O músico morreu aos 23 anos; suicidou-se depois de lutar contra uma epilepsia violenta - Joy Division, na qual cantava, durou o mesmo tempo que a doença
Yolanda Reis Publicado em 06/08/2020, às 07h00
Ian Curtis era uma criança prodígio. Amava poesia e romances sobre reflexões profundas da vida. Aos 11 anos, ganhou uma bolsa de estudos na King’s School - uma escola para meninos centenária na Inglaterra. Durante a adolescência, apaixonou-se por música - e largou tudo para trabalhar numa loja de discos. Era especialmente apaixonado nas letras, principalmente David Bowie e Velvet Underground. Quase adulto, resolveu embarcar de vez nos instrumentos, e resolveu criar o Joy Division. Foi o início da vida dele como conhecemos. Mas também o final. Ele se matou menos de cinco anos depois. Deixou esposa, filha e o disco Closer - o adeus da banda.
O post-punk do Joy Division nasceu num dos cenários mais clichês - e potencializador - possível: na plateia de um show dos Sex Pistols, o maior grupo punk da Grã-Bretanha. Em julho de 1976, Bernard Sumner, Peter Hook e Terry Mason, todos em seus 20 anos, encontraram-se por acaso no meio da plateia. Conheceram-se anos antes, estudavam juntos Adoraram a transgressão da banda, e resolveram formar uma deles. Ian Curtis, outro colega de escola, também estava no show - e ouviu os planos deles.
No dia seguinte, Hook pediu £35 emprestado para mãe, e comprou um baixo. Mason arranjou uma bateria, e Sumner comprou uma guitarra. Para o vocal, chamaram Martin Gresty, outro amigo da adolescência. Ele não aceitou, porém, na última hora: tinha conseguido um emprego numa fábrica. Por sorte, tinham alguém na manga: Curtis, que no show dos Sex Pistol, havia demonstrado a vontade de cantar e escrever música. Ele nem precisou fazer um teste para ser aceito no Joy Division - que então chamava-se Warsaw.
A banda era horrível. Os meninos não sabiam tocar os instrumentos muito bem, e os ensaios eram decepcionantes. Mason parecia o pior de todos: simplesmente não rendia na bateria. Eventualmente, achou que o melhor a fazer era abandonar o instrumento e assumir como empresário da banda. O próximo passo, então, foi encontrar um substituto. Não foi muito fácil, e testaram várias pessoas. Em agosto de 1977, porém, encontraram a pessoa ideal: Stephen Morris. Era a formação clássica do grupo; Curtis, Morris, Hook e Sumner ficaram na banda até o final.
Poucos meses antes, Curtis voltara a morar em Macclesfield, cidadezinha de Cheshire. Ele e Deborah Woodruff, com quem casara em 1975, não estavam conseguindo se sustentar sozinhos fora de casa. Ambos estavam extremamente deprimidos com a vida e com os trabalhos (ele era servidor público). Tinham 19 anos. Como jovem, Curtis sentia que ainda dava tempo de ter uma carreira na banda, como sempre quis.
Joy Division começou a existir de verdade. Ian Curtis ajudava os colegas a compor - ficavam horas trabalhando nisso. Depois, compunha as letras - no ensaio, ou de noite, em casa. Escrevia todas as noites. Amava essa parte criativa A banda tomava a forma dos pensamentos do vocalista. A música era taciturna, profunda e um pouco melancólica. As letras, reflexivas, deprimidas e deprimentes.
No final de 1977, começavam a dar passos mais firmes no mundo musical. Na segunda metade do ano, fizeram shows. A banda, ainda chamando-se Warsaw, gravou em dezembro as primeiras músicas. Começaram a fazer alguns shows. No ano novo, tocaram num bar em Liverpool. Na apresentação seguinte, no final de janeiro, já tinham adotado Joy! Division (sim, com um ponto). Nessa leva, conquistaram uma bolada: a atenção de RCA Records e Grattons, futuro empresário deles. Passaram a primeira metade de 1978 gravando músicas “encomendadas” em bons estúdios. Acabaram deixando a gravadora, porém, não muito tempo depois
Mas estavam prontos para a apresentação oficial ao mundo. Em 3 de junho de 1978, lançaram o primeiro EP, An Ideal for Living. Tinha quatro músicas, incluindo “Warsaw”, nome original da banda (que recentemente mudara para Joy! Division). O 7” custou £400, e foi lançado por uma gravadora independente deles. Foi um fracasso! Mas, apesar disso, algo estava ali: a participação deles.
