisas. Tínhamos muitos amigos no mundo da música e no mundo da arte, e havia uma grande fertilização cruzada. Foi uma época ótima para experimentar coisas e tudo isso penetrou na nossa música e no nosso estilo de vida.
Eu me lembro do impacto de Sgt. Pepper's como algo instantâneo e onipresente, tocando em toda casa noturna a que se ia, toda loja de roupa, toda loja de discos. Você fazia idéia de que o álbum teria esse tipo de efeito?
Foi ótimo, para falar a verdade. Como tínhamos parado de excursionar, a mídia começava a sentir que as coisas estavam calmas demais, o que criou um vácuo, de modo que puderam falar mal de nós. Diziam: "Ah, a fonte secou". Mas nós sabíamos que não tinha secado. Sabíamos o que estávamos fazendo, e sabíamos que nossa fonte estava longe de secar. Na verdade, o oposto estava acontecendo – vivíamos uma enorme explosão de forças criativas. Nós pressentimos isso. Realmente não comentamos o assunto com muita gente. Tocávamos uma demo aqui, outra ali [para os amigos] e tal, mas o mundo de maneira geral não sabia de nada. Mas, como eu disse, o que alguns críticos comentavam era: "Ah, eles estão acabados". Enquanto isso, estávamos lá trabalhando com alegria, como os Sete Anões – "Trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho!" [risos]. Estávamos nos divertindo muito, construindo essa coisa.
Daí, quando o disco foi lançado, foi fantástico. Naquela época, costumávamos lançar [álbuns] na sexta-feira, e aquele fim de semana foi uma coisa. Eu me lembro de ter recebido telegramas que diziam coisas como: "Vida longa a Sgt. Pepper's!". Esse era o sentimento geral, e era maravilhoso. Naquele domingo, Jimi Hendrix tocaria no Saville Theatre no West End de Londres, e ele abriu o show com o tema de Sgt. Pepper's. Cara, o disco estava mesmo em todo lugar! E é claro que nós só ficamos surfando naquela onda artística. Foi bem bacana exercer tanta influência assim. Como eu disse, era verão, e o sol brilhava, e lá estávamos todos nós, no maior astral [risos]! Eu me sinto muito privilegiado por ter vivido aquilo, em primeiro lugar e, em segundo, por ter sido o epicentro dos acontecimentos.
Deve ter sido uma sensação muito estranha – passar por mudanças enormes e, simultaneamente, gerar mudanças similares para milhões de outras pessoas.
Foi sobrenatural. Nós tínhamos nos acostumado com uma parte disso, simplesmente por sermos os Beatles. Até "I Want to Hold Your Hand" tinha deixado as pessoas malucas. Mas agora a coisa passava para outro nível. Estávamos entrando no coração e na mente de todo mundo.
Parecia muito que Sgt. Pepper's fazia parte do sentimento daquela época em que, de algum modo, tudo iria se transformar, que nada jamais voltaria a ser como antes.
É engraçado, conheço muita gente que, depois dos anos 1960, teve uma sensação de decepção que nunca passou. Eu pessoalmente achava que, ao passo que tudo estava mudando, isso não necessariamente significava que tudo mudaria. Nós tínhamos longas discussões a respeito de como um dia as pessoas da nossa geração se tornariam primeiros-ministros, e seria bem sobrenatural [para eles] o fato de terem sido afetados por esse período. Mas, ao mesmo tempo, éramos realistas, e pensávamos: "É, mas eles vão continuar sendo políticos". Dava para saber que tudo que estava acontecendo no mundo mudaria a ordem das coisas em alguns aspectos, mas não em todos. E isso está provado pelos nossos líderes atuais. Eles continuam presos aos anos 40 ou algo assim.
Houve algum acontecimento específico que fez com que você se desse conta de que os anos 1960 não cumpririam suas promessas?
Suponho que preciso considerar o rompimento dos Beatles como o momento mais sombrio. Os Beatles chegaram a um ponto em que implodiram – todos tinham dinheiro e fama e, de vez em quando, era inevitável que nos irritássemos uns com os outros. Eu tinha conduzido a dança um pouco em Sgt. Pepper's. Para mim, o título e a idéia toda foi inspirada pela época e pela fertilização cruzada com os outros artistas. Queria que fosse algo do tipo: "Uau, cada um de nós tem sua lista de heróis [na capa] e vamos assumir estes alter egos. Seremos pessoas novas fazendo este disco, e podemos mais ou menos viver nestes corpos novos e fazer um álbum como se fôssemos outra banda". Aquilo foi libertador. Mas, depois disso, não dava para sentir que era possível seguir em frente como aquela outra banda. Você inevitavelmente voltava à Terra, afinal, fazia parte dos Beatles.
