Qual é o limite entre a busca por inspiração e a violação dos direitos autorais?
Redação Publicado em 15/02/2020, às 16h00
"Bons artistas copiam, grandes artistas roubam", dizia o artista plástico Pablo Picasso. Mas qual é o limite entre a busca por inspiração e a violação dos direitos autorais?
Vocalista da banda britânica de rock alternativo The Verve, Richard Ashcroft enfrentou uma disputa de 22 anos por usar um sample (de quatro segundos) da música "The Last Time" dos Rolling Stones em "Bittersweet Symphony". Cada centado que a música conseguiu foi parar no bolso de Mick Jagger e Keith Richards - Ashcroft ficou com as mãos abanando.
Somente em maio de 2019 ambos cederam ao pedido de Ashcroft e devolveram o direito de "Bitter Sweet Symphony" ao Verve. Ao ganhar o prêmio Ivor Novello por contribuir excepcionalmente com a música britânica, o cantor anunciou o fim da disputa e agradeceu imensamente aos membros dos Rolling Stones, cujo gesto de boa vontade não é muito comum dentro dos tribunais.
De amostras não licenciadas a melodias semelhantes, confira os 5 casos de plágio mais marcantes da história da música:
Rolling Stones e The Verve brigaram por 22 anos para saber a quem pertencia os direitos autorais de "Bitter Sweet Symphony", principal hit do Verve.
A faixa lançada em 1997 tinha um sample de "The Last Time", canção de 1965 dos Stones, e as notas tocadas na introdução foram base para um processo de plágio aberto pelo agente Allen Klein contra Richard Ashcroft, frontman do Verve.
Klein ganhou o processo a favor dos Rolling Stones, e desde então, cada centavo gerado por "Bitter Sweet Symphony" foi parar no bolso de Mick Jagger e Keith Richards. Estranho, já que a própria "The Last Time" é também uma cópia. A versão original do trecho foi escrita por The Staple Singers em 1956, e chama-se “This May Be The Last Time”.
Mas, em novembro de 2019, Jagger e Richards cederam ao pedido de Ashcroft e devolveram o direito de "Bitter Sweet Symphony" ao Verve. Em seu discurso no Ivor Novello Awards, o cantor anunciou o fim da disputa.
“Me dá muito prazer anunciar que no mês passado, Mick Jagger e Keith Richards concordaram em me dar a porção que têm em 'Bitter Sweet Symphony'. Essa reviravolta notável e vivida só foi possível por um gesto gentil e magnânimo [dos dois], que disseram terem ficado feliz por seus nomes terem sido retirados dos créditos, e todos os direitos autorais agora vêm para mim”, explicou Ashcroft.
Compare, abaixo, “Bitter Sweet Symphony” e “The Last Time”:
Em 2015, um júri em Los Angeles, Estados Unidos, condenou Pharrell Williams e Robin Thicke, compositores do hit “Blurred Lines” (2013) a pagar US$ 7,3 milhões (pouco mais de R$ 22 milhões na época) ao espólio de Marvin Gaye por plágio.
Os herdeiros de Gaye, assassinado em 1984 pelo próprio pai, processaram os artistas referidos por cópia de “Got to Give It Up”, gravada em 1977.
“Agora, me sinto livre. Livre das correntes de Pharrell Williams e de Robin Thicke, e das mentiras que foram ditas”, disse a filha do cantor, Nona Gaye.
Pharrell Williams e Robin Thicke compareceram ao tribunal para se defender. Na ocasião, Williams chegou a admitir que quando se ouve as duas músicas, “parece que você está tocando a mesma coisa”. Ainda assim, sustentou que não se tratava de plágio.
Thicke cantou e tocou piano diante dos jurados e disse que estava intoxicado quando deu declarações anteriores sobre a influência de Marvin Gaye na composição da polêmica faixa. O músico ainda afirmou estar enganado ao reivindicar parte do crédito da autoria dela.
Em entrevista publicada pelo The Financial Times, Pharrell disse que a condenação obstrui todo tipo de produção artística.