Durante a segunda metade de 1978, Joy Division começou a aparecer na cena underground da Inglaterra. O país fervilhava na rebeldia do punk, e era um ótimo momento para uma banda revoltada brilhar na cena. Mesmo assim, eles demoravam para decolar, e tocavam bastante em cidades menores e fora do fervo da capital. Mas, em 27 de dezembro, foram contratados para fazer o primeiro show em Londres!
O Joy Division se empilhou numa van e, logo após o Natal, viajaram para a capital. Fazia frio numa Inglaterra nevada. Sumner estava gripado e fraco pela febre; Curtis estava bastante irritado no caminho. Brigava e encrencava com todos os colegas.
Seu ânimo certamente não animou quando chegaram ao Hope and Anchor para o show. O lugar era pouco mais que um porão frio, úmido e apertado. Somente 30 pessoas estavam na plateia, e cada um pagou 60 centavos de Libra para entrar. A banda faturou £27,50 - e, só de gasolina para chegar em Londres, gastaram £27.50.
Mas é comum para bandas independentes não serem um sucesso absoluto, certo? Esse não foi nem o principal problema do Joy Division naquela noite (embora a viagem de volta tenha sido permeada de vontade de desfazer a banda). O verdadeiro empecilho foi o primeiro dos violentos ataques epiléticos que atormentaram Ian Curtis até o suicídio.
Joy Division saiu do Hope and Anchor com hora marcada para tocar em outro lugar. Sumner, doente, usou um saco de dormir como coberta no carro. Curtis não ficou muito feliz com isso, e os dois começaram a brigar. O vocalista arrancou o cobertor, enrolou em volta do pescoço para o colega não conseguir pegar, e os dois acabaram brigando.
+++ LEIA MAIS: Foto rara de Ian Curtis, vocalista do Joy Division, é encontrada
Sumner, porém, logo recuou: claramente, havia algo errado. Curtis se debatia, atacava e socava as janelas do carro e tudo em volta. Precisaram parar o carro, arrastar o colega para a rua e segurá-lo, imóvel. Assim que o ataque passou, levaram-no para o hospital. Um mês depois, recebeu o diagnóstico: epilepsia.
Anos depois, Deborah, esposa dele, refletiria sobre o caso. Embora esse tenha sido o primeiro ataque visível de Curtis, acredita que ele apresentava sintomas há tempos: desde 1972, relatava ficar “aéreo”, como se tivesse usado drogas, mesmo sóbrio; quando entrava no palco ou pistas de danças, sentia que ia desmaiar pelas luzes; até luzes fluorescente comuns o incomodavam.
+++ LEIA MAIS: Ouça o fantasmagórico vocal isolado de Ian Curtis em 'She’s Lost Control'
Depois do show de Londres, e até fevereiro de 1979, três coisas muito importante aconteceram para o Joy Division: a banda foi convidada para ser capa da NME, fariam uma entrevista para a renomada BBC Radio 1, e Ian Curtis começou a ter um ataque epilético, em média, a cada dois dias. Médicos previram que a doença passaria a controlar a vida dele. A banda decolava. O vocalista desmoronava.
Curtis mostrava uma relação enérgica em relação à doença. Tomava remédios, experimentava fórmulas e tratamentos, entrou para Associação Britânica de Epilepsia. Conversava com qualquer um que tocava no assunto… Na mesma época, em abril de 1979, ele e Deborah deram as boas vindas à primeira e única filha deles. A família lutava pela melhora
Mas isso passou rápido. Nenhum remédio testado fazia efeito, e Curtis precisava trocar a fórmula o tempo todo. Cada nova receita vinha com uma bomba de entusiasmo, mas logo era apagada pelo desalento da falha. Fora os efeitos colaterais dos remédios: depressão, variações de humor insanas… Curtis., sempre alegre e piadista, virou uma pessoa taciturna, irritadiça e triste.
