Banda lança The New Abnormal, o álbum mais estranho da carreira - e é recebida com críticas no geral positivas
Pedro Antunes, editor-chefe
Publicado em 12/04/2020, às 11h03Alex Turner tinha razão em ‘Star Treatment’, música de abertura daquele disco diferentão lançado pelo Arctic Monkeys há 2 anos. ‘I just wanna be one of the Strokes’, cantou ele no primeiro verso. "Eu só queria ser um dos Strokes".
Não vou entrar aqui na discussão se o Monkeys é filho, irmão, primo ou sobrinho do The Strokes, mas o que disse Turner é uma verdade cruel. Não era só ele quem queria ser um dos Strokes. No início dos anos 2000, todo mundo queria também. Pior, até mesmo os Strokes queriam ser como eles mesmos cantavam em Is This It, o disco de estreia do quinteto de Nova York, de 2001.
Descolados, desajustados, desligados, despreocupados, desprendidos. Desejados.
E por (quase) 20 anos, essa figura mitológica do que era ser um Stroke assombrou os próprios, além de fãs e as bandas de guitarra que surgiram graças a esse sopro de novidade retrô e derivativa. Os Strokes tinham, nas suas camadas sonoras, um punhado de boas referências nova-iorquinas (Velvet Underground, Television, New York Dolls, Johnny Thunders) dos tempos pré-punk e traziam esse espírito libertário para um mundo pre-pós-11 de setembro de 2001. E eram ótimos.
O mundo, como um todo, não sabia o que aconteceria depois daqueles atentados. Escapar por um mundo de guitarras barulhentas, vocais rasgados, bebedeiras, sexo desprendido e festas ininterruptas era tentador demais. Mas os Strokes foram perseguidos por tudo aquilo que criaram.
Não à toa Julian Casablancas cantou, 10 anos depois, algo como “todo mundo está cantando a mesma música por 10 anos”. Era 2011 e o The Strokes lançavam Angles, o quarto álbum deles - a música em questão era “Under Cover of Darkness”.
Eles viveram uma jornada e tanto (de vícios, negação, de shows sonolentos). Angles foi recebido com orelhas em pé, o disco seguinte, Comedown Machine (2013), completamente incompreendido.
Agora, chega The New Abnormal, o sexto álbum e o mais esquisito de todos. E o consenso entre as críticas que li até agora é que se trata de um bom disco - e concordo, inclusive, mas me pergunto o que houve?
The New Abnormal tem, ali no fundinho, uma essência do que os Strokes fizeram em Is This It - a guitarra base de Albert Hammond Jr., quando aparece, ainda desenha aquele riffzinho em looping, a bateria de Fabrizio Moretti procura não fugir do tum-tá-tum-tum-tá, o baixo de Nicolai Fraiture ainda pontua dramaticidade.
Mas há muito do novo Strokes também - o refrão de vocais quase guturais de “Eternal Summer” é o mais exemplo disso. Depois de Is This It e Room on Fire, dois discos que são irmãos gêmeos univitelinos, The Strokes e o mundo parecem ter saído de sintonia - embora o terceiro álbum, First Impressions of Earth, tenha tido hits, tratava-se de um disco pasteurizado e pouco vivo se ouvido hoje de cabo a rabo.
Era como se banda e humanidade desafinassem, não tinham mais a mesma frequência. Algo mudou com The New Abnormal. Tente se lembrar do som de uma corda de guitarra sendo afinada: o som destoante, aos poucos, se encaixa. O The Strokes voltaram ser bons ou o mundo está, novamente, tão esquisito quanto a banda? A segunda opção parece ser mais acertada.
Preste atenção ao contexto de 2020: vivemos uma pandemia assustadora que não existia há 100 anos, todos (quem pode, óbvio) entocados em casa, medo, incerteza de futuro, crise econômica batendo na porta, chefes de estado sem qualquer compreensão do que é o certo a fazer. Percebem?
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O mundo está com a mão na maçaneta de uma porta e ninguém sabe o que existe do outro lado. E é The Strokes que está tocando ao fundo. Mais esquisitos do que nunca, é claro, com os falsetes de Casablancas viajando por agudos nunca imaginados, sintetizadores jorrando cores neon por canções de letras sombrias.
É preciso pontuar: Casablancas realmente está em sua melhor forma desde 2001, quando ele orgulhosamente mostrava não ter forma alguma: sai o sempre-bêbado desbocado e entra em campo um compositor maduro, amargurado e completamente consciente.
The New Abnormal traz letras existencialistas, complexas e amarguradas. Por duas vezes, pelo menos, Casablancas toma consciência que está dentro da canção. Em "Brooklyn Bridge to Chorus", ele pede: "Posso ir para o refrão agora?". E chega no refrão. O mesmo acontece com "At the Door", quando ele canta "me atinja como um acorde", mas o mesmo não ocorre, a voz dele segue dentro de um vazio incomum para o The Strokes. Claro, é uma música sobre solidão e perda.
Vinte anos se passaram desde que The Strokes escreveu e cantou sobre noitadas incontroláveis e amores superficiais. Duas décadas. Esse tempo passou. Para eles, para nós, para o mundo.
Hoje, em 2020, os Strokes cantam sobre refletir sobre a jornada. Não é necessariamente nostalgia, porque a estética de The New Abnormal é completamente derivada dos anos 1980 e da New Wave, com pitadas do garage rock que a banda ajudou a estabelecer na entrada do século.
Os versos também não "miss the good old days" (verso de "Someday", do disco de estreia deles), não recordam com alegria os anos anteriores. Pelo contrário, eles refletem uma solidão de quem arruaçou demais e hoje não tem ninguém.
Como diz a letra da já citada "Brooklyn Bridge to Chorus": "Quero ter novos amigos, mas eles não me querem". O peso do tempo é quem estapeia Casablancas e companhia. Foi uma surra das boas.
The New Abnormal encontra a banda com aqueles pedaços de carne congelada colocada nos rostos deles depois de uma surra, como vemos nos filmes. "Not the Same Anymore", de quase 6 minutos de duração, é a principal canção de The New Abnormal por trazer exatamente todos esses sentimentos.
É uma faixa mais strokeana do que mais da metade do disco, que chega a um refrão minimamente tradicional, como faísca na pólvora, enquanto Casablancas se mostra completamente desolado. "Eu não posso mudar, é tarde demais."
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Vinte anos atrás, todos queriam ser como os Strokes. E quem viveu àquelas canções ao pé da letra, está como Casablancas hoje. Diante de um mundo complexo e amedrontado no qual o normal não existe. Não existem festas, existe isolamento. Não existem jaquetas de couro, existem pijamas usados dias seguidos (afinal, qual é o motivo de trocar de roupa e permanecer em casa?).
The New Abnormal é a sinfonia do esquisito. E vivemos nela.
Como cantou Alex Turner naquela mesma canção usada no início desse texto, "Star Treatment", no verso seguinte: "Now look at the mess you made me make". "Eu só queria ser um dos Strokes, agora veja a m**** que você me fez fazer."
Pedro Antunes é editor-chefe da Rolling Stone Brasil, já jogou futebol com Julian Casablancas em um distante Lollapalooza Brasil 2014, e foi atingido por The New Abnormal aos 33 anos da mesma forma como, 19 anos atrás, foi atingido por Is This It. Mas os tempos são outros. O Strokes e ele, também.