<i>Manchester à Beira-Mar</i> - Divulgação

Poderoso, Manchester à Beira-Mar trata do desconforto com maestria

Drama estrelado por Casey Affleck deverá ser indicado ao Oscar deste ano

Paulo Cavalcanti Publicado em 19/01/2017, às 15h40

O diretor e roteirista Kenneth Lonergan tem um currículo curto. Além de Manchester à Beira-Mar, ele dirigiu outros dois elogiados dramas: Conte Comigo (2000) e Margaret (2011). Feito com baixo orçamento e com jeitão de filme independente, este é um dos mais fortes candidatos em várias categorias do Oscar deste ano.

Na trama, Casey Affleck é Lee Chandler, que ganha a vida como zelador de quatro prédios em Quincy, Massachusetts. A ocupação dele é retirar neve, consertar encanamentos e limpar a sujeira da privada dos outros. Lee mora em um quarto subterrâneo que se assemelha a um bunker, ou a um sarcófago. É neste local minúsculo, sem nenhum móvel e cercado de gelo, que ele joga a vida fora. Lee é bem intencionado, mas mal abre a boca: quando se irrita com os inquilinos insolentes pode partir para o abuso verbal em segundos. Ele não se interessa por nenhum contato humano – mesmo quando alguma mulher bonita se insinua, ele não esboça qualquer tipo de reação. O máximo de diversão que ele tem é ir para um bar, encher a cara e, sem que haja a necessidade de qualquer provocação, trocar socos com algum desconhecido.

A rotina de Lee Chandler é interrompida quando ele recebe uma ligação avisando que seu irmão, Joe (Kyle Chandler), morreu vitimado por uma condição cardíaca. Joe era querido e admirado, o oposto de Lee. A notícia, apesar de chocante, não era exatamente inesperada, todos sabiam que ele não teria muito tempo de vida. Chandler pede licença do emprego e ruma a Manchester by-the-Sea, sua cidade natal, para tomar conta dos procedimentos funerários. O resto da família morreu ou se mudou e ele é o único que pode cuidar da tarefa, não tem escolha – Chandler não quer voltar ao local, que deixou anos antes de forma forçada, por causa de uma tragédia. Fica claro que ele é não bem quisto lá.

O principal problema é que Joe deixou ao irmão a guarda do filho, Patrick (Lucas Hedges), de 16 anos. Elise (Gretchen Mol), a mãe do rapaz, uma alcoólatra relapsa, sumiu. Quando Lucas era criança, ele e Lee se davam bem e saiam em passeios de barco. Mas agora Lucas é um adolescente ocupado e popular na escola: ele tem duas namoradas, lidera uma banda de rock e joga nos times de basquete e de hóquei. Enquanto tudo isto se desenrola, uma sequência de bem colocados flashbacks desvenda o passado de Lee e, assim, ficamos sabendo o motivo de ele ter virado esta figura opaca que afasta as pessoas.

Manchester à Beira-Mar não é um filme caloroso. O sentimentalismo passa longe. É longo, pesado e frio como o prego de um caixão. A cinematografia capta bem o clima fechado do norte dos Estados Unidos, todo frio, chuvoso e cheio de neve. Várias cenas se passam em necrotérios, cemitérios e hospitais. Uma seleção de temas do compositor barroco George Frideric Händel enche a tela com um clima sacro e fúnebre. Mas mesmo em meio a tantas tragédias, existe humor. A desajeitada interação entre o adolescente agitado, popular e antenado com o tio, que é um autêntico morto-vivo, garante alguns sorrisos, mesmo que amarelos. Mas em meio a alfinetadas e tiradas sarcásticas, fica claro que, enquanto Patrick consegue lidar com o luto, Lee vai viver o resto de sua existência dentro de um purgatório que impôs a ele mesmo.

A intenção do longa não é necessariamente causar uma sensação de opressão e desconforto. Isso ocorre porque Manchester à Beira-Mar é filmado de forma naturalista e realista. As coisas que envolvem as vidas das pessoas são chatas, rotineiras. Infelizmente, tragédias ocorrem quando menos se espera. A maioria das pessoas vive na falta de glamour e longe de emoções espetaculares. Essa é a verdadeira mensagem do filme.

Casey Affleck certamente será indicado ao Oscar e terá um amplo favoritismo na disputa. Ele mergulha em um papel complexo, que exigiu intensa disciplina. Lee Chandler, como admite em uma parte do filme, é o cara destinado a ficar para trás e nunca ser o protagonista de coisa alguma: “Eu sou apenas o cara que dá um suporte”, ele fala. A truculência inarticulada dele lembra as brutais atuações de Marlon Brando na década de 1950 ou a morte espiritual de Sol Nazerman (Rod Steiger) em O Homem do Prego (1965). No final, ninguém consegue gostar de Lee, mas pelo menos é possível compreender um pouco o caráter complicado dele. Michelle Williams, como Randi, ex-esposa de Lee, tem pouco tempo em cena, mas a atuação dela é poderosa o suficiente para que ela também seja indicada e leve para casa o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante.

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