- Ian Curtis no início do Joy Division (Foto: Reprodução/Facebook/Jonathan Crabbs)

A rápida, dolorosa e reflexiva vida de Ian Curtis, do Joy Division - 40 anos após o suicídio

O vocalista do Joy Division se suicidou aos 23 anos, depois de uma destruição precoce por depressão e epilepsia

Yolanda Reis Publicado em 18/05/2020, às 07h00

Ian Curtis era uma dessas crianças com alma antiga. Desde muito pequeno, interessava-se pelas tormentas da alma e pelas palavras. Aos 11 anos, o talento foi reconhecido e o menino ganhou uma bolsa de estudos na King's School, colégio fundado em 1502 e conhecido pelos ilustríssimos pupilos.

Na vida escolar, Curtis mostrou imenso interesse em filosofia e literatura, principalmente poesia. Um dos seus autores favoritos era o poeta Thom Gunn, conhecido por explorar medo, depressão, drogas, amor e vida boêmia. Durante todo o ensino médio, o músico impressionou com seus trabalhos, e ganhou vários prêmios.

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Durante os anos da juventude, Curtis também mostrava grande interesse em música, principalmente em letras. Amava The Doors e David Bowie, e tantos artistas considerados estranhos. Não tinha dinheiro para comprar os discos, então os roubava.

Apesar das notas excelentes e notoriedade acadêmica, Curtis abandonou os estudos por amor à arte. No final da adolescência e início da vida adulta trabalhou, durante um tempo, em uma loja de discos - mas preferiu a estabilidade do serviço público, e serviu como assistente durante mais uns meses.

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Casou-se cedo, aos 19 anos, com Deborah Woodruff, de 18. Era 1975, e Curtis estava infeliz com o trabalho no governo. Começou a pensar mais seriamente em voltar-se completamente para a música. A oportunidade apareceu quando, em 1976, foi a um show dos Sex Pistols, no auge da explosão do punk britânico.

No meio da plateia, encontrou três colegas de escola: Bernard Sumner, Peter Hook, e Terry Mason. Formavam uma banda, e procuravam um vocalista. Ian Curtis se prontificou - podia cantar, e também escrever as músicas, se quisessem. Com o grupo completo, começaram os ensaios. Mason, inicialmente baterista, não era dos melhores - e resolveu virar o empresário. Stephen Morris pegou as baquetas em 1977, e aqui temos a formação clássica.

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Joy Division refletia os ânimos de Ian Curtis. O som post punk soava taciturno. As letras, realistas, reflexivas, pessimistas e melancólicas. A banda apresentou-se para o mundo em 3 de junho de 1978, com o EP An Ideal for Living. Não fizeram muito sucesso, embora começassem a bater ponto na cena underground da Inglaterra.

Em 27 de dezembro de 1978, pouco após o Natal, Joy Division fez seu primeiro show importante, no Hope and Anchor, Londres. Só 30 pessoas apareceram no porão pequeno, escuro e gelado (entre elas, o fotógrafo Jonathan Crabb e sua câmera descartável, o único registro conhecido da noite). Deveriam fazer outra apresentação depois de algumas horas - mas, no lugar, iniciou-se o verdadeiro inferno na vida de Curtis.

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Logo após o show, Ian Curtis teve um episódio epiléptico. A banda estava dentro de um carro. Tiveram que parar o veículo para Bernard e Gillian poderem segurar o colega na rua. Depois disso, a cada dois dias, em média, Curtis tinha um violento ataque. Um mês depois, foi diagnosticado com epilepsia severa. Os médicos previram que "a vida dele seria guiada à obsolência” por causa da condição.

Ian Curtis tinha, então, 22 anos. Esperava uma filha, Natalie, com a esposa. Assim que foi diagnosticado, filiou-se à British Epilepsy Association (associação britânica de epilepsia), e conversava sobre a condição para criar consciência. Começou um tratamento com drogas pesadíssimas… Mas não adiantavam. Mesmo medicado, o músico tinha episódios semanais.

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Começou a ficar mais fechado e desesperançoso. A exceção do desalento era quando os médicos trocavam a medicação. Nessas ocasiões, ficava bem feliz - e a combinação das drogas com o entusiasmo, acredita a então esposa, Deborah, ajudavam Curtis a controlar as convulsões. Quando alguma delas vinha, porém, era um golpe na esperança - e semanas mais depressivas. 

