Artista reencontra a própria matriz em disco com música do ex-guitarrista Peu, Maglore e parcerias com Baiana System e Larissa Luz
Pedro Antunes Publicado em 25/04/2019, às 17h00 - Atualizado em 26/04/2019, às 00h05
"Saudade é a vontade daquilo que já se sabe que gosta". A frase surge no meio novo disco de Pitty assim, falada, sem rodeios, enfeites e harmonias. É uma vinheta de pouquíssimos segundos, como um post no Twitter, rede social na qual ela é seguida por 8,75 milhões de contas.
Ao trazer para o disco esse olhar sobre o sentimento de distância, temporal e/ou física, Pitty também expõe outras referências suas, caso o spoken word (a declamação de poesias ou letras de música), inspirada por Patti Smith e os poetas beatniks.
Pitty está em um novo momento, único na sua trajetória, no qual pode se colocar a pensar sobre quem ela foi, quem ela quer ser. Virou mãe, é apresentadora do programa Saia Justa, do canal GNT, tem milhões de seguidores nas redes sociais e discos de platina acumulados na carreira.
Em um café no centro de São Paulo, Pitty vê a caneca de cappuccino vazia, mas evita pedir mais um. Era um dia de entrevistas sobre Matriz, novo álbum da artista, lançado nesta sexta-feira, 26, cinco anos passados desde SETEVIDAS, o disco anterior dela. Sobre a sugestão de tomar mais um, opta por um copo d'água. "Se tomar três, a pessoa vai ficar ó...", diz, enquanto agita as mãos.
"Parece que eu tenho um ciclo de disco de quatro anos, né", ela brinca. Em abril, Matriz completou 1 ano de gestação. "Foi o maior tempo que eu levei para produzir um disco e foi muito massa. Muita coisa foi se revelando ao longo do processo. Eu sempre respeitei o tempo da música e da criação. Eu demoro para lançar disco, mas coloco isso entre aspas, porque alguém determinou um tempo para se lançar discos."
Aos 41 anos, Pitty está colocando a sua máquina de novo em movimento, mas não quer mais seguir estruturas pré-estabelecidas por um mercado já enfraquecido para ser capaz de ditar tantas regras assim, diferentemente de anos atrás. "Não sei quem inventou essa regra de que o artista lança o disco, vai para turnê, lança um DVD, faz turnê do DVD, e depois volta a gravar um novo disco", ela diz, à Rolling Stone Brasil, numa tarde mais quente do que fria de outono, duas semanas antes da chegada do novo álbum.
Matriz, produzido por Rafael Ramos é o retorno depois da gravidez de Madalena, filha com Daniel Weksler, nascida de 2017. Trata-se do sexto álbum da artista, entre trabalhos solo e com o duo Agridoce.
"Antes, tínhamos uma demanda de trabalho, mesmo", diz Pitty, sobre o ritmo de trabalho de turnês e lançamentos na sequência. "Mas aí a vida vai mudando. Hoje eu tenho uma filha. Comecei a me interessar em fazer as coisas com mais espaçamento. E isso é bom para a arte. Faz respirar, me faz crescer, me dá mais bagagem para compor. Cada um tem um processo de armazenar essas informações que vão virar algo, um texto, um livro, um disco, o que for."
Começou nos palcos, porque Pitty assim o quis. Figura das mais importantes do rock nacional desde o início dos anos 2000 (possivelmente a maior daquela safra surgida na virada de século), Pitty chega em 2019 com a liberdade de fazer aquilo que intui ser o melhor, sem pressão.
Por isso, voltou aos palcos com um show novo, em 2018, criado a partir do conceito de retomar sua matriz, de onde ela veio, para entender aonde gostaria de chegar - e isso, o objetivo, seria entender qual seria o novo álbum.
"Esse disco foi se fazendo. Fui dando oportunidade para ele se fazer. Não queria impor um disco, queria gestá-lo", diz Pitty. "Foi uma experiência massa. Foi uma oportunidade de testar as músicas primeiro ao vivo, algo que antes não tínhamos. Cada show gerava uma expectativa, era um frissom."
No meio do caminho, em 2018, Pitty lançou dois singles para esquentar o lançamento do novo trabalho. A primeira foi "Contramão", com participações da rapper Tássia Reis e de Emmily Barreto (do Far From Alaska), e a segunda foi "Te Conecta". A primeira não entrou no disco, "Te Conecta", sim.
"Eu sabia que 'Contramão' seria algo assim. Um evento único", conta Pitty, sobre o primeiro single. Já "Te Conecta", ela explica, se encaixa dentro do conceito que ela estava criando para Matriz e foi incluída entre as músicas do disco.
Matriz, na versão de disco, é o álbum "mais Bahia lado B" da Pitty. Ela, que carregou por tanto tempo o adjetivo de "roqueira baiana" por parte da imprensa do Sudeste, volta às origens, de certa forma, em seu novo disco.
