<b>Trabalho Sujo</b> <br><bR> Alexandre Orion durante a criação de “Ossário”. O projeto foi realizado em 2006, a partir da fuligem acumulada no túnel Max Feffer, em São Paulo - Reprodução

Documentário Olhar Instigado explora interseções entre grafite e pixo na cidade de São Paulo

“Prefiro um Estado que apaga tudo em vez de um que elimina só a pixação", diz Alexandre Orion, grafiteiro abordado no filme

Gabriel Nunes Publicado em 09/03/2017, às 16h11 - Atualizado às 17h11

Para muita gente, o espaço público é considerado um não-espaço – um local a ser evitado. Há, no entanto, um movimento contrário a essa ideia, de pessoas que querem ocupar esse lugar, mesmo que muitas vezes à revelia de determinadas instituições. Pensando na maneira como o espaço público vem sendo tomado, e também na forma como esse “ocupar” é ou não hostilizado, os diretores Chico Gomes e Felipe Lion deram o pontapé, em 2011, para um projeto que culminaria

no documentário Olhar Instigado.

Veja as imagens do filme na galeria acima.

Elaborado a partir da ideia que tiveram para um trabalho de conclusão de curso (os dois estudaram Rádio e TV na Fundação Armando Álvares Penteado – Faap), o longa-metragem traça um contraponto entre o grafite e o pixo na cidade de São Paulo (embora a gramática estipule a grafia “picho” como a correta, quem estuda e atua no meio prefere utilizar os termos “pixo”, “pixador” e “pixar”). São dois tipos de intervenção urbana que buscam, cada uma à sua maneira, ocupar as ruas e o espaço público.

Assista abaixo ao trailer do documentário.

Para entrelaçar ambas as manifestações, os diretores reuniram diante das câmeras dois grafiteiros (Alexandre Orion e André Monteiro “Pato”) e um pixador (Bruno Rodrigues “Locuras”). “Lá atrás [em 2011], o filme era uma série de minidocumentários de cinco minutos”, relembra Gomes. “Assim que me formei, decidi levar o trabalho adiante. Queria transformá-lo em um longa-metragem, mas para isso precisava afunilar melhor o tema. Foi aí que chegamos a três personagens diferentes, com visões e vivências distintas de São Paulo.”

Filmado em 2014, Olhar Instigado é lançado nesta quinta-feira, 9, para dar novas matizes a uma discussão antiga, que acabou reacendida com a instauração do programa Cidade Linda na capital paulista. Capitaneada pelo prefeito João Dória (PSDB), a ação prevê, entre outras medidas, “a limpeza das pixações”, conforme aponta o site da prefeitura da cidade. Além da tolerância zero em relação ao pixo, o gestor removeu inúmeros grafites dos muros da Avenida 23 de Maio, ressaltando ainda o interesse de criar um “Grafitódromo” inspirado no Wynwood Arts District, em Miami. No entanto, essa “política da boa vizinhança” com os grafiteiros é interpretada por Orion como uma “curadoria perigosa”.

“O mais dramático disso tudo é que o apagamento não é geral”, diz o paulistano, que começou a trabalhar com grafite em 1993. “Prefiro um Estado que apaga tudo em vez de um que elimina só a pixação, mas preserva o grafite. Acho desagradável um Estado que institucionaliza demais as formas de expressão.” Dando respaldo às palavras de Orion, Pato acredita que o apagamento de alguns trechos grafitados da 23 de Maio está associado à preferência estética de uma minoria elitista e dominante. “Até entendo você achar que o Romero Britto é mais bonito que uma parede com grafite, porque isso não passa de uma questão de gosto. Ou de ignorância”, declara o paulistano. “Precisamos pensar a arte como substantivo, como manifestação cultural, e não apenas como adjetivo, como algo esteticamente bonito ou feio. Eu consigo ver a beleza daquilo, da ocupação, do diálogo.”

Embora grafite e pixo tenham origens semelhantes no que diz respeito à transgressão, é o segundo que traz enraizado o estigma social. Afinal, por que o pixo existe? E por que ele incomoda tanto? São perguntas como essas que tangenciam o documentário de Gomes e Lion. Para Orion, as pessoas aceitam o grafite, mas se incomodam com o pixo porque ele é um trabalho cujo objetivo principal é provocar uma espécie de náusea em quem olha, uma vez que nasce do desconforto existencial de uma juventude periférica silenciada.

“As pessoas tendem a hostilizar algo que é hostil”, define. “É muito mais fácil gostar de um trabalho colorido do que de um monocromático, que parece um espinho. A pixação é a coroa de espinhos de São Paulo.” Arrematando as palavras do grafiteiro, Bruno Locuras, que paradoxalmente concilia a vida de pixador com a de pintor predial, declara: “Você começa a pixar porque quer sair da invisibilidade. Você começa a pixar por vontade de se autopromover, mas aí, no decorrer dos anos, sua mente vai evoluindo para outras ideias. Hoje em dia, meu pixo é com intenção política e minha luta é para mostrar o pixo como arte".

cinema joão dória grafite PSDB pixo andré monteiro pato olhar instigado políticas higienistas bruno locuras alexandre orion chico gomes felipe lion

Leia também

Blake Lively se pronuncia sobre acusação de assédio contra Justin Baldoni


Luigi Mangione enfrenta acusações federais de assassinato e perseguição


Prince e The Clash receberão o Grammy pelo conjunto da obra na edição de 2025


Música de Robbie Williams é desqualificada do Oscar por supostas semelhanças com outras canções


Detonautas divulga agenda de shows de 2025; veja


Filho de John Lennon, Julian Lennon é diagnosticado com câncer