A morte e a aposentadoria reivindicou alguns dos ícones musicais mais queridos nos anos 2010. Mas muitos "voltaram" à vida por meio de outros recursos
KORY GROW / Rolling Stone EUA Publicado em 15/12/2019, às 11h00
"Estar no Queen agora parece com os velhos tempos, porque se tornou tão grande quanto antigamente", disse Brian May em uma entrevista à Rolling Stone em 2017. Nessa época, a banda ainda estava a um ano do lançamento de Bohemian Rhapsody, a cinebiografia que aumentaria ainda mais a popularidade da banda.
Mas, mesmo décadas após a morte do vocalista Freddie Mercury, o guitarrista sentiu como se estivesse no topo do mundo. "Me sinto muito privilegiado e muito feliz por ainda podermos tocar em arenas. E em uma escala maior do que qualquer coisa que já fizemos."
Assim como Jim Morrison, Janis Joplin e Jimi Hendrix, Mercury se tornou ainda mais famoso depois da própria morte. Mas, diferentemente desses artistas, o legado póstumo foi construído por outros meios artísticos: Bohemian Rhapsody venceu o Oscar em quatro categorias: Melhor Edição, Melhor Edição de Som, Melhor Mixagem de Som e o Rami Malek, responsável por interpretar Mercury, levou a estatueta como Melhor Ator. Além disso, o Queen encheu arenas com a turnê em que Adam Lambert assume o posto de frontman.
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A cinebiografia arrecadou quase um bilhão de dólares nas bilheterias mundiais, os streams nas músicas do Queen nas plataformas digitais triplicaram e o clipe de "Bohemian Rhapsody" alcançou um bilhão de visualizações no YouTube.
No começo da década de 2010, o Queen parecia ser um completo desastre; o último álbum de estúdio, The Cosmos Rocks, que conta com o ex-vocalista do Bad Company, Paul Rodgers, mal chegou no Top 50 das paradas norte-americanas em 2008. Mas uma década depois, eles simplesmente se tornaram uma das bandas mais lucrativas do rock.
Quando Queen adotou o selo da gravadora Universal Music Grup, eles tinham em mente um plano de cinco anos para a banda. Mas naquele momento, não sabiam mais o tamanho que o Queen poderia ter novamente
"Mesmo antes do filme causar impacto, nos preparamos pensando que isso seria ampliado porque as músicas são muito amadas e bem recebifdas", diz Andrew Daw, vice-presidente executivo de criação de conteúdo e marketing internacional da UMe.
Por improvável que pareça o recente sucesso de Queen, eles não foram exceção da regra. Embora nos últimos 10 anos tenhamos visto a morte de mais músicos célebres do que na década anterior - e não se enganem, mais ícones da música morrerão na próxima década, à medida que os roqueiros clássicos encaram seus oitenta anos - artistas e proprietários dos bens daqueles que morreram inovaram agressivamente as maneiras de manter esses legados.
O relógio pode estar correndo no rock clássico, mas à medida que as bandas evoluem e viram marcas, elas encontram uma renovabilidade infinita. Na última década, vimos turnês com hologramas de lendas que morreram há muito tempo (Frank Zappa e Roy Orbison), reuniões de bandas com poucos integrantes vivos (Dead and Company), musicais na Broadway (Tina Turner, The Temptations, Michael Jackson) e assim por diante.
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Músicos com muita vitalidade escreveram memórias (Elton John), fundaram marcas de uísque, licenciaram remixes das próprias músicas para trilha sonora de filmes, reeditaram trabalhos clássicos e se alinharam com jovens hitmakers. Talvez o mais surpreendente seja que palavras como "residência em Las Vegas" (shows que permanecem por temporadas em um único lugar), não são mais tão assustadora para os artistas, já que Guns N' Roses, Aerosmith e outros grupos clássicos se inscreveram para ter compromisso nessa cidade "Sin City".
Além de Bohemian Rhapsod, na última década, as biografias de Brian Wilson, Runaways, James Brown e outras também se tornaram grandes sucessos. Elton John, por exemplo, cronometrou a turnê de aposentadoria com o lançamento de Rocketman, uma cinebiografia que arrecadou quase US $ 200 milhões em todo o mundo.
