Bemti, Febem e os fundadores do projeto Adote O Artista relatam a vivência artística na quarentena
Larissa Catharine Oliveira Publicado em 20/05/2020, às 12h00
A pandemia de coronavírus causou paralisação de eventos no mundo inteiro. O Brasil adotou a medida em março, e não há previsão de retorno para atividades como shows e peças de teatro. Nesse cenário, lives com patrocinadores e os lucros das plataformas de streaming garantem renda para artistas renomados, mas nomes da música independente enfrentam novos desafios no período de quarentena.
“O disco se construía sobre o afeto na iminência do apocalipse, então o apocalipse chegou”. Quando o isolamento teve início, Bemti interrompeu shows pelo Nordeste do país, onde se apresentaria pela primeira vez, e cancelou planos no exterior. O cantor, saído da banda Falso Coral, encerraria a turnê do primeiro álbum solo após o lançamento da versão comemorativa do Era Dois, que será lançada em junho, e seguiria para apresentações em Portugal.
Com a agenda cancelada, retornou para “o meio do mato”, no interior de Minas Gerais. “Voltei para modo ‘filho adolescente’, até para conseguir aguentar financeiramente esses meses”, explica o cantor. Apesar da mudança drástica no planejamento, Bemti lançou recentemente “Vira Sol”, uma das composições que “ganharam um peso diferente” com o momento.
Em vídeo para divulgação do projeto Adote O Artista, o cantor e compositor Paulo Neto não recorreu a eufemismos para explicar a urgência do projeto. “Nós, como a maioria da população brasileira, não temos reserva financeira”, apelou nas redes sociais. A iniciativa foi criada ao lado de Zé Ed, ator, cantor e compositor, e oferece pacotes de telegramas musicais, com uma música ou pocket show por chamada de vídeo. Todas as faixas apresentadas são autorais e inéditas, e o repertório é decidido no momento da ligação.
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Além dos cinco artistas envolvidos com as apresentações virtuais, o Adote O Artista envolve outras seis pessoas - todas desempregadas pelas circunstâncias da pandemia - para organização de agenda e redes sociais. Antes do lançamento do projeto, porém, o sentimento era de desespero. “Acho que o apoio chegou porque a gente se expôs de maneira muito direta”, reflete Ed. “[O artista] vive de uma aparência (...) e dizer, ‘Olha, eu não tenho dinheiro para comer semana que vem’... Tem que ter coragem para o artista assumir esse lugar de vulnerabilidade”, completa Neto.
Com os eventos parados, Febem mantém contato constante com a equipe. “Acho que agora o mais importante é se comunicar, está todo mundo sozinho, isolado e sem trampo. Se adaptando e se ajudando, na medida do possível”, relata o rapper.
O processo criativo dos artistas também foi afetado pela nova realidade. O paulista lançou o álbum Brime, do produtor Cesrv e com participação de Fleezus, no começo de março. O artista busca inspiração nas vivências cotidianas, e diminuiu o ritmo durante o isolamento. “Olhei pra trás e vi que produzi muito em um curto prazo, o que me faz relaxar e não me cobrar tanto, nem ficar na nóia do bloqueio criativo”, diz. “Estou respeitando meu tempo, escrevendo num ritmo bem menor que antes, mas não parei cem por cento. Sempre faço anotações sobre conceito, seja roteiro de clipe, referência de beat, nomes para música”.
Uma das principais mudanças foi na gravação para uma “participação no disco de um grande amigo”. Diante da importância de respeitar as recomendações de distanciamento social, Febem enviou os audios pelo WhatsApp. “Gravei no celular mesmo, e o mais da hora é que ficou com um delay natural da sala. Vivendo e aprendendo”, conta.
Os desafios desses artistas conversam. Bemti descreve as composições como processos empíricos, dependentes de vivências. “Me dei esse tempo para colocar a cabeça no lugar, processar o luto dessas coisas que não vou fazer”, explica. “Me sinto sortudo por ter feito bastante coisa antes de começar a quarentena, e tenho muito medo de cair no clichê”.
No processo de reinvenção artística, e em contato com tantas pessoas no Adote O Artista, Neto e Ed escreveram novas músicas inspiradas por histórias trocadas nas ligações. Para Febem, “as mensagens positivas que as pessoas mandam são um dos maiores combustíveis” no momento.
Os planos para a vida após a pandemia variam, desde almoçar nos restaurantes favoritos e abraçar pessoas queridas, até o lançamento de novos projetos musicais e o foco no empreendedorismo. Por enquanto, consola saber que “mesmo longe, tamo junto”, como canta Zé Ed para se despedir da entrevista.
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