O ex-baixista do Pink Floyd se apresentou no Engenhão na última quinta, 29
Carlos Eduardo Lima, do Rio de Janeiro Publicado em 30/03/2012, às 11h51 - Atualizado às 19h08
Roger Waters era um popstar atormentado de 35 anos quando escreveu praticamente todas as canções de The Wall. Era 1979, o ano do início da era Thatcher, um tempo estranho e distante de hoje. Waters e seus colegas de Pink Floyd experimentavam o fundo do poço em termos de relacionamento, a tal ponto que poderíamos dizer que o álbum duplo que lançaram no fim daquele ano era muito mais um disco solo de Waters do que um disco colaborativo. Ainda que David Gilmour, Ricky Wright e Nick Mason tenham tido participações importantes, não seria totalmente errado atribuir ao baixista e cantor principal do Floyd a autoria da própria experiência proposta por The Wall, com o status de eminência parda indo para o produtor Bob Ezrin, um grande colaborador do disco, esquecido totalmente.
Pode parecer complicado, mas a mistura de múltiplos dramas pessoais autobiográficos (trauma pela morte do pai,desentendimento com a mãe e com a esposa, opressão escolar, barra pesada com drogas, vazio existencial pela vida sob os holofotes e niilismo total pelo futuro) com a abordagem sonora do Floyd rendeu a The Wall um lugar cativo entre os discos mais vendidos da história, com cerca de 30 milhões de cópias.
Por conta das limitações tecnológicas da época do lançamento, o Pink Floyd excursionou pouco com a turnê de The Wall, fazendo raros shows em poucas cidades. Desse jeito, a passagem pelo Brasil da atual excursão mundial de Roger Waters, totalmente dedicada ao disco, é um fato a ser celebrado, principalmente porque é um espetáculo absolutamente acachapante e que não pode ser deixado para lá. No show realizado no estádio do Engenhão, Rio de Janeiro, na última quinta, 29, todo o conceito de The Wall é levado ao palco, seja a parte visual - personificada na famosa construção e destruição do muro que fica entre a banda e Waters, a reprodução de trechos do filme de 1982 baseado no disco e dirigido por Alan Parker, além de efeitos especiais de última geração, projeções impressionantes num telão realmente grande, no caso, o próprio muro -, bem como a parte musical, na qual a banda escolhida pelo baixista (com doze pessoas) é capaz de reproduzir todos os sons, ruídos e efeitos contidos no disco original.
Momentos iluminados aparecem com "Another Brick In The Wall Part 2", cantada por um Engenhão mesmerizado, com a sequência emocionante de "Mother", "In The Flesh", passando por um percurso deslumbrante até a construção total do muro, que marca um intervalo de 15 minutos e o fim do antigo disco 1.
A volta também assinala o início do segundo volume, que tem como destaques "Run Like Hell", "Confortably Numb", "Goodbye Cruel World" e a apoteose opressiva de "The Trial". Waters ainda encontra tempo para homenagear desaparecidos em conflitos diversos ao redor do mundo e arranca aplausos ao lembrar do assassinato de Jean Charles de Menezes pela polícia inglesa (momento no qual, em português, ele lembra das vítimas do terrorismo de estado, referindo-se a seu próprio país), além de mostrar vídeos, animações e sons de guerra, aviões, helicópteros, o famoso porco voador, o avião que se espatifa no muro, grafismos, palavras de ordem, tudo perfeitamente encadeado e fazendo sentido.
Alguns até podem acusá-lo de megalomania e oportunismo, mas não dá pra negar o esmero com que The Wall está correndo o mundo e faturando os tubos para Waters, com uma audiência estimada em cerca de dois milhões de pessoas ao redor do planeta. É rock de um tempo que já passou, ouvido em vinil, levado a público em megaconcertos em grandes espaços, mas que ainda fascina por teimar em ser atual e sincero, ainda que nem todos consigam juntar os traços do desenho. Demais para esse século tão sem sal.
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