"O que mudou dramaticamente é que há convergência de mídias", diz Bruce Resnikoff, presidente e CEO da UMe.
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"Existe uma nova relação entre a carreira gravada de um artista, a carreira ao vivo e a narrativa, que é o objetivo desses filmes e documentários. Estrategicamente, o que estamos fazendo é um gerenciamento de marca e parceria com essas marcas. Penso nos maiores artistas como franquias e/ou marcas. Então, em vez de apenas trabalhar nos discos, agora estamos atribuindo outras questões a esses grandes artistas, seja Queen, Elton John, Beatles, Rolling Stones. Todos eles estão sendo 'franquias' e trabalhando entre eles como parceiros."
"No caso de vários desses artistas, você verá que há uma turnê, um filme, um livro, uma música, um público de streaming. O que a torna especial é que, devido à tecnologia digital existente, agora temos a capacidade de compartilhar públicos e atingir muito mais pessoais e mais jovens do que no passado. Eu acho que foi isso que mudou nesta década, principalmente essa última parte."
O Queen se uniu a Lambert em 2009 e começou uma turnê em 2014. Eles tocaram em vários lugares durante um ano. À medida que a notícia de que eles eram realmente bons juntos e que Lambert não está tentando substituir Freddie Mercury, o Madison Square Garden se tornou algo frequente para eles.
Da mesma forma, outras bandas clássicas encontraram novos caminhos sem integrantes importantes. Quando o Fleetwood Mac expulsou Lindsey Buckingham em 2018, eles não perderam ao contratar Mike Campbell, do Tom Petty and the Heartbreakers, e Neil Finn, da Crowded House, para se juntar a eles nos shows de arena.
E após a morte de Glenn Frey em 2016, os Eagles rapidamente recrutaram Vince Gill e o filho de Frey, Deacon, para tocar ao vivo as partes do músico, levando-os a uma turnê lucrativa no Hotel California. Os fãs dessas bandas estão tão ansiosos para vê-los ao vivo que não se recusaram a pagar US $ 100 por um ingresso.
Bandas de apoio de artistas que morreram, como as bandas de Prince, The Revolution e New Power Generation, também se reuniram e fizeram turnês, assim como Holy Holy, supergrupo de tributo a Bowie que incluía o produtor de longa data do cantor Tony Visconti.
Até artistas que não estavam mais vivos encontraram palcos para "se apresentar". Desde o holograma de Tupac Shakur, que estreou durante o show de Dr. Dre e Snoop Dogg em 2012, as turnês holográficas provaram que esses músicos vão continuar subindo nos palcos.
Nos últimos anos, hologramas de Frank Zappa, Roy Orbison, Buddy Holly e Ronnie James Dio tornaram-se entidades de turnê novamente. Os artistas que tinham bandas de apoio tocaram com o espectro; outros receberam novas trilhas sonoras orquestrais.
Mas, apesar do estranho conceito (para alguns), havia uma audiência para isso: os ingressos para a turnê do holograma de Zappa em 2019 custaram até US$ 125, e os shows tiveram quase três quartos esgotados em média; Orbison fez aproximadamente os mesmos números.
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Na última década, muitas opções se abriram para os responsáveis do legado dos músicos ressuscitarem "a marca" dessses artistas. Alguns tinham até planos para os próprios catálogos póstumos antes mesmo de morrer. David Bowie, por exemplo, mapeou exatamente como ele queria que a própria obra fosse reintroduzida no mundo, mas os responsáveis por toda a propriedade dele tiveram que descobrir sozinhos.
Já Prince morreu em 2016 sem vontade, o que levou a uma disputa amarga entre os familiares pelos bens do artista.
No meio disso, Michael Howe, que havia trabalhado como representante de A&R (Artistas e Repertório, em português) de Prince na Warner Bros., foi nomeado como arquivista-chefe da propriedade do músico.
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Desde a morte do artista, lançaram boxes deluxe de Purple Rain e 1999, além de álbuns com demos de Prince.
