O ingresso para o show no Rio, em 1982 - Reprodução

Rio, 1982: a celebração do bom e velho rock'n'roll

Fabio Massari lembra o show do Police no Maracanãzinho

Redação Publicado em 05/12/2007, às 12h06 - Atualizado às 12h45

Veja nossa matéria de capa sobre a reunião do Police, que, Sting jurou, jamais aconteceria

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Agora não deve existir melhor lugar do que esse no ginásio - aboletado estrategicamente na grade da arquibancada, pernas balançando sobre a arena em polvorosa. É que por alguns instantes as atenções estão voltadas aqui para cima. A arquibancada está tranqüila, com focos resistentes espalhados aqui e ali na iluminação estroboscópica de suas oferendas de escolha. Mas, eis a poesia, tinha uma corda no teto do Maracanãzinho. E no ato evidente de um empreendedor festivo a corda se transformou em cipó para que destemidas tribos de antepassados indie atacassem de tarzans e passassem a cruzar o espaço do ginásio, em manobras radicais de longo alcance e de destrambelhadas evoluções. Para delírio da galera, claro. Tudo muito rápido, mas intenso, principalmente a partir do momento em que o divertido passou a ser mesmo torcer para que a rapaziada despencasse das alturas sufocantes da arena, só para ver qual tipo de abordagem a segurança iria usar nos elementos paracircenses. Uma noite quente no Rio de Janeiro, com todos os seus 40 graus estampados, e empapados de suor na camiseta escura do vocalista. Logo aqui embaixo, o couro come no palco. Iluminação simples de matizes rasta. Time de metais dando o tempero com discrição e esperteza. E, para a alegria dos - aqui é nebuloso - 4, 5 mil presentes, um verdadeiro supergrupo em plena forma, fazendo uma certa história. Esse pode não ter sido um "show que mudou o mundo", como se diz daquele Sex Pistols em Manchester; ou, mais na nossa cartografia, o Nirvana no Morumbi, em 1993. Mas, nesse 16 de fevereiro de 1982, o Police, ainda que de maneira fugaz, nos iluminou no Maracanãzinho. Para além da música, a presença da banda no Brasil, nesse momento, nos deu uma sensação praticamente inédita de, com o perdão da palavra, modernidade. De frescor, de novidade... Foi a captação, a sacação coletiva, ao vivo e com riffs e coros, do tal do zeitgeist do pop planetário. Durante um par de horas, fizemos parte do mundão dos bons sons.

O "precedente" já fora aberto, já tínhamos recebido visitas internacionais legais (o que absolutamente não quer dizer "rota"): Alice Cooper, Genesis, Peter Frampton e Tosh, Queen... Mas o Police chegava com a bola toda - à parte divagações acerca da "decadência" ou não das bandas que "encaravam" visitar o país nas antigas. Ainda que a proximidade com o punk fosse torta (o primeiro single é da safra 77, mas o que pegou foi fazer o tal do comercial de chiclete fantasiado de punk), tinha lá seu apelo. Mas, no âmbito da tal da new wave, eram artífices consagrados. Pragmáticos e programáticos, beleza. Mas com habilidade pop inegável. O Police que chegava heroicamente ao Brasil em 1982 já era a "banda da década", já emplacara uma seqüência de hits nas paradas do planeta e já vendera um parzinho de milhões de cópias com seus quatro álbuns até então.Tinham moral. Até com a NME já tinham seus problemas, o que é sempre sintomático. Numa resenha do disco Ghost in the Machine (de 1981), publicada pelo semanário dois meses antes da visita brasileira, o craque Charles Shaar Murray desanca o disco e as habilidades compositivas de Sting, tirado de chato. Mas concede a pérola ao dizer que pelo menos sonicamente a coisa está melhor: "parecem o cruzamento de Bee Gees com um Yes reggaeficado".

E no Brasil tinham torcida. As bolachas, isso, os discos, circulavam, as rádios tocavam várias e direto (e algumas até demais), e a mídia conferia. Me lembro - "mas não quer dizer que eu lembre direito! (U. Eco)" - de certa comoção no cenário com o anúncio brusco da visita à América do Sul, Brasil incluído. É curioso perceber que, eventual e retrospectivamente, o show é lembrado com pouco caso. Informação. Memória. Brothers and sisters, eu vi. Eu estava lá e, podem acreditar, foi uma balada memorável. Para uma apresentação de quase 90 minutos, foi uma parada intensa. Com pouca conversa entre as músicas - sequências de duas, três emendadas -, pouco português e muito "iô- iô" cortesia do elétrico e aeróbico Sting (aquela dancinha!), o Police despejou seu pop arteiro de angulações reggae-desnatado sem dó e sem medo de errar. Apesar das indefectíveis tretas técnicas (as sutilezas guitarrísticas de Andy Summers se perderam), era visível a felicidade da banda. O batera cabuloso Stewart Copeland era só simpatia, destruindo seu aparato com suingue contagiante. E a galera cantava. Do começo demolidor de "Message in a Bottle", "Every Little Thing She Does Is Magic" e "Spirits in the Material World" aos últimos acordes do segundo bis. Curtição total nos interlúdios mais viajantes, como em "Walking on the Moon". Mas não tem alívio. Arranjos mais enxutos e pau na máquina. Um "best of" para as gerações futuras em ritmo de rock urgente. "Roxanne" foi ovacionada e emocionou. E lá no final, com "So Lonely", o Maracanãzinho parecia o... Maracanã! A massa em delírio, um grito extático... São só aquelas coisas do bom e velho rock'n'roll.

Nesta quinta-feira, 6/12, você lê, na íntegra, a matéria "Londres, 2007: explosivos e desentrosados, com músicas que ainda soam originais", sobre o show do Police na Inglaterra, neste ano

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