As convulsões aconteciam duas vezes por semana, e impossibilitavam-no de viver: Curtis nunca pode segurar a filha, pois havia o risco de machucá-la num ataque. Naquela época, Joy Division gravava Unknown Pleasures, e tudo atrapalhava isso, também. Ele não avisava para os colegas quando se sentia mal para não preocupá-los. Em vez disso, saía da sala de gravação. Em uma ocasião, demorou duas horas para voltar; quando Peter Hook foi investigar, descobriu-o no chão do banheiro, desmaiado após bater a cabeça.
As crises ficavam, também, cada vez mais agressivas. Depois do lançamento de Unknown Pleasures, em junho de 1979, vieram o maior medo de Curtis (e do resto da banda): a turnê. Joy Division saiu em turnê com os Buzzcocks em outubro daquele ano. Para promover o disco, abriam os shows - e conseguiam públicos até 100 vezes maiores do que aquele primeiro show em Londres.
Foi o caso da apresentação no Rainbow Theatre, em Londres. Tinham mais de 3 mil pessoas na plateia, e os operadores de luzes, ignorando as ordens explícitas de Gretton, trocaram a iluminação para luz estroboscópica no meio da apresentação do Joy Division. No mesmo instante, Curtis caiu no chão, convulsionando. Levou todo o kit de bateria de Morris ao chão. Em gravações daquele dia, dá para ouvi-lo gritar: “Desligam a luz!” Foi levado ao camarim para se recuperar.
+++ LEIA MAIS: 7 músicos que previram a própria morte: De Michael Jackson a Bob Marley
Naquela noite, além do Rainbow, Joy Division tocaria no Moonlight Club. Curtis insistiu para que fossem, e não cancelassem, a ideia geral. Provavelmente, uma péssima ideia: depois de menos de meia hora cantando, Curtis começou a dançar de uma maneira estranha, dura brusca. Os colegas só perceberam que era outro ataque quando ele caiu no chão - mas a plateia achou que fosse parte de alguma dança exagerada. Os movimentos de Curtis, debilitados pela epilepsia, depois tornariam-se uma marca registrada bastante agridoce.
No dia 6 de abril de 1980, dois dias depois dos ataques no Rainbow Theatre e Moonlight Club, Ian Curtis tentou se suicidar pela primeira vez. Deborah, esposa dele, e Tony Wilson, dono da gravadora, decidiram que era hora de um afastamento temporário do Joy Division. Ian Curtis não quis seguir isso. No dia 8, cantou no Derby Hall. Wilson não queria deixar, mas combinaram: Alan Hempsall seria a voz oficial daquela noite, e Curtis cantaria poucas músicas. No dia 11, ele cantou de novo. Joy Division atraiu quase 1 mil pessoas sem divulgação. Mas, naquela noite, um desastre: Deborah descobriu detalhes sobre a traição que sofria.
+++ LEIA MAIS: 40 anos de Unknown Pleasures: a ciência por trás da capa do disco
Os dois foram passar alguns meses na cabana de Wilson. A explicação oficial foi a tentativa de suicídio de Curtis, e o descanso que ele precisava. Então, entre os dias 12 de abril e 9 de maio, seis shows foram cancelados. O último show de Curtis, no dia 2, aconteceu no High Hall. Joy Division tocou 12 músicas, incluindo “Ceremony”, single novo de Closer (1980), novo disco deles.
Depois do descanso de Curtis, o plano era voar para os EUA no dia 18 de maio, e fazer uma bateria de shows entre 21 do mesmo mês e junho. No dia 17, um dia antes da viagem, Ian Curtis se suicidou.
+++ LEIA MAIS: 40 anos de Unknown Pleasures: 9 fatos desconhecidos sobre o disco do Joy Division
Nada ia muito bem para Ian Curtis em 1980. Suas convulsões lhe tiraram tudo: a banda e os shows que tanto amava; a filha, a quem não podia segurar; a alegria. Fora isso, ainda tinha o dilema de estar apaixonado por duas mulheres: Deborah, sua esposa desde a adolescência, e Annik Honoré, uma jornalista que conheceu num show em outubro de 1979.