E foi aí que os problemas começaram...
Foi quando começamos a discutir assuntos comerciais, principalmente com o advento de Allen Klein – ou "um certo empresário norte-americano", ou seja lá como somos obrigados a nos referir a ele. Deixemos para o departamento jurídico resolver. As conversas passaram a ser assim: "Ah, que merda, vamos ter mesmo de pensar sobre isso agora ou perderemos tudo por que trabalhamos". E isso causou um racha tremendo.
Você acabou processando os outros Beatles.
Foi o pior momento da minha vida, quando me informaram que eu não poderia me opor a esse tal de Klein, esse "suposto empresário norte-americano". Como ele não era uma das partes de nenhum dos nossos acordos, precisei brigar com os outros três caras [Lennon, Harrison e Starr]. Foi uma situação com a qual me debati durante meses. Ou era: "Não, não brigue com esses caras e perca tudo para todo o sempre" ou "Brigue com esses caras e salve tudo". Foi um dilema.
No final, eu pensei: "Acho que eles não sabem o que estão fazendo, estão cometendo um erro horrível". Então eu, de fato, briguei no Tribunal Superior e, por sorte, venci. Isso criou um estigma terrível para mim, como sabia que criaria – eu não tinha entrado naquilo de bobo. Sabia qual seria o preço. Mas achei que, no fim, as pessoas descobririam que eu tinha razão. E foi gratificante quando todos os caras, no final, piscaram para mim e disseram: "Foi bom você ter feito aquilo". Até Yoko [Ono] reconheceu isso. Mas foi uma coisa horrorosa de se viver. Foi quando o sonho se desfez para mim.
Houve um ponto em que você sentiu que, apesar da dissolução dos Beatles, seria capaz de seguir em frente e continuar a se divertir?
Fazer o álbum McCartney [1970] foi bom para mim nesse aspecto, porque realmente retornei às raízes. Eu me senti bem, e isso é bom. Até hoje, as pessoas reparam naquele álbum. Com freqüência acontece com os artistas e os músicos – eu ia dizer especialmente, mas acho que está mais para igualmente – de o trabalho ser aquilo que faz você se compreender.
A música é especialmente boa para isso, é uma boa terapia. Eu estava passando por essa coisa terrível de perder a amizade dos meus camaradas da vida toda, e para quê? Bom, a mim parecia que o motivo era tentar salvar a vida deles. Aliás, não existiria uma [gravadora] Apple para estar em litígio com a Apple de Steve Jobs – e não existe mesmo, falando nisso, já foi tudo resolvido –, mas não existiria uma Apple Records hoje. Tudo teria desaparecido; a coisa toda simplesmente não existiria. Não haveria nenhum show em Las Vegas, não haveria nenhuma destas coisas que agora estão aí tão gloriosas se não tivesse tomado aquela atitude.Mas foi uma decisão dura de verdade. Foi uma daquelas coisas que exigem terapia depois, e para mim, voltar à música foi essa terapia. E, é claro, com a enorme ajuda de Linda. Ela foi uma das grandes responsáveis por me fazer voltar à vida e seguir em frente. Ela era um bastão de força naquele momento. Isso e produzir música fizeram com que eu conseguisse atravessar aquele período.
Você, George e Ringo puderam desfrutar os ressurgimentos dos Beatles. John, é claro, morreu antes de boa parte disso acontecer, e George também se foi.
Esta é a pior parte de ficar adulto. Você perde amigos, é inevitável. Não é exatamente uma surpresa, mas é terrível. É muito triste. Conhecia John intimamente há tanto tempo. Sempre me admiro com o fato de eu ter sido o cara que se sentava com John para escrever todas aquelas coisas. Éramos só ele e eu em uma sala e isso era bem especial. Então, perdê-lo foi horrível. E foi especialmente triste porque tínhamos superado a desavença dos Beatles. Apesar de ele estar morando em Nova York, nós conversávamos com bastante regularidade. Simplesmente conversávamos sobre coisas cotidianas - sobre o filho dele, Sean, e sobre a vida em geral, sobre os pães que ele assava. Trocávamos receitas de pão, era ótimo. Então, simplesmente foi uma tragédia horrível ele ter sido arrancado daquele jeito. No caso de George, foi igualmente trágico. Eram meninos tão lindos, sabe?
