Onde você estava quando o mundo se despediu de Jerry, George, Kramer e Elaine?
Paulo Cavalcanti Publicado em 14/05/2018, às 16h27 - Atualizado às 16h35
No dia 14 de maio de 1998 foi exibido na NBC, nos Estados Unidos, The Finale Part 2. Cerca de 76 milhões de pessoas no pais assistiram ao episódio, que foi o derradeiro da série Seinfeld. No ar desde 1989, o programa foi campeão de audiência e redefiniu os caminhos da cultura pop, com jargões e personagens inesquecíveis. Mas os críticos, que por anos louvaram a inventividade da série, não gostaram da conclusão, em geral. Os jornalistas apontaram que o final se mostrava fora do tom em relação a tudo o que tinha vindo antes. O capítulo também foi descrito como “mão-pesada” e “sem graça”.
The Finale teve duas partes. No episódio, Jerry Seinfeld (interpretando uma versão dele mesmo), Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus), George Costanza (Jason Alexander) e Cosmo Kramer (Michael Richards) enfrentam uma espécie de “Julgamento de Nuremberg”. Metaforicamente, são acusados de “crimes contra a humanidade”. No episódio, o seriado baseado na vida de Jerry é finalmente é aprovado pelos executivos de Hollywood. O quarteto ganha uma viagem para a França para celebrar. Mas, no meio do caminho, o avião precisa fazer uma parada forçada em uma cidadezinha de Massachusetts. Lá, eles observam enquanto um rapaz é assaltado e, em vez de ajudar, ridicularizam a vítima, e ainda gravam tudo. Jerry, Elaine, George e Kramer são denunciados e enquadrados em algo chamado “Lei do Bom Samaritano”. Eles vão a julgamento e são convocadas como testemunhas de acusação várias pessoas em quem eles passaram a perna/ridicularizaram/humilharam. Assim, aparecem novamente Soup Nazi, Bubble Boy, Poppie, Babu e muitas outras figuras. O episódio é seco, austero e quieto, de uma forma sinistra. Talvez a intenção não fosse mesmo fazer rir.
É possível que os críticos imaginassem que Jerry Seinfeld e Larry David, a dupla de criadores, engendrassem algum tipo de redenção final para os personagens. Talvez a decepção tenha vindo daí. Não só não é isso que acontece como o caminho tomado é o exato oposto. O quarteto vai cumprir pena sem arrependimento, mantendo o lema “nada de abraços, nada de aprendizado” que sempre guiou o programa. Jerry, George, Elaine e Kramer encerram a jornada da mesma forma como se comportaram por nove temporadas e 180 episódios: sem moral, como sociopatas que não se importam com o bem-estar alheio.
Seinfeld começou como um experimento de baixo orçamento e por pelo menos três temporadas a audiência era bem abaixo da média. Só depois o programa virou um fenômeno. Os produtores e criadores do sitcom enfatizaram que era um “sobre nada”, desconstruindo e subvertendo o que dita o cânone dos três atos que pautam as séries tradicionais. O arco dramático era o que menos importava. Nesta celebração ao mundano, valiam as trivialidades e bobagens que nos fazem perder tempo, mas também nos impulsionam no cotidiano: não achar o carro estacionado ou demorar um tempão para conseguir uma mesa no restaurante, por exemplo. Ou então, implicar com namorados ou namoradas por questões fúteis. A lista é longa e os fãs se lembram delas diariamente, quando estão vivendo as próprias vidas.
A série às vezes apelava para o bizarro, o surreal e a metalinguagem. Alguns exemplos óbvios: o episódio The Pilot, em que Jerry e George tentam vender uma “série sobre nada” (um caso extremo da arte imitando a vida), e The Bizarro Jerry, no qual Elaine tem que lidar com Jerry, George e Kramer do “mundo bizarro” (uma referência ao universo de Superman, personagem favorito de Jerry).
Seinfeld ecoava vários aspectos da vida real, particularmente aqueles que são incômodos nas relações humanas, daí sua aceitação longeva. O grande público ria do quarteto, mas obviamente ninguém desejava agir como eles. No fim, a inconsequência, egoísmo e sarcasmo dos quatro cobraram um preço. No geral, eles se davam mal por agir de maneira irresponsável, especialmente George e Elaine. No caso de Kramer, ele era muito cabeça-de-vento para perceber as bobagens que fazia. Já Jerry lidava com este tipo de situação com cinismo e indiferença.
A série ainda é reprisada com frequência e ninguém enjoa de assistir às mesmas situações e piadas pela milésima vez. Pode-se teorizar que isso tem a ver com o timing de Seinfeld, que era perfeito e enxuto, com o roteiro, sempre ácido e repleto de sacadas inteligentes, ou a química entre os quatro atores principais. A série ainda tinha atores convidados de primeira linha, como o impagável Wayne Knight (Newman), além de Jerry Stiller e Estelle Harris, que interpretavam os pais de George. Naturalmente, os fãs têm seus episódios favoritos, mas o fato é que Seinfeld manteve uma certa regularidade ao longo das temporadas, especialmente após o terceiro ano. Não dá para falar que existem episódios abaixo da média ou que alguma das temporadas foi descartável.
Há um bom tempo em que a televisão rivaliza ao cinema, oferecendo produções de grande qualidade e relevância. Hoje existem muitas opções em todos os espectros dramáticos, mas quando se trata da comédia do absurdo, Seinfeld ainda é um marco a ser superado.
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