- Arte: Julia Harumi Morita. (Foto: instagram / Reprodução)

Pop triste e sincero: Girl In Red fala sobre as angústias da geração dos 20 e poucos anos [ENTREVISTA]

A artista norueguesa falou sobre os dilemas da nova geração e como a tristeza está presente nas composições dela

Julia Harumi Morita | @the_harumi Publicado em 18/06/2020, às 07h00

Aos 20 e poucos anos, o mundo, muitas vezes, parece girar rápido demais. Alguns dias aparentam não ter fim, enquanto outras noites são momentâneas como um flash de celular, que deixa os olhos doloridos por alguns segundos após capturar um momento divertido em uma festa ou bar. 

Uma certa inquietude e solidão também parecem estar sempre por perto. A vida é feita de altos e baixos e, mais do que nunca, os jovens sabem disso. O debate sobre a ilusão da felicidade eterna deixou de ser raro na cultura pop, seja nas animações, como BoJack Horseman, ou nas canções de indie pop da Lana Del Rey.

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Porém, essa consciência não impede que os momentos ruins cheguem e durem horas, dias ou semanas. Aos 20 poucos anos, a solidão nunca esteve tão presente. Os nascidos no final dos anos 1990 se sentem mais sozinhos do que todas as gerações anteriores do século XX, segundo estudo Loneliness Scale, feito pela UCLA e divulgado pela NBC News.

Naturalmente, os sentimentos de vazio, insegurança e exclusão refletem nas músicas consumidas ou compostas por esses jovens adultos. Marie Ulven Ringheim, criadora do projeto Girl In Red, é uma das vozes em ascensão do indie pop que conquista ouvintes ao redor do mundo com composições melancólicas e sinceras sobre os dilemas da juventude.

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Vestida com um moletom preto, que cobria os cabelos loiros bagunçados com um capuz, a cantora norueguesa conversou com a Rolling Stone Brasil por chamada de vídeo sobre como a solidão e a tristeza estão presentes na vida pessoal e no trabalho dela.


Uma melancolia natural 

Marie estava tocando piano no apartamento dela, em um antigo prédio da cidade de Oslo, quando recebeu minha ligação, feita do outro lado do mundo, em São Paulo. Logo nos primeiros minutos de conversa, a artista contou que, após perder o interesse na cena musical da Noruega, por volta de 2017, ela decidiu explorar novos caminhos e criar o Girl In Red, banda nomeada em homenagem a uma das paixões da cantora, que vestia um suéter vermelho.

Descrito pela Rolling Stone EUA como uma mistura do “mal-estar feroz de Billie Eilish e o suave, estranho e sofisticado pop de Lorde”, o som de Girl In Red é formado por guitarras despreocupadas e vocais melancólicos embalados em um efeito nostálgico.

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Os dois EPs da cantora, Chapter 1 e Chapter 2, contam com desabafos sobre a necessidade de se isolar para não surtar, em “I Need To Be Alone”, e a sensação de ver o próprio cadáver flutuando em uma piscina, em “Dead Girl In The Pool”.

“Eu procuro por mim mas não estou lá / É tão solitário, mas quem se importa? /Está tudo bem, está tudo certo / Eu vou morrer de qualquer maneira”, canta Girl In Red em “I’ll Die Anyway”. 

Com a voz de quem já passou muito tempo dentro do mesmo quarto por causa da quarentena, Marie conta que o tema da solidão é algo que não é planejado e simplesmente surge de forma espontânea durante o processo de composição das canções.

Girl In Red (Foto: Reprodução / Instagram)

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“É algo que surge naturalmente para mim. Eu nunca realmente pensei: ‘Oh, eu preciso falar sobre isso, [porque] é muito importante [...] Eu acho que [as canções] naturalmente têm essa melodia melancólica e honesta.”

A artista enxerga a própria saúde mental como “algo que vai e volta”. Ela conta que é capaz de ficar três semanas seguidas triste e, de repente, ser tomada por um sentimento de felicidade, que a impede de lembrar o quão mal estava antes.

“Eu acho que nós deveríamos normalizar mais isso. É normal não estar feliz o tempo todo, porque a felicidade… Acho que é muito normal apenas se sentir normal, se isso fizer sentido. Você não se sente feliz, mas não sente triste, você apenas existe e eu acho que é uma coisa boa.”

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Enquanto olhava para as paredes brancas do quarto, espremia os olhos e coçava a bochecha, a cantora tentava recuperar as memórias de “muito tempo atrás” sobre o processo de criação de “Summer Depression”, um dos primeiros hits da carreira, lançado em 2018. 

“Eu apenas estava fazendo essa canção e pensei que estava bom. Então, eu fiz uma nova parte para música, porque eu senti que precisava de uma variação e essa variação acabou se transformando na canção inteira.”