[Ele faz uma pausa, e sua voz fica embargada] George era simplesmente um sujeito ótimo. Ele era um garotinho que eu conheci em Speke, Liverpool, só um garotinho que entrou no meu ônibus. Eu subi no ponto anterior ao dele, e ele entrou e nós começamos a conversar sobre guitarras e rock'n'roll. Depois, quando estávamos procurando um guitarrista, e eu mencionei o nome dele a John, George se juntou ao grupo. E daí passou a ser apenas o sábio George. Ele era um sujeito lindo que não agüentava gente burra. Era uma alma muito linda. É um horror ter perdido aqueles caras. Mas a verdade terrível é ser adulto.
Você tem idéia do que continua a tocar as pessoas com os Beatles depois de todos esses anos?
Acho que, basicamente, é a magia. Os Beatles eram mágicos. Para mim, a vida é um campo de energia, um punhado de moléculas. E essas moléculas específicas se formaram para que aqueles quatro caras virassem os Beatles e fizessem todo aquele trabalho. Preciso pensar que foi algo metafísico. Uma coisa que deve ser considerada mágica. Estou sendo muito extravagante? Se você quiser ser prático, acho que as músicas eram muito bem estruturadas. Quando as canto atualmente em shows, penso: "Isso aí é bom, é sim. Que verso bom. Ah, entendi!". É uma redescoberta. Você simplesmente lembra: "Ah, foi por isso que fiz assim". Então, elas também têm uma força física, é trabalho bem-feito.
Você teve papel importantíssimo depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, organizando o Concerto para a Cidade de Nova York e ajudando a reconstruir a confiança da cidade. Mas muita coisa aconteceu para complicar nossa noção do que houve naquele dia. Quando você pensa em 11 de setembro hoje, o que lhe vem à mente?
Bom, tenho minhas lembranças pessoais de estar no [aeroporto de Nova York] JFK e de ver a fumaça das torres gêmeas. O aeroporto fechou, nosso vôo foi cancelado, fomos para Long Island e ouvimos o noticiário e assistimos à TV. E depois pensei em fazer meu próprio show, mas tudo culminou no Concerto para Nova York, que foi ótimo, porque muita gente queria fazer alguma coisa. Foi ótimo fazer parte daquilo – ajudar os norte-americanos em particular, mas o mundo de maneira geral, a colocar seus sentimentos em algum lugar.
A oportunidade perdida foi que as pessoas ficaram com um enorme sentimento de solidariedade em relação ao povo norte-americano, e as ações políticas que se seguiram a 11 de setembro desperdiçaram a oportunidade. Foi como se alguém no playground tivesse apanhado, mas não sabia quem tinha batido, e por isso resolveu descontar na pessoa mais próxima – e isso se transformou no Iraque. A agenda política é a culpada.
Olhando para a frente, quais são as principais questões que se colocam agora?
Fazer algum avanço em direção à paz mundial. Seria ótimo se as pessoas com diferenças no mundo hoje percebessem que não existem diferenças – é um campo de energia! Precisamos da mesma velha coisa de sempre: paz e amor. Não sendo frívolo, mas esse continua sendo o grande objetivo. Bom, e vocês aí precisam de um novo líder [risos]! Quer dizer, isso ajudaria.
Nem brinque...
O ambiente é uma realidade. Algumas pessoas me dizem: "Há tantas causas, não sei quais apoiar". Há as minas terrestres, os maus-tratos com animais, só para mencionar duas pelas quais me interesso. É como se considerassem este o problema: "Qual causa apoiar?". Eu respondo: "Não entre em pânico, apenas escolha uma que o agrade e vá em frente. Todas estão conectadas". Mas eu sou otimista, tem muita gente bacana por aí. No momento, temos montículos de terra. E tudo bem. Isso é bom. Mas precisamos que se transformem em uma montanha. Tem muita gente inteligente por aí, mas, infelizmente, também tem um monte de imbecis. Mas o meu otimismo me leva a torcer para que os inteligentes construam a montanha.
E qual você gostaria que fosse seu legado pessoal?
Sempre que me perguntavam como eu gostaria de ser lembrado, respondia: "Com um sorriso". Mas gostaria que as pessoas entendessem o que eu fiz e pensassem que há uma enorme força naquilo. Gostaria que as pessoas pensassem que uma parte daquilo chega a ser demoníaca de tão forte. Isso me bastaria.
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