O artista nasceu nos braços do skate punk de São Paulo, e cresceu no centro do rap da cidade - agora, celebra a diversidade em live comemorativa do Old Skool
Yolanda Reis | @_ysreis
Publicado em 26/02/2021, às 19h28Skate, hardcore e subcultura parecem sempre andar juntos. Felipe Flip soa como uma síntese de tudo isso. Mas com um adendo: o rap.
O rapper/skatista/punker paulistano, de 36 anos, vive desde a adolescência imerso na cultura da rua. Começou a andar de skate lá para os 15, e logo se interessou pela própria música. Na cena daqueles dias, frequentava shows de punk e gostava do hardcore. Foi quando começou uma parceria contínua: a Vans.
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A Vans, signo da subcultura há décadas, ajudava a promover as competições de skate e patrocinava as bandas para tocarem no evento. Quem bem lembra da virada do século, recordará o auge do skate punk e a presença da marca na cultura. De lá, Felipe levou a Vans para vida.
Este ano, tornou-se embaixador brasileiro da campanha global para celebrar o clássico modelo Old Skool. O objetivo, explicou em entrevista para Rolling Stone Brasil, é "expressar a a criatividade. Sempre fazer as coisas do seu jeito e fazer seu caminho". "Bem a parada Old Skool, mesmo, Make Your Own Lane."
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A reunião sonhada (e trabalhada há décadas) entre Felipe e Vans se completará no sábado, 27. O rapper estará no escritório da marca em São Paulo, e apresentará uma performance musical ao vivo. O evento será ao vivo na página do Facebook da Vans, a partir das 20h.
(Normalmente, quando fazemos uma entrevista de origem - dessas para contar da onde um artista veio - tudo dito passa por um “pente fino” para ficar em um formato mais fácil de leitura e adequado a um texto de revista. Com Felipe, será um pouco diferente. Tem a prosa muito gostosa. Deixaremos-o se apresentar com as próprias palavras):
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Estou faz tempo na música, desde adolescente eu tive banda. Primeiro, era punk rock. Fui da cena punk hardcore, tive bandas… A maior foi Fim do Silêncio. Já tinha 15 anos, a banda. Também fiz parte da DPR - instrumental hardcore, mas vocal rap.
Comecei cedo na música, minha mãe me colocou na aula de violão. Ela sempre ouviu muito MPB, meu pai é da Nigéria e ouvia muita música negra; também gostava da música brasileira. Quando foi morar no Canadá, deixou todos os discos dele comigo. Fui muito influenciado pelos meus pais.
Comecei tocando violão, depois fui tocar guitarra. Fui pras bandas de punk, hardcore… Mas ainda era um hobbie. Trabalhava no escritório das Pernambucanas, era analista de compras. Fazia show só no final de semana e escrevia alguns raps, de zoeira, falando de comida e zoando os amigos. Mas aí a gente montou o grupo Zero Real Marginal, ZRM, lá no final de 2011, 2012… Começamos a mostrar alguns shows para os amigos.
Isso chegou no Spinardi, dos Haikaiss. Chamaram a gente para chegar no selo. Gravamos o primeiro single, “Skate Drink”, conhecemos vários estados com o single, cantando em campeonatos de skate. Aí lançamos Goldensgoto em 2015.
Em 2016, cada um foi fazer sua carreira solo. Em 2017 lancei meu EP solo, Psicologia Reversa. Nessa época eu fazia parte da Ademafia, coletivo de skate do Rio - eu representava Ademafia SP. A gente fazia a divulgação assim, tinha o Baile do Ademar, eu vaiajava para outros estados. Fiz uma mini turnê com BK e Akira Presendete.
Em 2018, 2019, misturei outras vertentes minhas, Era com rap, rock, hardcore, funk. Virei conexão da minha quebrada [Vila Maria, Zona Norte de São Paulo]. Comecei a colar com Mc Davi, Mc Kevin… Teve aquela repercussão monstra, milhões de visualizações. Me fez um ícone daqui da minha quebrada. Era mais do rap, do skate… E passei a ser essa mistura.
Também fiz muito Rap Jazz [naquela época]. Muito feat - colaboração com Mc Davi (até hoje meu parceirão) e depois comecei a construir meu novo disco. Era para ter saído há tempos, mas segurei porque… 2020? Sem chances! Era para ser em maio, mas segurei por causa da quarentena.
O novo disco chama Pela Cor. Vim nessa luta de falar mais sobre mim, minha luta, a luta afro-punk, o homem preto no rap, dando indícios disso… Lancei o single “História (não Stories)” para falar muito da luta antirracista, vim nessa batida. Produzi esse disco com o Tuti (que também é produtor e integrante do Medula e Violet Soda). Foi uma colaboração com a banda Tuyo. O vocal da Lio me ajudou muito nas ideias, melodias, letras e construções de vida, mesmo. Até então, eu lidava com homens, héteros, skatistas.