Joy Division, em abril de 1979 - quatro meses após o começo da epilepsia de Curtis - começou a gravar Unknown Pleasures. O disco foi lançado em 15 de junho daquele ano, e o quarteto fazia uma turnê pela Grã-Bretanha para divulgá-lo. Foi uma prova infernal para o vocalista, pois começou a convulsionar no palco. Os episódios eram cada vez mais frequentes, agressivos e incontroláveis. Sentia medo de subir ao palco, pois raramente saía deles sem ter um episódio.

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Ian Curtis sentia-se no fim da linha. Afogava as mágoas em remédios, álcool, cigarros, revirava-se na cama com insônia. Tudo isso só piorava o quadro da doença. Os médicos reforçavam os remédios, e os químicos aumentavam a depressão, ansiedade e variação de humor de Curtis. Era um paradoxo destrutivo para o músico.

Os familiares e amigos de Ian Curtis começaram a perceber a mudança destrutiva no comportamento do músico. Era grosso com todos. Distanciava-se. Quando a filha nasceu, ema abril de 1979, não quis segurá-la - ele, e muitas pessoas em volta, tinham medo que ele tivesse um ataque e machucasse a bebê.

Em agosto daquele ano, quatro meses após virar pai, o músico começou a ter um caso com a jornalista Annik Honoré. Amava-a. Mas também amava Deborah, sua esposa. Via-se numa encruzilhada, não sabia o que fazer. Afastou-se dos colegas de banda para ficar com Honoré - pois eles não aprovavam o relacionamento. No começo de 1980, Curtis escolheu o casamento. Porém, falhou em abandonar a amante, e Deborah pediu o divórcio e afastou-se do marido, levando a filha com ela.

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Com a vida pessoal em ruínas, a saúde física e mental debilitada, e a incapacidade de fazer shows ou gravar músicas, Ian Curtis cedeu. Em 17 de maio de 1980, chamou Deborah para uma conversa séria. Pediu para que desistisse do divórcio. Ela se recusou - mas viu que ele não estava bem, e resolveu dormir com ele aquela noite. Inicialmente, Curtis aceitou a companhia - mas mudou de ideia, e pediu para a esposa o deixar sozinho e voltar pela manhã.

Curtis informou Deborah que não o veria mais, provavelmente, pois às 10h do diaseguinte,  tomaria um trem. Encontraria os colegas de grupo, pois o Joy Division viajaria para a primeira turnê nos Estados Unidos naquele dia. O objetivo era promover a banda para o lançamento de Closer, segundo disco (programado para ser lançado em julho de 1980).

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Deborah fez o que Curtis pediu. Respeitou o desejo dele de ficar sozinho, e foi para casa dos pais dela. Voltou de manhã para o apartamento. Encontrou o corpo do marido na cozinha. Ian Curtis se enforcou com um varal. Deixou uma carta de suicídio, escrita enquanto ele olhava fotos da esposa e da filha.

Nos anos seguintes, Deborah e os outros integrantes do Joy Division exploraram a decisão fatal de Ian Curtis. A viúva revelou confissões feitas a ela sobre o temor de voar até os Estados Unidos para uma série de shows. Curtis tinha medo de avião - e pavor de sofrer ataques epilépticos na frente de uma plateia diferente - e não ser aceito por isso. A ansiedade da recepção (possivelmente) negativa dos norte-americanos o sufocava. A culpa pela traição e incapacidade de se afastar de Honoré também o consumia.

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Já os colegas do Joy Division (que, depois de lançar Closer como disco póstumo anunciaram o fim da banda e consequente formação do New Order) lamentam não ter percebido o pedido de ajuda constante de Ian Curtis nas composições aflitivas das músicas. Mesmo com Curtis escondendo a seriedade da condição de todos, os colegas pensam como poderiam ter feito mais na luta contra a depressão.

Ian Curtis se suicidou no dia 18 de maio de 1980. Seu corpo foi cremado, e as cinzas ganharam um memorial no Cemitério de Macclesfield. Uma lápide, com as inscrições "Love Will Tear Us Apart" (faixa de Closer) marca o local.


No Brasil, para ajudar pessoas com pensamentos suicidas, há o Centro de Valorização da Vida. Pode ser encontrado no telefone 188 ou no site https://www.cvv.org.br/.

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