Ela continuou: “Eu não lembro como eu me senti, mas eu acho que escrevi durante o inverno, não foi nas férias de verão. Eu acho que eu apenas senti a sensação que tinha durante as férias de verão ou algo do tipo. Eu não sei. Mas eu continuo me sentindo do mesmo jeito de quando escrevi a canção. É como eu me senti em todas as férias de verão da minha vida”.

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Marie faz parte da geração que cresceu com as redes sociais e teve a adolescência marcada pelo filme As Vantagens de Ser Invisível, que contribuiu para a normalização - e, talvez, certa glamourização - de temas como doenças mentais e suicídio junto com os inúmeros memes de humor autodepreciativo compartilhados na web.

De acordo com a psicóloga Beatriz Barbosa Fejgelman, formada pela Unesp e especialista em Saúde Mental pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, as novas tecnologias trazem uma exposição dos “conteúdos íntimos da vida”, que inclui  “inseguranças, fins de relacionamentos e angústias”.

“A busca por ser você mesmo pode ser bem angustiante [...] Fazer piada com esses assuntos talvez seja um modo de banalizar algo sério que seria muito difícil para digerir sozinho”, disse a psicóloga. 

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Marie também acredita que as redes sociais fazem as pessoas se sentirem mais sozinha nos dias de hoje. “Acho que existem muitos fatores, mas os dois principais que eu penso sobre são as redes sociais e como nós estamos obviamente desconectados de um jeito, como nos comparamos com os outros constantemente. E eu, definitivamente, acho isso venenoso”, disse a artista.

Neste momento, Girl In Red se virou para a direita e olhou para uma grande janela que iluminava do quarto com a luz do sol das duas horas da tarde. Ironicamente, era possível ouvir o canto de alguns pássaros pela chamada de vídeo, quando a cantora falou que, para ela, a distância da natureza também causar certa solidão. 

“Outra coisa que nos deixa muito tristes é o fato de que estamos tão desconectados da natureza. Quero dizer, não são todas as pessoas, mas eu acho que existe algo sobre o jeito que vivemos [...] Eu acho que nossos corpos foram feitos para viver na natureza, então existe algo bem artificial no jeito em que vivemos”.


Uma geração mais triste, mas honesta

Para Girl In Red, a música sempre foi um meio de expressão capaz de revelar angústias e conectar as pessoas. Mas, com as tecnologias tudo se tornou mais “barulhento” e chamativo.

Marie, então, conta a história de uma amiga da irmã dela que ficou chocada ao ver a artista  ler o próprio diário na frente de outras pessoas. Para a cantora, ainda existem muitas pessoas que ainda têm dificuldades de assumir os problemas delas - o que, definitivamente, não é um problema.

Mas, por outro lado, ela sente que uma parte da geração dela se sente mais confortável em compartilhar experiências de vida. “Eu acho que muitas pessoas estão se abrindo em relação aos problemas que elas enfrentam na vida. Talvez eles estejam confortáveis com isso, eu suponho”.

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Girl In Red (Foto: Reprodução / Instagram)

Como uma artista queer - que ganhou popularidade no TikTok com o hino gay “I Wanna Be Your Girlfriend”, Girl In Red acredita que a honestidade dela sobre a sexualidade também é um fator que a conecta com os fãs. 

“Minha inspiração vem da minha vida, que é uma experiência de vida queer, mas também é uma experiência humana com sentimentos”, disse a cantora. “Eles se sentem mais próximos, porque [a música] está vindo de alguém que tem uma experiência queer”.

“Elas são tão bonitas que dói / Eu não estou falando de garotos, estou falando de garotas / Elas são tão bonitas com as camisas de botão delas”, canta Marie em “Girls”. 

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Em seguida, a cantora afirmou que, no final, “somos todos humanos e temos sentimentos” e esse é o principal motivo para a conexão dela com os fãs. “Sentimentos são universais, então, eu penso que é por isso que as pessoas se relacionam com minha honestidade [...] Eu acho que as pessoas meio que se sentem bem ao ter sentimentos explicados”.

Quando eu questionei a artista sobre o futuro, Marie diz que o objetivo dela é fazer boa música e se inspirar em todos aqueles que fazem as próprias artes. Ela também contou que já planeja um disco de estreia e, claro, sonha em tocar no Madison Square Garden. 

No final, Girl In Red é quem fez a última pergunta: “De onde você fala?”. Eu respondi que sou do Brasil e, então, Marie disse: “Isso é irado. É tão longe, você literalmente está do outro lado do planeta”. Assim, nos despedimos e desejamos boa sorte uma para outra com a animação de quem possui 20 poucos anos e um futuro inteiro pela frente.


Lembrando que, no Brasil, há o Centro de Valorização da Vida (CVV) para ajudar pessoas com pensamentos suicidas. Ligue para o telefone 188 ou entre no site https://www.cvv.org.br/.


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