Mas ao fazer essa nova ligação com a Bahia, Pitty não quer viver de egotrip, ela quer é tratar da Bahia que conhecei, mas não só. Além daquela na qual nasceu e cresceu, também buscou a nova versão, transformada no período no qual Pitty a deixou para viver em São Paulo.
"Se eu for mergulhar nesse mar, eu vou de cabeça", ela brinca. Na primeira música do disco, Pitty já deixa suas intenções claras ao usar um sample de "Noite de Temporal", música de Dorival Caymmi, um dos melhores artistas a retratarem musicalmente Salvador e sua Bahia.
Mas Matriz é, principalmente, um disco sobre outra Bahia, aquela contemporânea, do hoje, contada e cantada por quem veio dali, de diferentes gerações. Para isso, Pitty escolheu artistas conterrâneos para dividir os holofotes com ela no trabalho.
A banda Baiana System, destaque absoluto no universo alternativo e que tem conseguido exposição no mundo mainstream, inclusive com um bloco de carnaval em São Paulo cada vez mais concorrido chamado Navio Pirata, é protagonista na música "Roda".
A faixa, a mais pesada do trabalho, é co-assinada por Russo Passapusso e Beto Barreto, duo criativo do Baiana, e tem o cavaquinho baiano transformado pela distorção, como é comum na discografiada banda. O peso é elevado ao quadrado ao encontrar a guitarra, baixo e bateria com pegadas essencialmente roqueiras.
Nas letras, Pitty deixa muito claro quem é hoje e como chegou até aqui. "Nunca é tarde demais para voltar para o azul que só tem lá", recita, a artista, ao final de "Roda", canção na qual ela e Russo dividem os microfones para exaltar a força que têm os artistas vindos da Bahia:
"Pode olhar atravessado (mas vê se muda) /
É o nosso jeito de expressar /
Quando se entra na roda, pai /
Ninguém quer parar", cantam.
Ela também regravou "Motor", uma música da banda indie Maglore, também baiana, já cantada por Gal Costa. "O Rafa (Ramos, produtor do disco) sempre me disse que eu deveria regravar essa música", conta. A versão de Pitty deu cores vivas à faixa, ainda que a guitarra tenha um sabor nostálgico por conta do efeito vintage da guitarra que embala uma canção de saudade.
Voz grave e clássica da cultura baiana, Lazzo Matumbi participa "Noite Inteira", com murmúrios retumbantes ou cânticos ao fundo, enquanto Pitty faz uma de suas músicas mais políticas e atuais de Matriz. "Respeite a existência ou espere a resistência", canta, lindamente, Matumbi.
Trouxe também Larissa Luz, outra artista importante do cenário nacional atual, vinda da Bahia, para "Sol Quadrado", música que encerra o disco. Nela, Larissa recita um texto escrito recentemente por Pitty, em uma música composta e inicialmente gravada em uma fita cassete demo no início dos anos 2000.
"Rafael me mostrou uma fita cassete com músicas demo que eu enviei para ele em 2001. Eu nem lembrava mais dela", conta Pitty. A K7 tinha as primeiras gravações de Pitty, gravadas no seu quarto, com Pitty ao violão, e enviada ao produtor Rafael Ramos.
Foi ali o início da carreira da artista, antes dos estouros com os discos Admirável Chip Novo (2003), Anacrônico (2005) e Chiaroscuro (2009), sucessos lançados em sequência antes da chegada do projeto Agridoce, com Martin Mendonça, em 2011.
Pitty, na turnê Matriz, também quis usar seu violão antigo, aquele mesmo com o qual gravou as primeiras canções, em um set acústico do seu show, algo que ela não costumava fazer nas turnês anteriores.
"Sol Quadrado", música daquela K7 que sobreviveu ao tempo, é a música que encerra o disco e mostra uma Pitty muito atual e de 2019. Forte, de mente, de corpo e de discurso. "Tá na hora de questionar / Não vou fugir, mas da minha essência não vou me afastar", ela canta.
Em uma curiosa contrapartida, o álbum abre com "Bicho Solto", faixa que mostra uma artista mais selvagem em suas intenções, é da safra mais recente. "Eu me domestiquei pra fazer parte do jogo / Mas não se engane, maluco / Continuo bicho solto".
Única música não assinada por Pitty, sozinha ou em coautoria, em Matriz é "Para o Meu Grande Amor", música escrita por Peu Sousa, guitarrista da artista na gravação do seu primeiro disco, Admirável Chip Novo, na primeira versão da banda dela, e que deixou o grupo em 2005.
Com um currículo que incluía ainda shows ao lado de artistas como Carlinhos Brown a Marcelo D2, Peu tirou a própria vida 2013. Depois disso, Pitty manteve contato com a esposa dele, Monique Ferrari, e com a filha Ananda, que também é artista.
"Nos comunicamos [Pitty e Monique] por anos. Ela falava que queria fazer um disco tributo com algumas músicas que havia encontrado no computador dele. E eu falei: "vai me mandando as coisas, eu também quero fazer algo com a obra de Peu", conta Pitty.
