Nova leva de episódios da série criada pelos irmãos Duffer é inevitável e mostra como somos incapazes de desapegar da zona de conforto
Pedro Antunes Publicado em 14/07/2019, às 14h30
Neste momento de 2019, as quatro crianças que centralizaram o início das histórias de Stranger Things já são mais altos do que o brasileiro e a brasileira médios. Mike, interpretado por Finn Wolfhard, já deu uma espichada tamanha que o fez ser mais alto que a mãe dele na produção da Netflix - o ator, aos 16 anos, não dá conta de viver um garotinho dos anos 1980 se ele já tem mais pêlos na perna do que eu, aos 32 anos.
Stranger Things vai ganhar uma quarta temporada, isso é certo - embora não esteja confirmado oficialmente. David Harbour, o intérprete do xerifão galã Jim Hopper, disse ter mais um ano em contrato. E, sabemos, a Netflix não vai largar o osso tão cedo, já que a série criada pelos irmãos Duffer tem funcionado tão bem.
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Acontece que Stranger Things deveria acabar por aqui, com o fim da terceira temporada, e isso não tem qualquer relação com o envelhecimento dos quatro garotinhos protagonistas, hoje mais perto dos 20 anos do que dos 10, afinal a tecnologia faz milagres nesses casos.
Deveria acabar porque o ciclo chegou ao fim para esses personagens. Eles saíram do ponto A, chegaram ao ponto B, viveram o arco narrativo proposto no início da série, evoluíram, amadureceram e, por fim, também deixaram a vida que eles tinham antes para trás. Quer dizer, até eles já aceitaram que nada mais será como antes.
Bom, se você chegou até aqui, já sabe que devemos ter spoilers sobre a terceira temporada de Stranger Things, estreada na Netflix recentemente. Se quiser seguir com o texto, fique à vontade, mas esteja avisado que teremos informações sobre o desfecho da série até aqui.
A única exceção de "encerramento de ciclo" que não aconteceu de fato gira em torno de Jim Hopper, mas qualquer saída criada pelos irmãos Duffer vai se mostrar golpista. Há quem teorize que o xerife foi carregado para o Mundo Invertido, com o fechamento do novo portal, outros dizem que ele foi parar na União Soviética, em uma prisão russa.
Ou seja, enquanto outras pessoas foram transformadas em cinzas com a explosão ocorrida quando a personagem de Winona Ryder (a Joyce Byers, mãe de Will, o garotinho que sumiu e deu início à toda a trama de Stranger Things, em 2016) fechou o portal que conectava o nosso mundo com o Mundo Invertido, Jim foi transportado? Bem mequetrefe, certo?
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Nenhum personagem foi tão importante para a terceira temporada quando Jim Hopper. O xerife reclamão viveu sua transformação ao longo dos anos e, nesta última leva de episódios, redescobriu o amor em muitas frentes. Pela filha adotiva Eleven (Millie Bobby Brown) e por Joyce. Foi sua redenção salvar a todos ali, mesmo que sua morte pudesse ser evitada.
É, na verdade, a morte dele o gatilho para um novo período na vida de Eleven, Joyce e os meninos de Stranger Things. Um período distante de Hawkins, também. A volta de Jim é a representação máxima de como não a cultura pop não está madura o suficiente para lidar com as perdas e com os fins.
Tem um lado mercadológico, no qual as cifras altas comandam as decisões. É vantajoso pra Netflix ter mais uma temporada de Stranger Things. Mas o que eles querem, exatamente, com a série? Que ela se torne algo como Orange is The New Black ou House of Cards, duas produções originais da casa aclamadas que chegaram ao fim melancólico, sem audiência e repercussão.
Manter Stranger Things além de uma terceira temporada também é problemático porque a história estabelecida pelos Duffer mostra sinais claros de desgaste.
Cada temporada traz um novo inimigo vindo do Mundo Invertido, sempre maior, sempre mais assustador, mas qual é o real objetivo disso? Eventualmente teremos uma batalha final contra o vilão definitivo? O primeiro ano teve o genial Demogorgon, o mistério em torno dessa realidade paralela na qual Will ficou preso, depois disso, tudo soou como uma melodia de música pop que você sempre acha que conhece, mesmo que a canção seja inédita, saca?
O clima de suspense e tensão ficou para trás, contudo. Nada mais foi desenvolvido desse lado da trama, foram acrescentados soviéticos que pouco trouxeram para a história e mais jovens se juntaram à turma.
Stranger Things foi capaz de criar uma ligação entre nós e essa turma, é fato. Perder Jim foi terrível. Ver Will, Eleven, Joyce e Jonathan Byers (o irmão mais velho de Will) deixarem Hawkins foi difícil, eu também entendo. Mas é como Jim Hopper explica na carta final. É difícil encarar as transformações na vida, o fim da infância e o início de uma nova fase.
É isso que significa o fim da terceira temporada. O fim da inocência, das brincadeiras cheias de imaginação. Stranger Things tem adiante um caminho problemático de criar empatia por esses personagens em uma nova fase, com novos caminhos, espinhas e hormônios desregulados.
Qualquer que seja o motivo para a volta Hawkins em uma nova aventura vai soar mais um truque barato do que plausível.
Genial, seria, se Stranger Things não voltasse no próximo ano, nem nos próximos cinco, talvez 10 anos. Como estariam os quatro amigos protagonistas, já adultos? E se eles se reencontrassem porque Barbara Holland, a Barb, desaparecida desde a 1ª temporada, voltou do Mundo Invertido. Como estariam Mike, Will, Dustin e Lucas? Eleven teria sido capaz de se adequar ao nosso mundo?
Não há nada que uma quarta temporada de Stranger Things possa fazer para esses personagens em termos de desenvolvimento de personalidade. Depois de tal perda, de Jim, o melhor é deixar que o tempo resolva algumas questões.
Por mais doloroso que seja, é hora de deixar Stranger Things para trás, em vez de espremer a fórmula até não ter mais suco algum ali. É difícil, eu sei. Mas veja quantos exemplos a cultura pop têm para mostrar que séries precisam encerrar seus ciclos antes que não haja mais o que encerrar. Game of Thrones definhou diante de milhões porque não tinha substância para se manter sem o material base dos livros de George R. R. Martin. O que dizer de Lost, então?
Deixar Stranger Things também é uma metáfora para a nossa própria vida. Às vezes, é difícil aceitar que um ciclo chegou ao fim, como percebeu o jovem Will ao se desfazer do jogo de RPG que ele e os amigos tanto curtiram por anos.
Dói demais se despedir de alguns ciclos, daquela zona de conforto, daquilo que já se conhece e domina. É difícil encarar o novo, uma nova série para maratonar, uma nova rotina, uma nova cidade, uma nova atividade que envolva uma turma diferente. Mas é isso que nos move, no fim das contas. E não há muito como lutar contra isso. Manter-se preso à uma realidade que não é mais a sua, em negação, é definitivamente pior.
É como encarar a vida adulta. Ninguém disse que seria fácil, mas é inevitável.
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