Décima edição do evento chegou ao fim neste sábado, 19, e contou ainda com participações destacadas de Karon Conká, Opala e Perfume Genius
Pedro Antunes, do Recife Publicado em 20/10/2013, às 15h16 - Atualizado às 15h54
O esmero da música instrumental e o pop doce, irônico e cômico de Clarice Falcão não parecem dialogar diretamente, mas o segundo dia do festival No Ar Coquetel Molotov, realizado neste sábado, 19, mostrou o contrário. Sim, acredite, eles dialogam – e atingem diferentes faixas etárias. A junção de sonoridades tão distintas mostrou que é possível um festival atingir um público variado e proporcionar catarses nos momentos mais improváveis.
Rodrigo Amarante e Cícero comandam primeira noite do festival No Ar Coquetel Molotov.
A tarde e noite do sábado que encerrou a décima edição do festival, realizada mais uma vez no Centro de Convenções da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), exibiu um panorama variado do que é a música nacional hoje: é eletrônica, é roqueira, é afro, é bossa nova, é melancólica, é suingada. Foi deste liquidificador que saiu a mistura capaz de dar liga entre Bixiga 70 com a cantora famosa pelas participações no canal do YouTube Porta dos Fundos. No total, oito bandas passaram pelos palcos Red Bull Music Academy Stage, um espaço para grupos recentes, com entrada gratuita, e do Teatro da UFPE, dedicado a artistas mais consagrados e com abrangência maior.
Experimentações sonoras
No dia anterior, a devoção aos cariocas Cícero e Rodrigo Amarante deram uma cara intimista ao festival. O sábado, contudo, foi marcado pela festa e sorrisos no rosto do público - sem apostar em um dia de rock pesado, como costuma ser praxe em festivais independentes pelo Brasil. E este recado já foi dado logo nas primeiras atrações do Academy Stage, tomado pelo pernambucano Grassmass e, em seguida, pelo duo carioca Opala. O segundo é liderado pela voz doce de Maria Luiza Jobim, cujo sobrenome famoso já entrega que a musicalidade corre nas veias da moça. A cantora desenvolve seus versos soltos entre batidas eletrônicas do parceiro Lucas de Paiva, costurando texturas que esbarram na psicodelia eletrônica. A dupla fez tanto sucesso, diante de um público muito mais receptivo e participativo do que no dia anterior, que voltou para um bis improvisado, no qual eles repetiram “Absence To Excess”.
Na sequência, a viagem à psicodelia e às texturas complexas foi completada com uma nova dupla, desta vez formada por guitarra e bateria – sem vocais -, da portuguesa Memória de Peixe. Os garotos, que nunca haviam tocado fora de Portugal, encaram o desafio de capturar um público novo, e o fizeram com uma energia descomunal. Miguel Nicolau, com a guitarra na altura do peito, se posiciona de frente para o baterista Nuno Oliveira, que se destacou pela potência das pancadas na bateria, e olham um para o outro quase toda a apresentação. Enquanto isso, o guitarrista se debruçou sobre o instrumento com elegância, experimentando improvisos com overdubs e loopings dos inúmeros pedais à sua frente – a experiência de ver a banda, ao vivo, é completamente nova, até mesmo para quem já é familiarizado com o trabalho de estúdio deles.
“Se ainda estivesse no M83, estaria rico”, brinca o vocalista do Team Ghost.
Karol Conká, competente como de costume, pegou um público já solto e desenvolto, que lotou o Academy Stage. Unindo hip-hop com funk melódico dos anos 90, batidas envolventes e rimas rápidas, ela empolgou os presentes com um repertório baseado no álbum de estreia, Batuk Freak. Em “Gandaia”, ela avisou que chamaria seis pessoas para o palco. No fim, mais de uma dezena de fãs estava lá, cantando e pulando com a rapper/cantora.
Festa no teatro
Ainda antes mesmo de Karol subir ao Academy Stage para encerrar as atividades por lá, uma enorme fila já se formava diante do teatro – a grande maioria formada por fãs devotos de Clarice Falcão. Os shows ali, contudo, só começariam às 21h, com a paulistana Bixiga 70. Por mais improvável que pudesse parecer, o afrobeat instrumental do grupo funcionou excepcionalmente bem com os fãs da cantora que encerraria a noite.
Ao tocar, principalmente, o repertório do segundo disco, homônimo, lançado em 2013, o Bixiga 70 mostrou desenvoltura no palco do teatro, levantando o público e, inclusive, convidando as pessoas a formar um trenzinho e passear entre as cadeiras, em clima de celebração.