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Daí, comecei a misturar o rap, o funk, rap acústico. Trouxe uma estética mais global, mais geral - não era mais só para o homem skatista…. Fiz lovesong! Não só coisa gangsta! Mas, ali tive a ideia de falar do universal, porque essa é a luta real. Falar com as mulheres, que tem menos acesso que a gente; os gays, também. Então quis uma história mais geral, com mais singles, um rap mais orgânico e mais chilling. Aí foi isso… A última música minha foi “Do Nada,” pro meu filho. Um lo-fi! Taí. Minha história até hoje.
Cresci no berço do samba em São Paulo, Vila Maria, tinha a escola [de samba]. Tem toda essa estética. E eu era o ET. Não tinha nada do samba ou do futebol, eu era o negão do skate punk.
Conheci o skate na rua, com uns amigos. Um amigo que faleceu, foi atropelado quanto tinha uns 17, eu tinha 15. Ele gostava muito de me ver, andar, preferia me assistir do que ele mesmo andar. Aí peguei o skate, comecei a brincar. Aqui perto tem o sacolão, berço do skate na Vila. Comecei a andar lá de zoeira, depois comecei a ir mais pro centro, Saúde, Vale do Anhangabaú… Saí aí da Vila. Aqui a gente é bem “vileiro”. Tudo é longe, o centro é longe…
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Mas aí, peguei o skate e percebi como São Paulo não é tão grande assim. A gente ia para São Bernardo, Saúde, Anhangabaú. Começou a abrir minha mente para São Paulo. E comecei a ter amigos não só da Vila, mas de toda a cidade.
Na época, competia; treinava muito, amava punk rock. Mas mal ia nos shows, me chamavam e não ia, porque eu treinava o dia todo, de noite queria descansar. Ia direto para campeonato. Depois parei um pouco, comecei a trabalhar, estudar…
Mas é, a gente era viciadão na música de skate! A gente pirateava VHS de skate, copiava mesmo. Aí a gente ia lá, ouvia as músicas, e gravava uma fita só com a trilha sonora. Era muito skate punk, Rap Gangsta...
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Foi um Geoff Rowley 99. Era para ser um Old Skool, aliás! Fui comprar na Galeria do Rock, na loja Possessed. Era a loja do [Marcelo] Donald, do Gritando HC. Ainda estava vivo, era muito gente boa… Mas fui lá comprar. Quando consegui juntar meu dinheiro (custava uns R$ 85 na época, estava barato) não tinha mais. Donald me falou: “Parou de vir para o Brasil, agora só ano que vem.” Nesse meio tempo, ele faleceu… Quando voltou no ano seguinte, não veio Old Skool. Veio o New Skool e era muito mais caro!
Antes de eu comprar o Geoff Rowley, eu pegava dos outos. Tinha uns amigos, aquela galera da Vila, alguns tinham condições melhores, ou um patrocínio… Na Vila eles vinham e perguntavam: “Qual número você calça?” e eu respondia “o seu!”. Do 40 ao 43, calcei todos!
Mas meu Geoff Rowley… Era bem básico, mas cara, eu amava. Da primeira vez que fui pro Rio, fui só de skate. Fui com ele. Abriu inteiro. Mas continuei usando. A gente fazia isso. Se abria, usava com a meia aparecendo, é tênis de skatista. Bem no estilo.
É um sonho para todo mundo que tem esse contato com skate, rock, hardcore, punk… Mas começou nas vivências de campeonatos de skate, eventos… Cheguei a cantar num campeonato que a Vans patrocinava - Tudo Posso na Rua que me Fortalece. Conheci lá uma galera da equipe, ganhei um Vans, e começamos esse mini flerte. Fomos construindo aí.
A gente ia fazer um lançamento, mas a quarentena atrapalhou. Cheguei a fazer uma live pelo Instagram da Vans [em julho de 2020; Living Room Sessions], este ano temos a campanha do Old Skool… Um dos meus favoritos. Mas é isso, sonho de moleque realizado. Mas foi isso, campeonato de skate, shows, patrocínio da Vans… E várias outras conexões.
Acho esse tênis um ícone da cultura que eu transito e represente. Skate, rock, cultura, underground… É algo de fazer da arte a sua verdade, e trazer sua verdade com a arte. É expressão. Nisso, a Vans é fabulosa. Esse tênis traz muito essa expressão. Porque ele tá no pé do cara do System of a Down, McMiller, Blink-182, Anderson .Paak… Estar nessa campanha é um sonho!
Expectativa: ansioso, como sempre.
Achamos uma maneira de trazer minha vivência na música, e olha que sou meio aleatório [na área]. Me juntei com a banda Átrio Jazz para fazer minhas músicas com uma versão afro jazz. Foi legal trocar uma ideia com a galera, expressar toda minha autoexpressão e a criatividade, fazer as coisas do meu jeito e no meu caminho. A parada Old Skool: Make Your Own Lane.
Mas é isso, vai rolar um show com a banda no escritório da Vans Brasil, vou andar ali no ambiente, que é composto com toda a história da Vans. Estou empolgado com isso… Quero também agradecer a Vans, que chegou junto legal. Agradecer todos os envolvidos. Fiquei feliz de ser nomeado embaixador do Brasil nessa campanha que tem o Denzel Curry, a Chika! Adoro estar ali com a Vans na parada da Old Skool, nesse clássico do Make Your Own Lane. Cabuloso.
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