Evento de música eletrônica foi menos apoteótico do que tentou parecer; público permaneceu empolgado até o fim da noite
Por Anna Virginia Balloussier Publicado em 06/04/2009, às 18h53
Quando anunciou sua primeira edição no Brasil, a Sensation - que por aqui, às custas do patrocinador, virou Skol Sensation - prometeu ser bem mais que uma desculpa para os amantes de música eletrônica encherem a pista. A ideia era ser uma experiência de outro mundo, ou melhor, de outro plano de existência - o paraíso. Para tanto, convocou-se line-up com cinco DJs internacionais e um da casa, além de "performances interativas" - uma onda meio Cirque du Soleil, com meninas trepadas em perna-de-pau e seres esquisitões se contorcendo em volta da cabine. Pontualmente às 23h deste sábado, 4, a maratona eletro começou com algumas luzes verdes ricocheteando pela megaestrutura montada no Pavilhão de Exposições do Anhembi como se fossem bolinhas de pinball.
A aguardada abertura do Skol Sensation durou apenas quatro minutos. Tempo o suficiente para que uma voz de mulher-robô seduzisse, em inglês, o público com tiradas fáceis como "deixe-se ser embalado pela sedução", "olhe quantas pessoas bonitas à sua volta" ou "bem vindo a este lindo mundo: o paraíso". O espetáculo teve alguns tímidos fogos de artifício (tratava-se, afinal, de um local fechado), rojões de serpentina, overdose de luzes coloridas e chafarizes com jatos de água de até quatro metros. O leitor deve se beneficiar, pois soa mais interessante do que, in loco, de fato foi - a produção havia prometido, afinal, "algo nunca antes visto".
Tudo aconteceu em torno da única cabine de DJ, que reinava soberana no centro do espaço e era sombreada pela "Árvore do Amor" - uma gigantesca estrutura central com 45 metros de diâmetro, plataforma giratória (360°) e galhos brancos que lembravam uma rede de neurônios daquelas que se vê nos livros de ciência da escola. Uma música um tanto "Enya vai à rave" embalou uma animação (exibida nos telões dispostos pelo Pavilhão) que pouco lembrou o padrão de qualidade Pixar. As 40 mil pessoas foram vestidas de branco da cabeça aos calcanhares, já que só o sapato podia ser de cor diferente - e ai de quem descumprisse a exigência da produção, mesmo que tivesse desembolsado pelo menos R$ 160 (o preço da pista; o máximo era R$ 1000, pelo camarote Diamond, que dava direito até a limousine saindo da Daslu), ficava de fora. Mesmo.
Qualquer comunicação com o público era difícil, pois a cabine, disposta no alto do palco (montado pela Stage & Co, a mesma usada por Madonna e U2), era praticamente uma fortaleza. As performances também não convenceram: eram poucas e, francamente, bobas. Além das moças em perna-de-pau e de artistas fantasiados como caramujos e se contorcendo em cima da estrutura, um punhado de moças seminuas e rebolativas eram "os frutos proibidos" da tal Árvore do Amor. E só. Interativas? Bom, algumas pessoas tiraram fotos ao lado delas, se isso conta. Mas o público não pareceu ligar: reagiu ao pontapé inicial da noite com gritinhos que se esparramavam feito "ôla" pelos 58.200 m² do espaço.
Às 23h05, a abertura se encerra, deixando claro que o show havia começado. Como anunciou a voz feminina, "o primeiro passo rumo ao paraíso será dado por Gui Boratto". O paulistano de 35 anos, dez deles nas carrapetas, entrou logo em ação, com faixas de seus dois álbuns, Chromophobia (2007) e Take My Breath Away (2009). O "minimal techno" de Boratto, embora inegavelmente pop, não é exatamente "fácil" - é mais bem elaborado que as faixas eletrônicas dominantes nas rádios e, por conta (ou consequência) disso, tem mais moral em outras tribos (este ano está, por exemplo, escalado para o festival indie Coachella).
Único brasileiro no line-up, ele foi impecável em set que juntou sintetizadores, baixo e, em determinada hora, uma pegada jazzística, com sax - além dos vocais femininos, estilo Goldfrapp (que, inclusive, já teve faixas remixadas pelo DJ), a fim de jogar um balde d'água quente nas acusações de que ele faria eletro metódico demais (uma possível explicação: antes de pilotar pick-ups, ele se formou em arquitetura).
O auge - e não podia ser diferente - foi "Beautiful Life", música-saideira da performance que durou 55 minutos. A faixa é uma espécie de "Anna Júlia" do músico (como disse em entrevista ao site da Rolling Stone Brasil, ele não gosta de ser conhecido "apenas como DJ"). Mas, ao contrário do Los Hermanos, Boratto não tem vergonha alguma de seu maior hit, que fechou a apresentação com boa parte da plateia de celular e bracinhos chacoalhando no ar.
O próximo a subir na cabine-fortaleza foi o holandês Erick E, conterrâneo do evento criado em 2000 e com passagem por 22 países (levando na garupa mais de 750 mil pessoas, segundo a organização). O DJ, que começou sua carreira no hip-hop, mandou set calcado na vertente house e se aproveitou de um público já aquecido pela apresentação do antecessor.