A atmosfera mudou de forma com as primeiras notas de teclado de Perfume Genius, projeto do músico norte-americano Mike Hadreas. Com sonoridade sensível e voz delicada, ele colocou o público de volta a seus assentos, como um respiro antes da euforia que estaria por vir. Talvez não tenha caído tão bem diante de um dia tão voltado para o festivo, mas certamente criará uma aura hipnótica na extensão do festival em São Paulo, com show no Cine Joia (Praça Carlos Gomes, 82 – Liberdade / telefone: 3101-1305), neste domingo, às 19h, com a participação de Thiago Pethit.
Com Metá Metá, as pessoas voltaram à euforia da noite. Formado inicialmente por um trio gabaritado, Juçara Marçal (voz), Kiko Dinucci (violão) e Thiago França (saxofone), o grupo tem mais músicos no palco, mas continuam com uma sonoridade cheia de molejo. O repertório foi baseado no mais recente álbum, MetaL MetaL, um trabalho no qual Dinucci e França se debruçam de forma visceral nos instrumentos, trazendo uma ferocidade roqueira à sonoridade livre de amarras do grupo.
Mas, então, foi a vez de Clarice. Em uma surreal fixação, os fãs mais animados soltavam gritos de vivas a cada roadie que subia ao palco para montar os equipamentos para a cantora e os outros quatro integrantes da banda. Nada, contudo, que se comparasse ao que aconteceu quando ela enfim surgiu, vestida com uma capa de chuva e uma sombrinha. Disparadamente, os fãs de Clarice foram os mais barulhentos do festival. Uma fidelidade de impressionar até a Cícero e Rodrigo Amarante, ambos protagonistas da noite anterior e que também conseguiram bons decibéis de seus fãs.
Projeto que começou despretensioso, com voz e violão, Monomia ganhou ainda mais forma ao ser lançado em disco. São arranjos rebuscados, que criam um contraste com as letras divertidas e cheias de humor e ironia. Quase como um stand-up musical pop, ela passeia pelas canções do disco lançado arrancando sorrisos com versos improváveis e piadinhas entre uma música e outra.
As canções, na maioria, têm uma temática pouco apropriada para a garotada jovem presente (que pirava!) na segunda noite do Coquetel Molotov. São músicas que brincam com situações cotidianas e, brilham, principalmente, pela capacidade da cantora em captar as sutilezas irônicas do dia a dia – assim como em Porta dos Fundos, no coletivo de humoristas no qual ela atua, além de escrever para episódios semanais publicados no YouTube. As músicas, contudo, também trazem uma forma nova de lidar com os corações quebrados: com humor. Não por acaso, entre tantos versos bonitinhos cantados de forma fofa por ela, é possível perceber sutis linhas sobre saudade, solidão e desespero.
Ela, nascida em Recife, apesar de ter se mudado para o Rio de Janeiro ainda aos cinco anos, disse ter ficado agradecida por estar na cidade e recebeu uma das maiores ovações da noite. Foi um show sem segredos. “Esqueci Você” abriu a performance com pompa, seguida pela curiosa “O Que Eu Bebi” – um bom exemplo de temática talvez pouco apropriada para os mais jovens. Foi com “De Todos os Loucos” que Clarice conquistou quem faltava. Os olhos azuis e grandes brilhavam através da franja, numa combinação que a levou a ser comparada com Zooey Deschanel, atriz e cantora norte-americana. Com a língua afiada, ela ainda respondia ao público com o mesmo humor ácido. “Linda! Linda!”, gritavam eles. “São seus olhos”, respondia ela. “Clarice, vem pra cá!”, continuou outro. “Poxa, eu tô meio ocupada aqui”, rebatia.
A cantora se saiu bem até mesmo quando uma fã conseguiu escalar a grade que separava público e palco e correu para os braços de Clarice. Simpática, ela se manteve cantando e tocando o violão, dando espaço para a moça cantar junto. “Essa eu não conheço”, disse a moça. “Não fez a lição de casa”, brincou a artista.
“Essa É Pra Você”, outra que surgiu do programa Porta dos Fundos, foi dedicada ao marido – e companheiro de Porta - Gregório Duvivier. Gritos de “own” se espalharam pelo teatro, seguido pelos versos muito bem decorados da faixa. A tragicômica “Oitavo Andar”, ainda que com tons mórbidos, foi festejada como um frevo em dia de carnaval. No fim, a própria Clarice propôs aos fãs pedissem pelo bis, após um divertido monólogo. Foi com a faixa que dá nome ao disco, “Monomania”, que a performance chegou ao fim, quase às 3h. Festivo do começo ao fim, o Coquetel foi concluído apresentando opções para pais e filhos neste segundo e último dia. O difícil seria saber exatamente qual era a banda indicada para cada faixa etária – mas, cá entre nós, precisa?
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