A noite, além de ska, teve chicha, iê iê iê, shows teatrais, rock e, claro, música pernambucana
Por Stella Rodrigues, de Recife
Publicado em 19/04/2011, às 18h38Tido pelos frequentadores como o principal dia do Abril Pro Rock, a perna do festival que aconteceu no último domingo, 17, foi marcado pela combinação de muitos ritmos, estilos e origens, bem ao estilo da proposta inicial do evento. Após diversas apresentações dividas em gêneros e noites especiais, a proposta desse segundo e último dia de Abril Pro Rock no Chevrolet Hall, o grande espaço de shows localizado na divisa entre Recife e Olinda, era ter um pouco de tudo. Aliás, o local era outro. Dois dias após ter sido dominado por muitos homens, todos de preto, durante a data dedicada à música pesada, desta vez, a variedade musical estava refletida nos tipos vistos na plateia, que, no ponto alto da noite, chegou a contar com seis mil pessoas, segundo a organização.
A noite correu animada e tranquila, exceto por um ou outro atraso e problemas de microfonia, e com bons shows, de forma geral. Passaram pelo palco Chicha Libre, Skatalites, Karina Buhr, Eddie, Arnaldo Antunes e outros - foram nove atrações, ao todo.
Entre os shows de Karina Buhr e Arnaldo Antunes, que dividem o serviço competente do guitarrista Edgard Scandurra em suas bandas, um vídeo contendo um último registro de show do pernambucano Lula Côrtes, que morreu no mês passado, foi exibido no telão, como uma forma de homenagear o artista.
Saiba abaixo como foi cada apresentação e veja entrevistas com os artistas ao final da matéria. Para mais entrevistas e imagens de trechos dos shows, clique aqui.
Feiticeiro Julião (PE)
Feiticeiro Julião, banda que abriu os trabalhos, já conhecia o Abril Pro Rock há anos. Mas foi só neste ano que o Abril Pro Rock conheceu o Feiticeiro Julião. O nome é, na verdade, com se batizou a entidade que o compositor, produtor e multiinstrumentista Júlio Castilho "encarna" quando canta. Vencedor do concurso de bandas Bis Pro Rock, pôde, pela primeira vez, estar em cima do palco, em vez de em frente a ele. Júlio e sua banda começaram o show um pouco depois das 17h30, tocando para um Chevrolet Hall ainda bem vazio. Os tambores, caxixis, a performance absolutamente teatral e a mistura de sonoridades regionais a ritmos consagrados, como blues e afrobeat, marcaram a apresentação de menos de meia hora. Foi tempo suficiente para seis músicas, entre elas "Pista de Barro" e Hiena".
Mamelungos (PE)
A variedade de ritos continuou tomando conta da ocasião com a chegada do Mamelungos, também de Pernambuco. Rock, jazz, samba, frevo e outros sabores locais foram alguns dos estilos que desfilaram pelo set list dos músicos - e olha que eles só tiveram meia hora para tocar - que se conheceram fazendo shows nas casas noturnas recifenses, formando em 2009 o Mamelungos. Com melodias animadas e letras divertidas, são os arranjadores, compositores e produtores de suas próprias canções. Fizeram um show divertido, mas de recepção morna, já que a casa continuava vazia. "Ipê Amarelo", "De Galho em Galho", "Fanfarra" e "Bicho Noturno" foram algumas das canções executadas.
Holger (SP)
Se no início da apresentação a palavra de ordem era a fusão de rimos, a terceira atração veio para quebrar isso, com a pegada mais roqueira da noite. A banda mais do que escolada de festivais em São Paulo e região chegou, pela primeira vez, ao nordeste com sua apresentação no Abril Pro Rock . "Alguém aqui já conhecia a gente?", perguntaram em certo momento. A estreia nordestina do Holger foi com alguns soluços técnicos, mas nada muito comprometedor. Donos de uma boa presença de palco, que empolgou mesmo que a plateia parecesse estar, em grande parte, se familiarizando com o trabalho deles. O show começou com "No Brakes", seguindo com "Toothless Turtles", que entrou par a trilha sonora do filme Bruna Surfistinha. Fizeram o que chamaram de "uma pausa no rock, chega de rock, a gente não gosta de rock" para mostrar "Beaver", que tem batidas africanas. Seguiram-se "Let Them Shine Below", uma das mais conhecidas do grupo, e o tradicional cover de "Hey", do Pixies, que costuma fazer parte das apresentações. O final, que também já faz parte da cartilha do grupo, trouxe a música "She Dances" mesclada a dois pancadões: o hit do YouTube "Sou Foda" e o funk de Jonathan Costa "Jonathan II". As pessoas pareceram não entender bem de onde veio aquilo, mas todo mundo dançou.
