Banda não apelou para clichês, passeou sem pudor pela discografia e conseguiu emocionar os 10 mil presentes na Arena Jeunesse na última sexta, 20
Lucas Brêda, do Rio de Janeiro | Fotos: Cabra Publicado em 21/04/2018, às 13h51 - Atualizado em 26/04/2018, às 19h42
Aconteceu na última sexta, 20, a primeira das duas edições brasileiras do festival Soundhearts, que vai a São Paulo, no Allianz Parque, no domingo, 22. De festival mesmo, contudo, o evento teve apenas o nome: o caráter da Jeunesse Arena, no Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, era mesmo de um show do Radiohead, com o público chegando majoritariamente na hora da apresentação dos britânicos, quando pelo palco já haviam passado o projeto Junun (do guitarrista do Radiohead, Jonny Greenwood) e o produtor Flying Lotus.
Amigo de Thom Yorke, Flying Lotus tinha nome para dividir a responsabilidade da noite com a atração principal, mas o produtor acabou passando quase completamente indiferente à plateia, com uma apresentação apagada e com cara de DJ set. Ele pouco apareceu fisicamente, já que o palco o bombardeou de luzes e imagens (no telão) tão frenéticas e lisérgicas quanto as batidas que ele evocava. Lotus passou pelas colaborações recentes e aclamadas com Kendrick Lamar (“Wesley’s Theory” e “Never Catch Me”) e Thundercat (“Friend Zone”), tocou uma versão trap do tema da série Twin Peaks e encerrou com “Na Boca do Sol”, do brasileiro Arthur Verocai, de quem ele é fã. Ele também fez uma aceno a Avicii, DJ e produtor de EDM sueco que morrera naquele mesmo dia.
Quase dez anos depois, o Radiohead voltou a subir em um palco brasileiro quando o relógio já passava das 22h. Os problemas de organização nos dias que antecederam o show foram muitos: a edição carioca do Soundhearts mudou de lugar, de data e depois voltou a acontecer na data que havia sido estipulada anteriormente. Houve pessoas que tiveram o ingresso “devolvido”, já que a pista da Jeunesse não comporta a quantidade de entradas vendidas para a pista do local anterior, o Parque Olímpico. Além destes problemas, o Radiohead sofreu com um som que chegou a apagar por alguns segundos (durante “Myxomatosis”) e embolar completamente a performance de “Everything in Its Right Place”.
Durante as quase 2h30 em que a banda esteve no palco, isso foi pouco perceptível. Líder do quinteto – no palco, um sexteto, com uma bateria/percussão a mais –, Yorke esteve em noite animada. Não só pela disposição em cantar e emendar as dancinhas esquisitas pelas quais ele é conhecido, mas o simples ato de ele ter ido diversas vezes ao microfone agradecer à plateia já é incomum para um grupo que é famosamente bastante reservado em termos de interações. O público também estava afiado – não era plateia mais maluca pelo Radiohead possível, mas os 10 mil presentes seguraram os coros, não dispersaram nas horas mais introspectivas e até cantaram de maneira comovente “Karma Police”, a derradeira do setlist, a capella, quando os integrantes já tinham até saído do palco.
O Radiohead é uma das bandas que melhor conseguiu envelhecer ao longo dos anos. Se a maioria dos grupos que tocam para dezenas de milhares tem de construir shows baseados nos sucessos do passado – as músicas “novas”, quase sempre, soam protocolares –, o Radiohead carrega consigo diversas facetas, dos clássicos roqueiros dos anos 1990, às mais eletrônicas e experimentais músicas dos anos 2000. O disco base da atual turnê, A Moon Shaped Pool (2016), entregou seis faixas ao setlist: a abertura reflexiva com “Daydreaming”, o trip-hop – de groove incrementado ao vivo – “Ful Stop”, “Identikit” – uma das mais animadas, com Yorke pulando para lá e para cá no palco –, a morna “Desert Island Disk” e “Present Tense”. “True Love Waits”, que já é conhecida há anos pelos fãs, apareceu em versão com Yorke ao violão, uma absoluta surpresa para quem estava no show do Rio de Janeiro, afinal, a música só havia sido tocada três vezes desde 2016.
O Radiohead foi vistoso de todos os ângulos, mesmo sem distrações baratas (não há nada como papel picado, “malabarismos” no telão, decoração, participação especial ou algo do tipo). A cada esquina do palco, algum dos seis músicos estava fazendo algo interessante com o próprio instrumento, seja coadjuvante ou protagonista na sonoridade de uma canção. Jonny Greenwood, multi-instrumentista, foi atração à parte: ele teve papel fundamental nas performances, indo do xilofone ao piano, passando por percussão (como em “Bloom”, de The King of Limbs), sintetizadores e principalmente a guitarra (os solos de “Paranoid Android” e o riff de “Bodysnatchers” soaram ainda mais vigorosos ao vivo). Nas faixas de In Rainbows (2007), a importância dos detalhes foram ainda mais perceptíveis e fizeram – junto com os agudos sentimentais de Yorke – até as faixas mais delicadas (como “Nude”, “All I Need”, “Reckoner” e a mais afiada de todas, “Weird Fishes/Arpeggi”) preencherem toda uma arena.
Os fãs dos anos 1990 se deliciaram com uma canção de The Bends (1995), “Street Spirit (Fade Out)”, e cinco faixas de OK Computer – que completou 20 anos e ganhou reedição especial em 2017 –, entre elas “Lucky”, “Let Down” e “No Surprises”, e também a dupla final, de “Paranoid Android” e “Karma Police”. Não era nem necessário, mas as duas (a primeira, um dos maiores hinos indie de todos os tempos) acabaram dando um final épico ao show, graças a colaboração do público, estrondosamente cantando os clássicos. Para os mais aficionados pela porção “eletrônica” do cancioneiro do grupo, teve “15 Step”, “Lotus Flower” e uma “Idioteque” em que Yorke botou todo mundo para cantar junto e em falsete.
No Rio de Janeiro, o Radiohead mostrou como uma banda de rock pode envelhecer sem perder a identidade, com um setlist que não viu “patinhos feios” na discografia, abordou as mais novas com abrangência, teve a quantidade suficiente de clássicos e ainda foi capaz de surpreender com “True Love Waits”. Não foi o show mais animado e passou longe do estereótipo roqueiro de arena de “karaokê coletivo” – dispensando todo tipo de apelações, clichês e declarações vazias de amor –, colocando a plateia sob a mesma sintonia ao visitar um espectro vasto de emoções, sem soar falso ou como uma repetição de padrões que deram certo. O Radiohead entendeu a complexidade de sentimentos e as mudanças que envolvem o envelhecimento e, por isso, consegue continuar relevante e emocionante depois de tantos anos.
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