Rafael Ramos, de novo, disse a Pitty que ela deveria gravar essa música. "Encontrei com a filha dele, Ananda, e ela me disse: 'Sempre imaginei essa música com a sua voz", conta Pitty. "É mais um pedaço da Bahia 'lado B'."
"A Ananda está seguindo o caminho musical e ela é uma menina incrível, com uma cabeça f***", elogia.
Pitty faz o seu disco mais contundente, musicalmente falando, mas também com relação aos temas nos quais ela trabalha em Matriz. Ela experimenta novos ritmos e sabores, algo com o qual já havia flertado no trabalho anterior, SETEVIDAS, de 2015, na música "Serpente", mas agora ela parece mais leve para experimentar a injeção do eletrônico no rock dela.
"Eu considero que esse é sim um disco de rock, principalmente em termos de texto, mas esteticamente também. Porque o que o rock propõe é virar tudo de cabeça para baixo, inventar coisas novas sempre. Esssa revolução, dando ela certo ou não. Não tô dizendo que isso necessariamente funciona, mas o ímpeto, o desejo e a intenção de fazer isso já é o que move."
Ela debate, com isso, um aspecto do rock como gênero, desgastado muitas vezes por quem vive dentro dele. "Muitas vezes as pessoas mais xiitas dizem que o rock morreu, dizem o que é rock e o que não é. Eu digo que sou roqueira e tenho muito orgulho disso. Mas isso não me limita, não me impede de fazer outras experimentações, de tocar com outras pessoas. Eu não deixo de ser quem eu sou. Quem tem medo de perder a identidade é porque não está tão certo assim dela. Eu sou muito segura com relação a isso."
Ela segue: "Nada me tira da condição de roqueira na essência. Na verdade, só me acrescenta. Acho que ficar na mesma coisa é o que pode promover uma determinada morte. Morte é não evoluir, é não transcender, é não passar de um estágio para o outro."
Pitty, ao longo dos seus discos - sempre pesados, diga-se de passagem - mostra isso. "Eu acredito na transposição de sair, na evolução de sair. Eu penso em fazer parte dessa transposição. Quero estar nesse movimento porque ele é inerente à mim. Eu não conseguiria ficar parada."
Todos os álbuns de Pitty são pessoais, porque é assim que ela cria, desde o início, quando gravou a já citada fita cassete e enviou-a para o produtor que se tornou seu escudeiro nesses anos todos. Mas há algo mais próximo da artista em Matriz.
"Entendi o conceito do disco no meio para o final do ano passado, quando eu fui para Salvador e estava nessa onda de visitar a gênese das músicas, fazendo um pouco dessa análise de porque essa menina, dentro de um quarto em Salvador, pegou um violão e começou a tocar", ela explica. "E sobre toda aquela força que o punk rock trazia, de com três acordes poder tocar tudo. Era essa a história que eu queria contar no show Matriz, essa história que eu quis contar nesse disco também."
"Porque o disco", ela diz, "veio a partir dessa análise de pensar em como cheguei até aqui, de pensar na Bahia que eu cresci, na Bahia de hoje, nos artistas que estão nesta cena da Bahia de hoje que é tão diferente da cena na qual eu cresci. Eu percebi que esse disco tinha Bahia para caramba."
A partir desse momento, ao perceber o caminho que Matriz tomaria, Pitty explica que deixou as músicas seguirem seu curso. "Eu só respeitei e também fugi dos estereótipos. Eu abracei a parte de Bahia que estava se apresentando dentro daquele repertório."
Dentro desse contexto, Matriz tem uma colaboração entre Pitty e Daniel Weskler, seu marido, chamada "Ninguém É de Ninguém" - uma canção de amor bastante libertária -, mas também tem "Bahia Blues", uma faixa intensamente autobiográfica.
"Cresci na Ladeira do Prata /
Andei no Campo da Pólvora /
Rodei pela Barroquinha /
O bar do pai, a boemia /
A mãe secretária na sapataria /
A reza da escola todo santo dia/
Medalha de santo pra boa menina", diz a estrofe inicial da música.
Já é possível perceber ali o apelo da canção, que vaga entre memórias afetivas que Pitty revisitou sobre a sua própria Bahia e sua história em Salvador. Mas, ao longo da música, ela confessa: "Eu vim de lá / Eu vim de lá, baby / Eu vim de lá mas não posso mais voltar".
Quem diz esses versos, contudo, é outra Pitty, não a de 2019, porque a mesma canção "Bahia Blues" evolui, conforme as lembranças seguem se apresentando à Pitty tinha 20 e poucos anos quando deixou Salvador e veio para São Paulo tentar a vida como artista. Hoje, aos 41, crescida, mãe, artista estabelecida, ela se sente à vontade para resgatar sua trajetória.
Ao fim de "Bahia Blues", ela celebra esse momento: A Pitty de hoje, com seu novo disco, nova vida, pronta para voltar. "Eu vim de lá, baby / Eu vim de lá … E agora eu posso voltar". Matriz é isso.
Ouça Matriz, o novo disco de Pitty, no player abaixo ou escolha a plataforma de streaming preferida aqui:
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