Ex-baixista das duas bandas encerrou giro pelo país com uma apresentação no Cine Joia, na noite da última terça, 6
Lucas Brêda Publicado em 07/12/2016, às 18h35 - Atualizado às 19h06
Peter Hook é história. Desde que saiu do New Order, há cerca de dez anos, o baixista (um dos mais autênticos em todos os tempos) tem se dedicado a fazer turnês temáticas em que revê o glorioso passado, repassando no palco as músicas de New Order e Joy Division que ele ajudou a criar. A atual excursão dele encerrou a passagem pelo Brasil na noite da última terça, 6, com um show no Cine Joia, em São Paulo.
Uma das características mais interessantes do conceito de show de Hook é colocar, lado a lado, os repertórios das duas antigas bandas dele (o New Order foi formado por ex-integrantes do Joy Division depois da morte do vocalista, Ian Curtis). As diferenças e semelhanças ficam expostas, mas é especialmente na segunda relação em que Hook se apoia, e de maneira natural: só o fato de as músicas gravadas por Bernard Sumner ou Curtis serem cantadas pela mesma voz (a de Hook) e tocadas pelos mesmos instrumentos já enfatiza a intersecção entre as duas bandas.
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É justamente pelas similaridades entre os grupos que também se explica a lotação máxima do Cine Joia em um horário ingrato de um dia de semana. Não havia apenas fãs do New Order ou do Joy Division, mas sim admiradores de ambos. Foi neste ambiente de veneração que Hook subiu ao palco, depois de uma produtora avisar, em português, que aquele show seria dedicado à Chapecoense, time envolvido recentemente na tragédia com a queda do avião que levava sua delegação.
A apresentação começou pouco depois das 22h, com o repertório do New Order: “In a Lonely Place”, “Procession” e “Cries and Whispers”, até que “Ceremony” – canção gravada também pelo Joy Division – estabeleceu os parâmetros de emoções afloradas da noite. Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Hook disse que o New Order é mais “alegre”, “otimista” e “frágil” que o Joy Division e a comparação saltou aos olhos na sequência seguinte, que teve músicas como “Everything's Gone Green”, os hits “Blue Monday” e “Bizarre Love Triangle – colocando a casa abaixo –, “Confusion”, “The Perfect Kiss” e “Subculture”, quando o público somou a melancolia das melodias eletrônicas à libertinagem das batidas dançantes.
A atual turnê de Hook destaca os volumes de New Order e Joy Division da coletânea Substance, e a porção da primeira banda da apresentação foi fiel ao álbum base para o setlist, inclusive na ordem. The Light, o grupo que acompanha o baixista, é formado pelo filho dele, Jack Bates (baixo), David Potts (guitarra e vozes), Andy Poole (teclado) e Paul Kehoe (bateria) e, para a porção do New Order, muitas programações foram utilizadas, deixando algumas performances mais duras e pouco versáteis.
Quando tem o baixo pendurado no ombro, Hook praticamente não toca, deixando as funções para o filho e, em determinados momentos, “dobrando” os fraseados tocados por ele. Apesar de parecer até desnecessária – dois baixos reproduzindo, simultaneamente, o mesmo som –, a atitude dá robustez aos lendários riffs do baixista. Hook prova no palco que, muito mais que um instrumentista de oportunidade, ele foi pilar essencial para forjar tanto o pós-punk sombrio do Joy Division quanto a pulsação angustiada do New Order.
Depois de uma breve pausa – pouco mais de dez minutos –, Peter Hook & the Light retornou para a segunda metade da noite. A introdução grave e macabra de “No Love Lost” preencheu o Cine Joia com a crueza e o mistério do Joy Division, que a partir dali ganharia os holofotes por 15 músicas seguidas. Ao contrário da primeira parte do show, o disco Substance – que reúne singles e lados B – não foi fielmente reproduzido ao vivo. Ele serviu como base e foi incrementado com clássicos da dimensão de “Disorder” e “Shadowplay”, de Unknown Pleasures (1979), que deram sequência a “No Love Lost”.
The Light funciona mais adequadamente com as canções do Joy Division. Além de a formação da banda se encaixar com mais fidelidade à original, as batidas firmes de Paul Kehoe e os gritos desajeitados de Hook ao microfone contemplam a tensão demandada pelas composições de Ian Curtis. O repertório seguiu com “These Days”, a brutalista “Warsaw” – introduzida com os mesmos gritos da faixa original –, “Leaders of Men”, a punk “Digital”, “Autosuggestion” e a intensa dupla “Transmission” e “She's Lost Control”.
Hook saiu muito brevemente do palco durante a instrumental “Incubation” e retornou para a arrastada “Dead Souls” e a emotiva “Atmosphere” – que teve outra homenagem à Chapecoense. Apesar de tirarem lágrimas de alguns mais tocados pela apresentação, as duas músicas diminuíram o ritmo para o épico e eufórico encerramento com “Love Will Tears Us Apart”.
O público cantou o riff, os versos, os refrães e até quando nenhum som era mais emanado do palco, os coros continuaram. Maior hit do Joy Division, a faixa, mesmo manjada, tem uma intocável capacidade de comoção e ficou evidente que o momento era especial quando até o baixista do Light, Jack Bates, tirou o celular do bolso para filmar a barulhenta plateia.
Nunca na história foi tão lucrativo e confortável se apoiar no passado para continuar relevante no presente, enaltecendo o consagrado e evitando os riscos da renovação. E Peter Hook é perito neste tipo de situação. Além de privilegiar lados B e músicas que dificilmente seriam vistas ao vivo pelos fãs de suas antigas bandas (e não apenas hits), ele atesta a autenticidade das performances evidenciando sua importância na construção do legado que é revisitado. Com The Light no palco, o baixista reverencia não o New Order, nem o Joy Division, mas o que há de Peter Hook em cada uma das bandas.
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