“O veredicto limita qualquer criador que está por aí fazendo algo que pode ter sido inspirado em outra pessoa. Isso vale para moda, música, design... Tudo. Se perdermos nossa liberdade de sermos inspirados, um dia vamos acordar e a indústria do entretenimento estará congelada por disputas. Isso tem a ver com proteger o direito intelectual de pessoas que têm ideias.”
“Tudo que está em volta de você em uma sala foi inspirado por algo ou alguma coisa. Matando isso, não existe mais criatividade”, completa o rapper.
Compare, abaixo, “Blurred Lines” e “Got to Give It Up”:
Um dos casos mais bizarros da indústria da música foi quando John Fogerty, fundador e ex-líder do Creedence Clearwater Revival, foi acusado de plágio pela Fantasy Inc., antiga gravadora da banda, em 1984.
Apõs a separação da banda em 1972, Fogerty voltou ao centro das atenções com o single "The Old Man Down the Road" - presente no terceiro álbum de estúdio solo do músico, Centerfield (1985).
Tendo renunciado aos direitos de uso e publicação das músicas antigas do Creedence, o falecido Saul Zaentz, então dono da gravadora, alegou que o músico havia copiado seu próprio hit, "Run Through the Jungle", com o mesmo refrão, apenas com letras diferentes.
Em 1993, Fogerty finalmente venceu essa batalha. Levou o violão para o banco das testemunhas e tocou trechos de ambas as músicas para convencer a corte de que seu estilo de 'rock do pântano' pode fazer com que diferentes composições soem semelhantes, mas eram faixas distintas.
"O que está em jogo é se uma pessoa pode continuar usando seu próprio estilo à medida que cresce e continua pela vida", disse ele à Rolling Stone EUA. "Sinto Lennon, Dylan, Bruce Springsteen, Leiber e Stoller em pé atrás de mim dizendo 'Johnny, não estrague isso'."
Compare, abaixo, “The Old Man Down the Road” e “Run Through the Jungle”:
Especulações circulavam pela internet sobre um suposto processo envolvendo Radiohead e a cantora Lana Del Rey. A banda, liderada por Thom Yorke, estaria processando a artista por plagiar “Creep” na faixa “Get Free”, presente no álbum Lust for Life, que Lana lançou em julho de 2017.
Em janeiro de 2018, a cantora confirmou os boatos no Twitter, dizendo que “apesar de eu saber que minha música não foi inspirada por 'Creep', o Radiohead pensa que foi, e quer 100% [dos direitos] de publicação. Ofereci 40% ao longo dos últimos meses, mas só aceitam 100%. O advogado da banda tem sido persistente, então resolveremos a questão no tribunal.”
O curioso é que o próprio Radiohead passou por uma situação semelhante ao ser processado pelos músicos Albert Hammond e Mike Hazlewood por plagiar “The Air That I Breathe”, da banda The Hollies, na própria faixa “Creep”. O Radiohead admitiu as semelhanças entre a melodia e a estrutura dos acordes das duas músicas e concordou em adicionar o nome dos dois compositores aos créditos.
Compare, abaixo, “Get Free”, “Creep” e “The Air That I Breathe”:
A parceria entre o Queen e David Bowie em 1981 resultou no single "Under Pressure", que se tornou o segundo hit número um do Queen no Reino Unido e o terceiro de Bowie.
Mas quando o rapper Vanilla Ice lançou a música "Ice Ice Baby" em 1990 com a linha de baixo clássica de John Deacon, os músicios Bowie, Brian May e Roger Taylor deram entrada em um processo contra Van Winkle, pois ele não tinha licença para utilizar a melodia-base de "Under Pressure".
Na época, Ice alegou que as duas composições eram diferentes, pois ele acrescentou uma nota adicional à linha de base - embora mais tarde ele afirmasse que estava brincando.
Ice foi processado por violação de direitos autorais e o caso foi resolvido fora dos tribunais, com Bowie e Queen recebendo uma quantia não revelada e o crédito de compositor. Baterista do Queen, Taylor, brincou uma vez: "Eu não gosto muito da música. Ele é um rapper branco da Flórida ... Com um corte de cabelo engraçado."
Compare, abaixo, “Ice Ice Baby” e “Under Pressure”:
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