As redes sociais permitem que o consumo e o engajamento dos conteúdos das brigas entre celebridades seja ainda maior, além de ser narrativizado e polarizado
Isabela Guiduci Publicado em 26/06/2020, às 07h00
O público acompanhou, nas últimas semanas, o desentendimento das cantoras Anitta e Ludmilla, que estão brigadas por conta da disputa dos direitos autorais da música “Onda Diferente”, uma parceria entre elas. Desde então, ambas trocaram diversas alfinetadas explícitas nas redes sociais e a 'treta' viralizou em todas as plataformas.
No mesmo período, houve também um desentendimento entre Tiago Iorc e Anavitória sobre os direitos autorais da música “Trevo”. Nos dois exemplos, as narrativas dessas brigas foram aumentadas pelos espectadores a ponto de atribuir arquétipos para cada um deles - como quem é o vilão e quais são os 'inocentes' na história.
Isso não é exclusivo dos brasileiros e as brigas entre artistas do mundo da música são bem constantes. Outro caso muito conhecido é o de Kanye West e Taylor Swift, que já se desentenderam algumas vezes ao longo dos últimos dez anos. É uma lista extensa de ataques virtuais e até mesmo alfinetadas em composições.
Por que gostamos tanto de consumir tretas de celebridades nas redes sociais? Para entender o motivo de amarmos essas brigas entre os artistas da música, conversamos com Renata Gomes, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), e com Marcos Bezzi, jornalista, escritor e YouTuber com mais de 15 anos de experiência na área de cultura, tecnologia, política e comportamento, e um dos criadores do projeto Galãs Feios.
A cultura da fofoca é muito consumida pelos brasileiros - desde os programas na RedeTV com o propósito de comentar a vida das celebridades, como A Tarde É Sua, até as revistas e portais especializados neste tipo de conteúdo, como a Caras e a Contigo.
"Elas [as revistas de fofoca] são etnografias involuntárias de um certo universo da elite brasileira. Algumas pessoas acompanham porque projetam valores nessas celebridades e, todos fazemos isso - com artistas diferentes. 'Tenho curiosidade em saber como é a vida pessoal do artista A ou B, porque eu me identifico com ele' e a partir disso, a relação da pessoa com o artista aumenta", explicou Gomes.
"As fofocas têm força, porque as pessoas pensam ‘como é que essa pessoa famosa vive acontecimentos tão mundanos’. Esse barato de experimentar essa entradinha na vida das pessoas - seja verdadeira ou falsa e impele esse comportamento que é facilitado pelas plataformas. Existe um ciclo vicioso de curtir e compartilhar. E aquilo que era para ser um comportamento trivial, acaba tomando uma proporção enorme. [...] E que apelam as nossas sensações mais rudimentares", disse.
Ainda, complementou: "A briga dos famosos é a ponta do iceberg de uma sociedade hiper-personalizada, que todo mundo está exposto publicamente, como se vários formatos que antes estavam separados, se interconectassem e nossa vida se tornasse um imenso reality show."
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Marcos Bezzi apontou: "Todo tipo de polarização, desde que o mundo é mundo, atrai muito mais gente. Não só no entretenimento, como na política e nos esportes. Uma narrativa ganha maior interesse com um protagonista e um antagonista."
As brigas dos famosos são mais que o entretenimento e a polarização. Bezzi afirmou: "Hoje em dia a política virou entretenimento e o entretenimento, política. Tudo está ligado. É só pensar nos Tuítes. Não tem quem não queira dar sua opinião em brigas de famosos. Ainda mais quando ela ganha ar de injustiça social, racismo ou disputa judicial. Se até a Anitta está abrindo seus perfis para discutir política quando, ao mesmo tempo, é acusada pela Ludmilla de roubo de créditos em uma música, o que eu disse no início da resposta faz ainda mais sentido."
A tendência entre o público é criar uma história, encontrar os personagens e tornar esses eventos em uma narrativa. Portanto, em uma disputa de dois artistas da música, por exemplo, é instintivo a polarização apontada por Bezzi.
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Essas proporções são acentuadas pelas redes sociais. É inegável como essas ferramentas são utilizadas para a ficcionalização e narrativização das brigas. Gomes, inclusive, falou como esses eventos são como um reality show, no qual acompanhamos detalhes sobre a vida pessoal dos artistas que nos identificamos.
De uma maneira didática e objetiva, a narrativa é a descrição de uma série de eventos mediados por um ou mais personagens: "A narrativa é o terreno da mudança. Se uma coisa está igual, se uma sequência de eventos acontece sem grande mudança, ela não constitui uma narrativa. A narrativa precisa de uma coisa nova, e que aconteça por uma ação de um personagem, de um elemento humano. O que a gente vê atualmente é uma hiper-narrativização do mundo", contou Gomes.
