- Capa de Fala (Foto: hick Duarte)
ENTREVISTA

Fala: Teto Preto celebra uma década de existência com lançamento do 2º álbum

O disco chegou às plataformas na última quinta, 31, pelo selo MAMBArec e conta com participações de Saskia, Jup do Bairro e Getlio Abelha

Pedro Figueiredo (@fedropigueiredo) Publicado em 01/11/2024, às 15h03

Um dos maiores expoentes da cena underground — ou "undergrande," como definem — a Teto Preto lançou nesta quinta o segundo disco da carreira, Fala (2024). A banda formada por CARNEOSSO, Entropia e Marian Sarine explora ritmos como dubstep, drum'n'bass, garage, acid, reggaeton e hyperpop ao longo de nove faixas.

Apesar do lançamento coincidir com os 10 anos de banda, Laura Diaz, a CARNEOSSO, explica em conversa com a Rolling Stone Brasil que a coincidência se deu pela urgência. "Das dificuldades de produzir cultura independente depois de um período de pandemia, que tinha ainda um governo muito fascista do Bolsonaro e, enfim, todas as outras consequências dessa grande guerra que a gente ainda tá vivendo."

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Apesar do maior tempo de espera para o lançamento da obra, o grupo vê como positivo o momento em que o disco chega ao mundo. Fala foi refeito três vezes e foi se construindo ao longo de jam sessions e também nos palcos. "É um álbum muito vivo."

"Fala," segunda faixa e que dá nome ao disco, surgiu durante uma jam, apesar disso, Laura revela que costuma chegar com letras já bem estruturadas. "Mas é bastante eu e o Matheus [Câmara, o Entropia] cavando tudo e pensando esses arranjos."

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"Uma coisa que sintetiza bem o nosso processo criativo é que a gente veio da jam session. Começamos a tocar em grupo de session," diz Matheus. "Porque toda composição acaba sendo um grande improviso que vai tomando forma de arranjo. Tem muita coisa que chega com mais estrutura, no sentido de letra, de mensagem e a música acaba vestindo isso."

Anderson Herzer

A inspiração vem de muitos lugares. Mas Fala tem um padroeiro, — assim como o primeiro álbum, Pedra Preta (2018) teve a padroeire Safo, poetisa grega da ilha de Lesbos — Anderson Herzer. "Ele é o autor de um livro que foi organizado pelo [Eduardo] Suplicy, que se chama A Queda Para o Alto," explica Laura.

É o primeiro relato de um homen trans a ser publicado no Brasil. Os relatos do Anderson têm uma importância gigantesca e fizeram 40 anos no ano passado. Ele é uma grande inspiração que eu estou levando adiante.

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A capa do álbum também traz uma mensagem importante. "É sobre essa provocação de lugar de falha e lugar de fala," Laura reflete quando fala da participação de Saskia, multiartista que está na faixa título do disco. "Ela fala até três minutos de música e eu só entro lá na frente."

Quanta violência a gente tem que engolir para conseguir falar o que é necessário. Quando a gente sofre abuso, escolhemos denunciar quando não tem mais jeito. Caso contrário a gente se cala para conseguir chegar mais longe. Então como a gente transforma a violêcias que as nossas corpes estão sempre recebendo? Espero que desangustie e venha tirar essa bola da gargante, ou pelo menos provoque. 

Daí a figura da engolidore de espadas na capa do disco. Matheus completa com uma frase que sua vó dizia na infância: "Não dá pra gente ficar dando murro em ponta de faca," relembra. "Eu sinto que isso era muito um jeito de se invalidar. Isso, para mim, foi um super fio condutor: vamos dar murro em ponta de faca, sim! Vamos engolir a faca."

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Para finalizar o álbum, a Teto Preto teve que fechar a agenda. Com a flexibilização da pandemia, a banda estava com a agenda repleta — chegaram inclusive a abrir o show da artista japonesa Rina Sawayama. O grupo, então, decidiu focar na produção do álbum, para isso negaram até uma participação do The Town. Agora, com o projeto pronto, a banda já tem um álbum de remixes bem encaminhado.

"A gente acaba fazendo tudo, não só pra gente, mas para outras pessoas. Eu fico brincando com a galera que é um disco de um milhão de dólares, sem gastar um milhão de dólares, " diz Matheus.

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Participações especiais

Para o disco, a Teto Preto conta com as luxuosas participações de Saskia, Jup do Bairro e Getúlio Abelha. "A Saskia é uma grande obsessão minha," revela Laura. Ela exalta as diversas habilidades da artista que toca instrumentos, produz e ainda trabalha com audiovisual.

"A Jup é uma irmã de muitos anos, a gente se conhece desde o nada." Foi com a cantora que Laura se sentiu a vontade para fazer uma música sobre safadeza. "Transformando o trauma em melodia e rentabilidade," brinca. "Ela tem muita precisão também."

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A relação com Getúlio se deu quando o artista começou a despontar nas redes sociais. Laura se interessou pela arte dele e "pela forma como ele encara o balé, o show é muito bem construído e a pesquisa é muito sagaz. É futurista, ele puxa o terror, o gore, o clown."

"Para mim, como nordestino, ter Getúlio nesse álbum é uma p*** vitória," celebra Matheus. "E não levando para esse lugar só regional. A reafirmação não vem só da origem e do grupo minoritário que você faz parte."

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O rolê underGRANDE

A Teto Preto é fruto da cena underground, surgiu na Mamba Negra e segue sendo um dos grandes nomes que surgiram deste background. Quando falamos sobre a importância deste contexto, Laura reflete sobre o ano de 2024 para estes artistas: "Foi um enterro. Tentaram nos matar e nós não tivemos sequer o direito de morrer. Então conquistamos a eternidade."

Iniciativas como a da Teto e de outras artistas como Jup e Maria Beraldo, como lembra Laura, são importantes para gerar perspectiva. "O Brasil historicamente é um país que assassina seus heróis - e assassina travestis, é o que mais assassina travestis no mundo - então o que a gente faz é o impossível, sim. É tecnologia." 

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"O que a gente faz assusta, porque só vai para frente se tem dinheiro de investidores envolvido. Nossos investidores são a cena," reflete Laura. Fala, segundo álbum da Teto Preto será lançado no Festival Novas Frequências no dia 7 de dezembro, no Rio de Janeiro e no dia 14, na Mamba Negra.

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