Festival em Recife completa dez anos com edição recheada de bons nomes da música independente nacional, como Rafael Castro, Hurtmold, Claudio N e Juvenil Silva
Pedro Antunes, do Recife Publicado em 19/10/2013, às 12h27 - Atualizado em 25/10/2013, às 22h08
Se fosse uma competição, Cícero levaria a melhor diante de Rodrigo Amarante. As duas principais atrações da primeira noite do festival No Ar Coquetel Molotov, realizada no Centro de Convenções da UFPE, em Recife, foram as responsáveis pelos momentos de mais histeria da tarde e noite desta sexta-feira, 18. Em uma metáfora com uma disputa de boxe, o cantor e compositor mais jovem ganharia por pontos, em uma luta difícil, por ter conseguido arrecadar mais vozes ao coro durante a sua performance.
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O simpático Coquetel Molotov mostrou organização e qualidade na curadoria de bandas para esta edição especial – são dez anos de festival, comemorados em 2013. Foram montados dois palcos no espaço cedido pela Universidade Federal de Pernambuco. O acolhedor Red Bull Music Academy Stage, dedicado às novidades e apostas, e no imenso e aconchegante Teatro da UFPE. No espaço entre eles, foram montadas barracas para venda de camisetas, discos, comes e bebes (a cerveja era vendida a um justo valor de R$ 4, enquanto hot-dogs eram encontrados por R$ 6; a fatia de pizza custava R$ 5).
A primeira parte do festival, toda hospedada no Academy Stage, tinha entrada gratuita e trouxe um público mais heterogêneo e curioso para assistir aos shows. O espaço, pequeno como uma caixa de sapato ampliada, colocava público e bandas frente a frente. Foi somente na terceira apresentação do dia, com uma vibrante performance de Rafael Castro, que o gelo foi quebrado. Antes dele, vieram o paulistano Maurício Fleury e Claudio N, músico local acompanhado por uma banda competente que une o brega e guitarras de rock brasileiro setentista. Houve ainda tempo para uma canção de David Bowie, “Let’s Dance”, com direito a uma amostra de todo o molejo do vocalista, batucando como James Murphy, do LCD Soundsystem. Foi com Rafael, contudo, e suas canções dos discos gravados artesanalmente, em casa, o público se sentiu realmente à vontade para cair na farra e dançar junto – no fim do show, ele e os músicos ainda arremessaram os instrumentos no chão, para alegria dos presentes.
Por fim, encerrando as atividades naquele palco, a banda Team Ghost, primeira atração internacional do festival nesta edição, trouxe um rock de gelar o coração, cantando desamores bebendo de uma fonte direta de Ian Curtis, líder do Joy Division. Esteticamente, contudo, o som do grupo é marcado pelo peso das guitarras do post-grunge e de linhas hipnotizantes vindas do sintetizador.
“Se ainda estivesse no M83, estaria rico”, brinca o vocalista do Team Ghost.
Histeria no palco principal
Ainda que tenham feito apresentações bastante competentes, o músico local Juvenil Silva e os paulistanos Hurtmold, primeira e terceira atrações no Teatro da UFPE, acabaram ofuscados pelo brilho de Cícero e Rodrigo Amarante, aparentemente, os grandes responsáveis pelos cerca de 4 mil presentes na primeira noite do festival.
Cícero foi ainda mais ovacionado pelo público - talvez pelo horário, já que Amarante subiu ao palco somente depois das 2h. Com dois discos na praça, Canções de Apartamento e Sábado, ele se mostra carismático e tímido diante do calor vindo das cadeiras do teatro – ainda que poucos tenham ficado sentados durante o show. “Desculpem-me por qualquer coisa, é que eu estou nervoso”, disse ele, ao microfone. “É uma honra tocar em Recife, a terra do meu avô”, completou.
Foi de Canções que vieram os momentos mais emblemáticos da noite, com “Vagalumes Cegos”, “Açúcar ou Adoçante” e “Tempo de Pipa”. As vozes da plateia sobrepujavam o cantarolar suave do jovem músico carioca, tal qual se é visto em apresentações do Los Hermanos, banda tida por Cícero como uma das suas grandes influências – as semelhanças não são estão apenas nos fãs, mas, também, na própria construção das melodias dele.
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O relógio já passava das 2h quando Amarante subiu no palco, com a pressão de fazer melhor do que o “aprendiz” Cícero. Com um repertório basicamente focado na carreira solo – não, ele não tocou canções dos Hermanos, apesar de alguns pedidos vindos da plateia -, ele fez uma performance intimista, exibindo os arranjos delicados e a voz manhosa ouvida em Cavalo, o debute dele recém-lançado.
“Saudade, eu te matei de fome / E tarde, eu te enterrei com a mágoa”, começa Amarante, com a faixa “Irene”. O trabalho lida com a solidão e a “saudade boa” de um exílio voluntário do músico, que deixou o Brasil para viver em Los Angeles, nos Estados Unidos. No palco, o disco ganha mais corpo e, aqui e acolá, ainda é esquentado pelo público fiel dele, conquistado desde os tempos de Los Hermanos. “Nada em Vão”, a energética “Hourglass”, a festiva “Maná” e “O Cometa” são executadas com suavidade e carinho, enquanto Amarante derrete-se em elogios ao público local. “Ah, Recife!”, repete ele algumas vezes durante o show. “Cavalo”, faixa que dá nome ao disco, com o músico sentado ao teclado, é a mais intimista e sombria do show.
Quando Amarante se despede, as luzes se ascendem, mas grande parte do público permaneceu ali. Eles queriam mais e, solícito, Amarante voltou sozinho para executar a bela “Evaporar”, presente no álbum do Little Joy, banda formada por ele ao lado de Fabrizio Moretti (baterista do Strokes) e Binki Shapiro. Contemplativa, a plateia ainda presente aplaudiu, feliz. Ao se despedir do público, Amarante viu uma menina surgir no palco para abraçá-lo. Depois veio outra. E outra. E outra, até ele, simplesmente, sumir entre braços do público. Curiosamente e coincidentemente, Amarante e Cícero criaram seus trabalhos na solidão, mas o público mostra que, não, eles definitivamente têm companhia.
Neste sábado, ocorre o segundo e último dia do festival No Ar Coquetel Molotov, com as participações de Grassmass, Opala, Memória de Peixe, Karol Conká, Bixiga 70, Perfume Genius, Metá Metá e Clarice Falção.
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