Sobre a evolução da narrativa e ficcionalização, a pesquisadora comentou: "A narrativa tem essa característica de ser o primeiro instrumento cognitivo e mnemônico que foi amplamente desenvolvido pelos seres-humanos ao ponto de continuar existindo de forma muito dinâmica até hoje."
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"Existe uma propensão dos seres humanos em prestar atenção em coisas extraordinárias e que engajam nossas emoções, que seriam as brigas, por exemplo. Você pega essa característica e mistura com a hiper-narrativização, com todo mundo que está nas redes sociais, dos seres mais comuns aos mais famosos, expondo a sua vida pessoal e criando esses meta-personagens", explicou Gomes.
Ela complementou: "Ao misturar essas duas coisas, tem-se o cenário perfeito para importar a atitude que temos perante as novelas, filmes e séries, que ficamos na ansiedade de saber o que vai acontecer e transportar isso para essa sociedade que se tornou um grande reality show."
As redes sociais são ferramentas importantes nessa transformação da “vida real” em um grande reality show online, como comparou Gomes. A pesquisadora também lembrou como o uso dessas plataformas são incentivados a partir dos planos oferecidos pelas empresas de telefonia brasileira.
Nos pacotes de internet disponibilizados para os aparelhos celulares, já são estabelecidos uma determinada quantia de dados, que para o uso das redes sociais, em geral, são ilimitados, como Whatsapp e Instagram.
Bezzi pontuou que atualmente no Brasil há mais celulares do que pessoas. Portanto, as redes sociais catalisarem essas brigas é consequência de espectadores hiper-conectados: "A pressa para se ter o maior numero de informação diariamente faz com que as redes sociais sejam o lugar certo para essas pessoas. Além do mais, nelas você "fala" diretamente com seus ídolos e recebe notícias de quem você confia e tem afinidade."
"Nosso comportamento acaba sendo moldado dentro dessa grande ecologia das redes sociais. Chega essa informação que abalam a normalidade dos acontecimentos e o nosso comportamento que já era ligado com a viralidade da fofoca vai passar isso adiante. As redes sociais têm esse comportamento de fofoca internalizado a partir dos comandos de compartilhamento e o que nos causa mais impacto acaba sendo compartilhado com mais velocidade", explicou Gomes.
Mais uma vez, portanto, a narrativização é potencializada pelas plataformas digitais e a maneira como as ferramentas são capazes de, eficientemente, permitir o acompanhamento do acontecimento espontâneo: “Você assistir uma narrativa que está acontecendo ao vivo é uma experiência que tem a qualidade diferente do que assistir uma coisa gravada”, disse a pesquisadora.
"A potência do infinito e o fluxo dos acontecimentos do ao vivo é maior. Uma pessoa posta um vídeo ou um comentário sobre alguém, aquilo está em aberto. As pessoas vão querer saber a resposta e o que vai acontecer e como aquela pessoa reagiu. E é uma característica das redes sociais de poder ir se desdobrando e envolvendo várias pessoas e gera uma espécie de engajamento ansioso nas pessoas", completou.
Combinado às redes sociais e à narrativização, que vem por parte do público, os espectadores são os principais responsáveis pela força das fofocas, porque através das plataformas digitais, serão eles os necessários para contextualizar e até mesmo julgar a briga.
Vale lembrar que os espectadores também querem participar dessa narrativa - como atores ou juízes. Bezzi afirmou sobre o desejo do público de “tomar um lado” nessas discussões: "Exatamente para reforçar sua própria narrativa. Para fazer parte do debate. Ninguém quer ficar apenas como espectador hoje em dia. Há uma necessidade doentia de se expressar, nem que for com a voz do outro."
Claro que tomar partido de um dos lados e julgar o protagonista e o antagonista pode ser bem prejudicial na repercussão: "Misturamos cancelamento com linchamento e muitas vezes somos juízes e carrascos. Como disse Humberto Eco, redes sociais deram voz para uma legião de imbecis. Que já estavam na sociedade, mas viram uma maneira de amplificar sua ignorância", afirmou Bezzi.
Gomes explicou como a rede social pode ser polarizadora: "Pode se tornar um caso de extremismo. Essas bolhas vão depurando qualquer tipo de dissonância e só vai ficando dentro das tais bolhas quem tem pensamento idêntico ao do coleguinha e vai se tornando muito extremo."
Embora o extremismo seja negativo, o mesmo também é um dos catalisadores pelo engajamento da briga - já que os espectadores querem a todo custo defender o “lado” com o qual se identificam e acreditam que seja o correto.
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