O show desta quarta, 22, no Studio SP, contagiou plateia que, há poucas semanas, não fazia ideia da existência da banda
Por Anna Virginia Balloussier
Publicado em 23/04/2009, às 20h33Assistir a um show do Heavy Trash é como embarcar numa daquelas locomotivas barulhentas que cortavam os Estados Unidos nos anos 1950, carregando uma geração de maltrapilhos (e com orgulho) prestes a encostar topetes no topo das paradas musicais com esse tal de rock 'n' roll. A cada estação, embarcam gêneros e décadas diversas. Há doses mais comportadas do free jazz gutural de John Zorn, flertes com o blues, acento folk à la Woody Guthrie, e, claro, a indefectível pegada punk - afinal, é de Jon Spencer que estamos falando. Mas o projeto mais novo do líder do cultuado Blues Explosion tem como parada final o mesmo ponto de partida, e isso fica claro já nos primeiros twists (tanto na guitarra como nos quadris): é rockabilly. Descarado, visceral, contagiante rockabilly.
Spencer deixou de lado sua eterna cruzada pelo inesperado. O músico, que na década de 1980 sacudiu o underground norte-americano à frente da banda Pussy Galore, contou, em entrevista ao site da Rolling Stone Brasil, que atualmente a sede pelo inédito diminuiu. "Me preocupava bem mais com o que era novo, experimental; em ir até o limite e empurrá-lo mais um pouquinho. Hoje, me interesso mais pelo que as pessoas têm a dizer. Se o cara está sendo sincero com seu próprio coração, para mim é o que vale."
Formado por Spencer e Matt Verta-Ray, do Speedball Baby - com dois integrantes do grupo dinamarquês Powersolo assumindo bateria e contrabaixo -, o Heavy Trash se apresentou nesta quarta, 22, no Studio SP, após shows em Curitiba, no festival pernambucano Abril Pro Rock e pelo interior do Estado de São Paulo. Por volta da 0h20, a banda começou a despejar seu rock dos tempos da vovozinha (do tipo que ia para o baile dançar o Honky Tonk) com "She Baby". O repertório incluiu faixas como "Kissy Baby", "Bumble Bet" e "Yeah Baby" e foi comprimido em menos de duas horas de show. Porque com o Heavy Trash é assim: nada de intervalos longos, nenhuma balada e zero firulas experimentais.
Se neste universo o tamanho das costeletas é documento, as do astro da noite ainda eram pintinho perto da crista do "galo" Elvis Presley. Não seja por isso: o sempre estiloso Mr. Spencer compensou com topete monstro e terno de veludo vinho por cima, golas e punhos de blusa em estampa retrô saltados para fora.
No palco, ele não para quieto. Volta e meia ameaça cair de joelhos, para então içar as juntas ao ar como se fosse o John Travolta do rockabilly. A interação com o público começou a aquecer por volta do meio do show, naquele típico jogo "eu falo 'aaa', vocês falam 'ooo'". A plateia - que, em sua maioria, achava "o tal Jon Spencer um cara bacana, aquela Blues Explosion é demais", mas até ontem mandaria um "Heavy Trash? Quem?" à primeira citação sobre a banda - colaborou com prazer. Mesmo pouco íntima do setlist, ela já estava ganha desde o primeiro acorde.
As faixas, tiradas dos dois álbuns lançados pela dupla, Heavy Trash (2005) e Going Way Out With Heavy Trash (2007), vêm forradas por uma linha instrumental crua. O contrabaixo era dedilhado com vontade; a bateria não se dava ao trabalho de soar brilhante - bastava fazer um bom trabalho. O violão de Spencer e a guitarra semi-acústica de Verta-Ray apresentaram um som que pode ser considerado das antigas, mas que ainda agrada as novas gerações.
Como groupie e rock 'n' roll andam sempre juntos, lá para o meio do show, uma fã convocava meninas ao lado: "Se você tirar, eu tiro!". Nada feito: o rock podia ser de peito aberto, mas as blusas continuaram abotoadas. Outra afobadinha subiu ao palco e tascou um beijo na bochecha de Spencer - que ficou impassível à demonstração de afeto. Apresentação finda e um grupo de pessoas sobe ao palco e arranja briga com o baterista - aparentemente, queriam levar para si as baquetas do músico. O quebra-quebra estava à beira de se concretizar quando Spencer veio com panos quentes.