Tudo isso pesava na consciência dele. Curtis, que sempre foi taciturno - mas inegavelmente alegre e feliz - estava num estado de profunda depressão. O estado de traição, aparentemente, o consumia tanto quanto a epilepsia. Num rápido relacionamento, Curtis, com uma filha recém-nascida, se apaixonou por Honoré. Passava muito tempo com ela, até virou vegetariano (mas comia carne quando estavam separados). Durante as gravações de Unknown Pleasures, o vocalista até pediu para o amigo, Bernard Sumners, decidir para ele com quem ficar. Ele negou.
Deborah descobriu o divórcio entre março e abril de 1980. Ela e a filha do casal, Natalie, foram para a casa dos pais dela. Mas quando Curtis tentou suicídio a primeira vez, em 6 de abril, ligou para ela e contou o que fez. O músico disse que teve medo de não ter tomado remédio o suficiente para o matar. De qualquer maneira, voltaram a ficar juntos, mas com uma condição: Ian não poderia mais ver Honoré. Ele negou.
Em 17 de maio, véspera da morte dele - e da viagem para os EUA, Curtis ligou para Deborah. Implorou que ela desistisse do divórcio. Ela, preocupada com o histórico suicida e de crises do marido, pediu para passar a noite com ele, e combinaram de se ver. Mas, quando Deborah chegou lá, Ian decidiu que preferia passar a noite sozinho. Fez ela prometer que não iria até a casa dele antes das 10h, hora em que pegaria o trem e iniciaria viagem para as Américas.
Ian Curtis estava apavorado com a viagem, e Deborah resolveu dar espaço para ele. O músico tinha muitos medos: o primeiro, avião. Odiava voar. Inclusive, iria de barco para o continente. Estava apreensivo sobre a recepção nos Estados Unidos, também. E se odiassem a banda? E se ele tivesse um ataque? E se os norte-americanos não entendessem e aceitassem as crises dele tão bem quanto a comunidade inglesa? Pior: e se as convulsões finalmente o matassem?
Deborah respeitou o desejo, e esperou Curtis partir para viagem. Ficou surpresa quando chegou na casa dele no dia 18 e encontrou-o no meio da cozinha. Somente quando se aproximou percebeu a corda do varal no pescoço dele. Fazia poucas horas. Passara a madrugada assistindo Stroszek, filme germânico, ouvindo The Idiot, do Iggy Pop, e escrevendo a carta de suicídio. Perto dela, havia várias fotos de Deborah e da filha do casal, retiradas de porta retratos da parede.
Deborah achou a carta. Até hoje, não foi divulgada. Na biografia que escreveu, porém, ela contou um pouco sobre o texto. Era direcionado a ela, e relembrava toda a história dos dois juntos, e garantia que a amava mais que tudo, apesar do caso com Honoré. Mesmo assim, não conseguiria dizer para a amante que nunca mais a veria - mesmo se isso custasse o casamento. Terminou a carta pela manhã - e disse que podia até ouvir os pássaros cantarem.
O Joy Division anunciou o cancelamento da turnê nos EUA. Lançaram o disco Closer em 18 de julho, dois meses depois da morte dele, com material gravado anteriormente. Na sequência, anunciaram o fim da banda. Os integrantes se reuniram na No Names - que logo mudou para New Order. Juntos, lançaram algumas das músicas de Ian Curtis. Também gravaram homenagens na guitarra favorita dele.
No Brasil, para ajudar pessoas com pensamentos suicidas, há o Centro de Valorização da Vida. Pode ser encontrado no telefone 188 ou no site https://www.cvv.org.br/.
Any Gabrielly fala de amizade com Bruno Mars e revela já ter cantado com ele
Alice Fromer lança música inédita de Marcelo Fromer e Arnaldo Antunes
James Van Der Beek, de Dawson's Creek, fala sobre diagnóstico de câncer colorretal
Em estreia solo, Jerry Cantrell promete show mais longo no Brasil: 'tocar até cair'
Insônia: Enzo Cello lança mixtape com colaborações inéditas; veja
Juíza diz que está 'inclinada' a rejeitar processo contra Mariah Carey por ‘All I Want For Christmas Is You’