Estilista mineiro é aplaudido de pé ao propor Disneylândia nada inocente na São Paulo Fashion Week
Por Anna Virginia Balloussier Publicado em 22/06/2009, às 20h17
Ronaldo Fraga é meio estilista, meio personagem. Circula pelo espaço tal qual um garoto propaganda de Salvador Dalí, com bigode páreo ao do artista surrealista - como se as extremidades tivessem sido fisgadas por um anzol e içadas ao céu. Vê o mundo através de gozados óculos de aros pretos, enquanto afana seu moicano esbranquiçado e alisa o cavanhaque castanho escuro.
Esse mineiro tão distinto vem sendo, por consecutivas temporadas, responsável pelos desfiles que mais embasbacam o público da São Paulo Fashion Week. Adepto da moda mesclada à crítica social, trouxe, na edição de inverno, em janeiro, cast formado exclusivamente por modelos da terceira idade, além de algumas crianças que pareciam saídas da praça de alimentação do shopping. Agora, cinco meses depois, para apresentar sua coleção de verão, em pleno domingo no parque - o Ibirapuera, no caso, no Pavilhão da Bienal -, Fraga chamou de volta as modelos magras, altas e com rostos de fazer Michelangelo criar uma nova Capela Sistina especialmente para elas. E, para o espanto de muitos, um tema que soava anti-Ronaldo demais para ser verdade: Disneylândia.
Mickeys, Patetas, capitalismo, consumismo e famílias de bochechas vermelhas e gordinhas torrando seus dólares em lanches fast-food tamanho maxi. Era isso mesmo que Fraga iria propor para seu verão? Ele, que no passado já se confessou fã de clássicos da Disney como Bela Adormecida, deixaria o lúdico prevalecer sobre o engajado? Longe disso. Já na entrada da sala, os convidados iam se tocando que a Disney do estilista pouco tinha a ver com os fantasiosos símbolos do universo criado há 85 anos por Walt Disney.
A cenografia contou com uma superestrutura que emulava uma vila aos pedaços - "que pode ser no México, no Jardim Ângela [em São Paulo] ou em qualquer canto da América Latina", esclareceu o estilista após o desfile, no backstage. O esqueleto do que, no passado, teria sido uma construção. Bandeirinhas sombrias, picotadas no padrão de caveiras, foram estendidas de uma ponta à outra. A intenção era, justamente, pôr na ratoeira a noção de que os povos latino-americanos só são felizes se plenamente adaptados ao american-way-of-life. Desta vez, o rato Mickey roeu mesmo foi a roupa do Tio Sam.
O criador explicou sua criatura: "Pensei em uma vila pós-tornado, furacão, tsunami". Estávamos, pois, diante de um Fraga apocalíptico? Não exatamente. "O que sobra depois disso? Uma cultura resistente. Depois da crise, são 15 milhões de mexicanos voltando para o México."
As referências iam da Festa dos Mortos (tradicional festejo mexicano), passavam pelo Carnaval de Olinda e desembocavam nos artesanatos colombianos - feitos há séculos e, agora, "com Mickeys grafitados", como Fraga observou em uma viagem à região. "A cultura secular somada à iconografia dominante. Não estou dizendo se é certo ou errado. Precisam vender. É o mundo real. Tudo virou uma grande Disneylândia". Em suma: a América para os americanos. Todos eles. Do norte ao sul.
É com o universo desse "Mickey Ratón" que Fraga simboliza a busca de um green card para a dignidade. As roupas-manifesto têm peças que lembram toalhas de mesa vazadas, típicas da cultura latino-americana. As modelos vieram com dois coques gigantes e rechonchudos no topo da cabeça, remetendo simultaneamente à artista mexicana Frida Kahlo e às orelhas do mascote da Disney. Um dos colares trazia o mesmo ratinho - com feições cadavéricas e corpo de esqueleto. Outro traz vários passaportes pendurados em uma corrente de metal. Os sapatos - pedaços de pano amarrados como se fossem trouxinhas - lembravam marmitas ("elementos que varremos para debaixo do tapete, por vergonha"). Por fim, os modelos traziam borrões coloridos como maquiagem. Uma forma de mostrar, por assim dizer, que a interação entre dominantes e dominados é um paintball cultural que, no fundo, nos deixa a todos manchados.
Com uma taça de espumante em mãos, Fraga - um dos poucos aplaudido de pé na SPFW - contou à reportagem do site da Rolling Stone Brasil a importância da trilha sonora em seu desfile-poesia. "Antes de tudo, preciso ter a música definida." Para retratar sua nada inocente Disney, escolheu faixas de Jorge Drexler ("se eu fosse compositor, ia pensar duas vezes antes de mandar minhas músicas... porque ele faz parecer que elas sempre foram dele!") e Trio Iraquitã, além de "High and Dry", do Radiohead, e "Disneylândia", do Titãs.
A RS Brasil perguntou se o estilista recordava o exato momento em que a idéia de recriar a Disneylândia sob tintas latino-americanas pipocou em sua mente. "Lembro exatamente. Foi quando vi este tour na Rocinha [com turistas]. Cada um tem a Disney que merece", ironizou. Daí surgiu a motivação para transformar "este mosaico (...) em um momento sem fronteiras, não só políticas e econômicas, mas principalmente culturais". Motivação que só fez crescer quando, em viagem ao México, ele percebeu que as favelas "tinham barracos cinzas, com caixa d'água preta" - em contraste com "bandeirinhas coloridas espalhadas por todo lugar". Uma América onde a contradição é, ao mesmo tempo, gatilho e válvula de escape.
Abaixo, você confere a cobertura da SPFW.
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