Outro holândes e nome por muitos tido como o mais forte da noite, Fedde Le Grand (responsável pelo remix de "Give It to Me", de Madonna) chegou com camisa onde se lia "I love my girlfriends" ("eu amo minhas namoradas"). O set ganhou de cara a plateia, pondo no mesmo saco elementos de house, hip-hop e eletro pop. Compartilhando afinidades musicais com a atração anterior (não à toa, o dois também atuam juntos no projeto Sticky People), Fedde lançou mão de fórmulas dançantes que raramente falham: a música cresce, vai mais um pouco e de repente emperra, como se o disco estivesse quebrado e reprisando a mesma nota por um tempo. Então, o som explode; a galera, idem.
Quando perguntado pela repórter sobre as possibilidades de inovar numa cena em que "tecnologia" é adjetivo por conta da casa, Fedde admitiu se aborrecer com a constante demanda por "upgrades" no continente de origem. "Acho que a grande diferença é que, na Europa, nós fazemos isso há bastante tempo. Conclusão: por lá, não interessa se você é o melhor; eles não se impressionam. É como se não importasse o fato de sua mulher ser uma top model - você vai acabar se acostumando a ela."
Às 2h, nenhum DJ presente na plataforma estilo "nave mãe do Planeta Eletro". Foi só meia horinha para o Skol Festival Megamix, a menos roots das atrações da noite - talvez por isso mesmo, das que mais levou o público ao delírio. Com baladas reconhecíveis mesmo para quem nunca pisou em um club eletro, que o diga se despencou para um canto afastado da cidade atrás das grandes raves, a ideia era valorizar os 40 mil "pais e mães de santo", na edição White do Sensation, especializada em sets progressivo e house (contrapartida mais light em relação à edição Black - ainda inédita por aqui -, voltada ao tecno mais pesado, de beats que vão do hard trance ao hardcore e todo mundo vestido de preto).
O Megamix foi uma espécie de micareta eletro para lavar a alma. As batidas misturaram velhas conhecidas, como "Hey Boy Hey Girl" (The Chemical Brothers), "Harder, Better, Faster, Stronger" (Daft Punk) e "Jump It Up" (JMC). Para compensar o set sem "assinatura pessoal", o show de pirotecnia se intensificou, com direito a bolas de faíscas no ar e luzes estroboscópicas "escaneando" todo o Pavilhão.
Às 2h30, seguindo à risca o cronograma, outro holandês entrou em cena: Ferry Corsten. Figurinha fácil entre os dez melhores no Top 100 da revista DJ Mag, ele tem a manha do trance, com perfeccionismo na hora de elaborar as ondas melódicas do gênero. Nessa hora, várias almas parecem ter saído do corpo para dar um telefonema ou coisa que o valha, com a massa branca envolta em um transe coletivo.
De volta ao house, o inglês Mark Knight - ao lado de Gui Boratto, único não-holandês do pedaço - começou às 3h30 sua performance. Já íntimo da noite paulista - em janeiro, tocou em clubs da capital e do interior -, ele é conhecido por apostas sempre infalíveis. Inclua aí: remixes vibrantes de Kylie Minogue e a conterrânea banda de música eletrônica Underworld (faixas que, ano passado, o catapultaram ao topo das paradas europeias), além de uma versão dançante de "Clocks", do Coldplay. A evolução ia como montanha-russa, com vozes em slow-motion e em tons graves, do tipo imperativas, como se ordenassem: "Apenas dance". Ninguém descumpriu. As luzes, a esse ponto, eram verdadeiros convites à epilepsia, com loops de 360º de fachos verdes e muito efeito pisca-pisca.
O (mais um!) holandês Mason, última atração da noite, começou às 4h30 e despediu-se às 5h30, quando as luzes se acenderam e o público, ainda agitado e com poucos desistentes, foi tocado para fora do Pavilhão. O DJ (que aproveitou a passagem pelo Brasil e tocou na última quinta, 2, no projeto Respeite-se +, em Belo Horizonte) ficou mundialmente famoso pela faixa "Exceeder" (2006) e é reproduzido por outros grandes nomes da música eletrônica, como Fatboy Slim. O set leva toques de humor, em faixas como "Who Killed Trance". Em entrevista ao site, explicou-se: "Não gosto de ficar entediado, desse negócio de 'coloca o CD, tira o CD'. Fazemos isso há 20 anos. Por favor, não nos levemos tão a sério!".
O Skol Sensation foi um evento tranquilo, sem grandes confusões - um dos poucos acidentes registrados foi justamente na sala de entrevistas, onde a imprensa aguardava para entrevistar o DJ Fedde. Lá pelas 3h, um rapaz chutou tão forte uma das paredes improvisadas da salinha que ela foi ao chão, causando grande estrondo. A organização foi razoável - na medida do possível, claro. Afinal, 40 mil pessoas é coisa pra dedéu. Sem o line-up estrelado do irmão mais velho, o festival Skol Beats, o evento passou longe de ser "algo nunca antes visto", como tentou vender a organização, mas o público não deu sinais de ter encarado a balada como dinheiro perdido. Pudera. Pela animação demonstrada na entrada, a partida já estava ganha antes de o time entrar em campo.
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