Chicha Libre (EUA)
Da selva de pedra paulista para a selva de pedra da amazônia peruana. O rock urbano do Holger foi seguido pela sonoridade latina do Chicha Libre, que usa de base a chicha, um ritmo derivado da cumbia, e colocou elementos pop, surf music e até referências ao baião em sua mistura, com direito a citação da abertura de Os Simpsons (o grupo tocou uma versão chicha do tema em um episódio especial da animação televisiva). Na verdade, conforme explica o vocalista Olivier Conan na entrevista que você confere ao final deste texto, a chicha é mais uma forma de tocar diversos ritmos do que um ritmo em si. Toda uma gama de instrumentos é necessária para chegar a essa pluralidade (bongô, maracas e reco-reco entre eles) mas, mesmo com todas essas influências saindo das caixas de som, o Chicha Libre tem mesmo os dois pés fincados na música latina. E todo mundo sabe o que isso quer dizer: música que dá vontade de dançar. A casa ainda não estava cheia, mas quem estava por lá conseguiu fazer um bom aquecimento para o salão de festas que viraria o Chevrolet Hall mais tarde, com o Skatalites. Com músicos que se conheceram em Nova York, mas são oriundos de várias partes do mundo, a banda acaba sendo não somente uma sopa de notas, mas também uma sopa de letrinha, com os integrantes usando inglês, espanhol e francês para compor e se comunicar. No set list estiveram, basicamente, canções do disco de 2008 Sonido Amazonico, entre elas "Primavera en la Selva", "The Hungry Song", "Popcorn Andino" e "Six Pieds Sous la Terre".
Tulipa Ruiz (SP)
O show da cantora, ilustradora e aprendiz de comunicóloga (conforme explica no vídeo mais abaixo) Tulipa Ruiz começou com algumas pulgas atrás da orelha já que, por engano, soltaram a vinheta anunciado Karina Buhr, em vez de Tulipa, que era a próxima na programação. O mal entendido foi desfeito logo e a doce voz de Tulipa, fazendo sua estreia oficial em Recife, conquistou a plateia - agora já bem cheia. A cantora entrou contando uma anedota: "Quando eu tinha 16 anos, ganhei uma camiseta do Abril Pro Rock e me achava a mais descolada andando com ela por São Lourenço [cidade mineira onde cresceu]". Aí, os fãs já estavam mais do que entregues. Continuou simpática, engraçada, comunicativa - conversou com os fãs entre quase todas as músicas - e carinhosa até o fim do show, um dos mais aplaudidos. A certa altura, Tulipa fez o público, até então relativamente passivo, clamar pelo seu nome e recebeu tulipas de presente. "Assim vocês e me deixam com nó na garganta, aí não consigo cantar", retribuiu. Em outro momento, anunciou a chegada do amigo Marcelo Jeneci. Após a tradicional troca de palavras elogiosas entre os dois, cantaram a bela faixa "Dia a Dia". "O nosso set list tem um hit, que é do Luiz Chagas [pai de Tulipa]", anunciou, referindo-se a "Às Vezes". "Só Sei Dançar Com Você" contou com um belo e animado coro. Perto do fim, Tulipa mostrou um dos motivos de todo mundo se divertir tanto no show dela: ela própria entrou em uma brincadeira batendo papo com os músicos e a plateia, enquanto a banda segurava a música e a cantora dançava e incentivava a dança entre os fãs.
Karina Buhr (PE)
A performática Karina Buhr nunca é discreta, mas estava especialmente "brilhosa" em sua apresentação no Abril Pro Rock. De volta ao consagrado festival da terra onde cresceu, após ganhar o Brasil, Karina abriu a apresentação com uma interpretação vocal e corporal de "O Pé". A animada cantora e sua banda de celebridades - Edgard Scandurra e Fernando Catatau tocam guitarra, enquanto Guizado assume o trompete, tocaram para uma plateia que parecia saber suas letras todinhas de cor. Ainda assim, quem pareceu se divertir mais foi a própria Karina, mergulhando a fundo em sua própria piração. Egressa do Teatro Oficina, de São Paulo, fica claro que seu lado atriz toma conta quando o holofote acende. Ela não conversou muito - "Gente, eu vou falar pouco para dar tempo de tocar mais, tá?", justificou -, mas fez questão de uma pausa para dizer, retomando o fôlego após a agitada "Ciranda do Incentivo": "Abril Pro Rock. Emoção. Eu estava nas edições 1, 2, 3, 4, ,5, 6. É nós (sic)! ". Karina, que começou a carreira integrando a banda Eddie, que seria atração naquele mesmo palco pouco tempo mais tarde, ainda apresentou, além das músicas já citadas, "Eu Menti Pra Você", "Plástico Bolha", a raivosa e engajada "Nassiria e Najaf", que encerrou a apresentação com o pique nas alturas, entre outras.