"O tipo de coisa que me mantém acordado à noite é pensar se o que estamos fazendo é o que Prince gostaria", disse Howe à Rolling Stone.
"Ninguém pode dizer isso com certeza, obviamente, mas o princípio que guia para fazer essas coisas, quando se trata de liberar esses trabalhos, é prosseguir com respeito à integridade que o Prince exigiria e que o trabalho dele merece."
Para outros, é mais fácil adivinhar os desejos do artista. Frank Zappa, que morreu em 1993, a viúva Gail assumiu os bens do artista. Em 2015, quando ela morreu, Ahmet, filho do casal, assumiu o comando. Ele, inclusive, foi fundamental para dar vida ao holograma de Frank Zappa ao se juntar com à equipe da empresa por trás do feito, Eyellusion, como vice-presidente executivo de desenvolvimento de negócios globais.
Ahmet garante que o holograma é uma aposta segura de que Zappa participaria, pois havia escrito na autobiografia de que ele tinha uma ideia que envolvia hologramas "potencialmente valendo bilhões de dólares". Com isso, ele recrutou integrantes das bandas de Zappa ao longo dos anos e os colocou na estrada para cantar algumas das músicas do artista.
"Ahmet é um personagem bastante empreendedor e queríamos criar uma experiência Zappa que pudesse viajar", diz Daw, que trabalha com o catálogo Zappa na UMe.
"Espero que [os shows de holograma] se tornem mais comuns", disse Ahmet à Rolling Stone. "Outros artistas vão falecer, e se queremos continuar tendo essas experiências mágicas, a tecnologia será o caminho para manter as pessoas envolvidas na música".
Representantes da Eyellusion e da Base Holograms - a última produziu o holograma de Roy Orbison e tem planos para um show de Whitney Houston em 2020 - dizem que eles também foram abordados por gerentes de artistas vivos.
Músicos, estejam vivos ou mortos, também adotaram a ideia de manter e também renovar os próprios legados com filmes e eventos únicos. Soundgarden, Nick Cave, Black Sabbath, Depeche Mode, BTS e muitos outros ampliaram o alcance ao trazer shows para as salas de cinema.
O INXS, cujo cantor Michael Hutchece morreu em 1997, está prestes a lançar um retorno em 2020 com um documentário e um show com exibições teatrais.
Ray Nutt, CEO da Fathom Events, que realiza esse tipo de exibição no cinema em todo o mundo, diz que esses compromissos estendem o alcance de um artista ao público que, de outra forma, não seria capaz de ir a um show tradicional.
"Normalmente, os eventos musicais de maior sucesso que realizamos apresentam dois públicos distintos: jovens, novos artistas como One Direction e BTS e artistas clássicos como Grateful Dead, Elvis e Rush", diz Nutt.
Mesmo quando uma banda termina a turnê, ainda existem muitas oportunidades. Os heróis do thrash-metal, Slayer, jogaram a toalha este ano ao declarar aposentadoria. Mas o empresário do grupo revelou recentemente à revista Pollstar que ainda tem muito trabalho a ser feito, mesmo que a banda não toque junta novamente ou faça outro disco.
"Eles ainda têm endossantes, ainda há produtos e marcas para fazer - sincronizar licenças e quem sabe?", disse Kristen Mulderig, que trabalha no Rick Sales Entertainment Group ao se referir a próxima fase de Slayer como "modo legado".
A ideia do "o que vem a seguir?" rejuvenesceu o rock clássico do avesso. À medida que o rock clássico se move para próximo plano de existência, as possibilidades são infinitas.
"Todo mundo precisa pensar dessa maneira", diz Resnikoff.
"Todas as bandas abordam isso de uma maneira diferente, mas todas as bandas que possui uma herança têm a oportunidade de pensar muito diferente do que jamais fizeram e de trabalhar com as próprias músicas e contar histórias - os filmes são uma maneira, livros, documentários, e o streaming de vídeo também - para um público muito mais amplo e de maneira muito maior do que jamais puderam pensar. Em todos os aspectos deste negócio, as pessoas precisam pensar diferente do que veio antes".
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