Arnaldo Antunes (SP)
Arnaldo Antunes , acompanhado de seu terno bicolor, seu iê iê iê e a super banda responsável por fazer tudo acontecer, formam uma equipe imbatível. Escalado entre duas atrações locais e fugindo um pouco dos temas estabelecidos pelas outras atrações da noite, Arnaldo foi recebido como o veterano que é. O ex-Titãs, ao lado do guitarrista Edgard Scandurra (que mesmo sofrendo de hérnia de disco fez seu segundo show seguido), o tecladista Marcelo Jeneci e o baterista Curumin, misturou seu repertório a covers bem escolhidos. Fez uma versão de "Quando Você Decidir", de Odair José ("o meu ídolo, quero dizer, ídolo de todos nós") e outra de "Vou Festejar", de Jorge Aragão, que encerrou, em ritmo de baile, a performance, que não deixou ninguém alheio. O show também teve sua porção pernambucana com a participação de Ortinho, com quem cantou "Envelhecer", composição assinada pelos dois ao lado de Jeneci, e "Meu Coração", de Arnaldo e Ortinho. "Iê iê iê", "A Casa é Sua", "Invejoso", "Um Quilo" foram outras representantes do disco Iê Iê Iê a soar das caixas de som do Chevrolet Hall.
Eddie (PE)
Eddie, última banda a tocar no festival, antes do headliner Skatalites, é um patrimônio cultural do Pernambuco. O grupo representa o que pode ser chamado de "atração raiz do Abril Pro Rock": trata-se de uma banda das antigas, que representa a época quando Recife e Olinda foram parar na boca de músicos e amantes de música do Brasil inteiro. Foi Fábio Trummer, líder do Eddie, um dos compositores da consagrada "Quando a Maré Encher", cantada pela Nação Zumbi. Donos de uma filosofia musical politizada, defendem a realização de música pernambucana no Pernambuco. Atualmente morando em São Paulo e fazendo as vezes de porta-voz da vida na cidade onde nasceu, Fábio explicou, em entrevista ao site da Rolling Stone Brasil: "Eu sempre olho lá para fora, para outras cidades, Nova York, Boston, para conhecer outras músicas. Mas na hora de profissionalizar, somos olindenses, cantamos Olinda. Não tem como ser diferente". A apresentação teve alguns convidados. Karina Buhr, ex-integrante da banda, deu o ar da graça, em clima de reunião, para cantar "Não Vou Embora". Erasto Vasconcelos também participou da performance de sua composição "Maranguape". "Desequilíbrio" e "Guia de Olinda" foram outras que marcaram momentos especiais na noite, que mostrou que os pernambucanos estão em dia com os conhecimentos de cultura regional. Antes de terminar, Fábio improvisou um recado, xingando o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, por causa da "lei seca" que enfrentou na noite anterior, ao tocar na Virada Cultural da cidade (os quiosques oficiais não vendiam bebidas alcoólicas, ainda que ela pudesse ser encontrada facilmente com os ambulantes).
Skatalites (Jamaica)
Skatalites foi o escolhido para fechar o grande dia do Abril Pro Rock 2011. Formado por uma mistura de nova geração de músicos e a velha guarda do grupo considerado o pai do ska, a banda jamaicana fez um ótimo show de encerramento. Enquanto os músicos mais jovens se encarregam de animar, dançam, rebolam e incentivam a festa, de forma geral, o membro original Lloyd Knibb mantém a disposição na bateria aos 80 anos de idade, servindo como atração a parte. A vocalista Doreen Shaffer, que não participou da fundação do Skatalites, mas já cantava ao lado do grupo na década de 60, passou a primeira parte do show sentadinha ao lado do palco, só aguardando o momento em que seria chamada. E quando foi, passou a ser o centro das atenções, com a voz impressionantemente em dia. É como se eles dissessem: "Se a gente, com essa idade, faz tudo isso, você aí embaixo não pode ficar parado". A mensagem fictícia foi captada, em especial com "Freedom Sounds", que abriu o show, e o hit "Guns of Navarone" . Kevin Batchelor, o sorridente trompetista, faz as vezes de frontman nos momentos quando Doreen não está presente. É ele que comanda as coreografias, que os outros músicos vão seguindo conforme seus instrumentos permitem. Quando o relógio marcava 1h45 da manhã foram tocados os acordes finais de "Phoenix City", faixa escolhida pelo Skatalites para se despedir e que também encerrou a edição de 2011 do Abril pro Rock.
Veja abaixo entrevista com a cantora Tulipa Ruiz:
Veja abaixo entrevista com o Chicha Libre:
Skatalites fala sobre novo disco:
Veja abaixo entrevista com Karina Buhr: